ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

Para os interessados em Filosofia, Ciência, Religião, Espiritismo e afins, o Acervo Virtual Huberto Rohden & Pietro Ubaldi é um blog sem fins lucrativos que disponibiliza uma excelente coletânea de livros, filmes, palestras em áudios e vídeos para o enriquecimento intelectual e moral dos aprendizes sinceros. Todos disponíveis para downloads gratuitos. Cursos, por exemplo, dos professores Huberto Rohden e Pietro Ubaldi estão transcritos para uma melhor absorção de suas exposições filosóficas pois, para todo estudante de boa vontade, são fontes vivas para o esclarecimento e aprofundamento integral. Oásis seguro para uma compreensão universal e imparcial! Não deixe de conhecer, ler, escutar, curtir, e compartilhar conosco suas observações. Bom Estudo!

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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

ASCESE DE UMA ALMA

Comentário(s)

A vida é uma viagem e eu sou um peregrino: serei sempre encontrado a caminhar. (...) Caminho, caminho pela infinita estrada da vida. Como é longa a caminhada, como é grande a dor, como é espantoso o conhecimento e infinito o universo; parece que jamais conseguiremos chegar! E no fim, está o abraço da morte irmã...

Vai-se exausto de forças, carregado do pó da viagem, pesado de lama, de lágrimas e de sangue. Quanto trabalho para atravessar a vida! Em nenhum ponto se sabe como a alma pôde arrastar-se até lá. À espera do abraço da morte irmã, a dor chama e martela. O leitor não sabe quanto sofrimento humano condiciona certos triunfos do espírito. Estou freqüentemente muito cansado. Sinto-me culpado e abatido... Esta minha pobre irmã carne chora abafada, já sem coragem para protestar. Pobrezinha! Ela sabe, porém, que o seu sacrifício era necessário a estas afirmativas de uma vida mais alta. Ofereceu-se e recua hoje, humanamente doente, sem um lamento. Pobre irmã, obrigado por teu pequeno heroísmo. Ela o compreendeu. Ensinei-lhe, dia a dia, que ela não podia ser um fim, mas apenas um meio. E ela disse ao meu espírito: “Vive tu, então, que vales mais”. Há tempos, pedi ao meu corpo que se oferecesse em holocausto e ele me respondeu: Toma-me. E agora, ele é tão distinto e afastado de mim, que o considero como uma outra criatura que amo, porque à sua imolação devo a verdadeira vida. É justo que o menor se sacrifique ao maior. A minha piedade deixa-o morrer tranquilamente.

A dor bate, martela, consome e reedifica. É um martelar rítmico, lacerante, que fere e desperta as profundezas. Esse martelar arranca de minha alma gritos que são a sua voz, uma voz que conta, com lógica e calma, uma história trágica e estupenda, profunda e sublime — a história de uma alma que conquista o infinito.

É para lançar estes gritos, que são minhas obras, que enfrento e empenho minha vida; é para viver, viver e narrar este fenômeno supremo que suporto, sem auxílio nem piedade, a minha imensa dor interior, diante da qual estou sozinho e não posso estar senão sozinho. Com a agonia do humano se resgata o triunfo no divino.

Contei às pedras a minha dor. Contei-a às ondas humildes, às árvores amigas, ao céu e ao vento. Minhas lágrimas ardentes caíram sobre as pedras e elas não se partiram. O homem olhou-me rindo e as criaturas irmãs recolheram-se pensativas, em silêncio. A onda humilde e casta vai ainda, murmurando, levar meu pranto de crista em crista, sem compreender. É preciso ter gritado ao mundo, sem resposta, uma grande paixão incompreendida; é preciso arrastar-se, sangrando, sobre espinhos; é preciso ter atravessado o deserto de todas as solidões e de todos os abandonos; é preciso ter perfurado, com a cabeça, as duras portas do céu para abri-las e, com o último alento, ter atirado para dentro a alma encolhida, para que o infinito se entregue e a visão de Deus apareça em seu deslumbrante esplendor.

Aquele que se lança através de certos caminhos deve perder o apoio da compreensão humana. Deve, num certo ponto de seu caminho, encontrar-se só, porque ninguém mais está em seu plano — só e sem ajuda, tem que avançar por desconhecidas e ásperas estradas. Sobre a terra: indiferença, quando não sorrisos céticos e censuras. Se se tem sede de almas e ninguém sente tal febre espiritual — ninguém compreenderá de que paixão se morre.

Chegam, então, do céu, ao qual o espírito se prende como última salvação, as provas maiores. Parece que as forças da vida percebem possibilidade de uma fuga e nos agarram para impedi-la. Parece desencadear-se, no dinamismo cósmico, uma rebelião contra a nascente exceção, que viola a regra geral, e começa o assalto. Só quem o experimentou pode imaginar que coisa é esta insurreição de forças que exigem o nivelamento na mediocridade.

Trágico e ciclópico destino, de conquista e de aflição, de visões e de trevas, em que me debato, criando no pensamento, enquanto peço um repouso que não existe senão na morte. Só no pensamento reside a minha mais intensa sensação de viver. Nestes contatos super-humanos está, para mim, a razão de tudo, o refúgio, o repouso, a nutrição e o cansaço. Sinto meu organismo estalar sob tamanha tensão. E já estou sobrecarregado com o trabalho normal de todos, necessário para o cumprimento dos deveres e para se ganhar a vida. Mas o espírito está calmo, observa satisfeito e vai espreitando os sintomas do fim, inebriado com a sua criação, triunfante e contente deste lento martírio, sonhando, nele, sua libertação e redenção.

Ofereço, fisicamente, o espetáculo do homem prostrado pelo lento trabalho da exaustão. Tenho a sensação de uma longuíssima agonia em que as forças físicas se diluem. Não é moléstia, nem lesão, ou alteração orgânica. É o extinguir-se, o dar-se de uma forma de vida, enquanto o essencial se coloca mais no alto. Os dois termos, matéria e espírito, são antitéticos. Só em tal estado de prostração física se avizinham as transparências do céu. A ascensão espiritual é feita também desta desmaterialização exterior; tal sublimação da alma implica também estas transformações íntimas da matéria. O corpo se extingue, e vaporiza-se numa dilatação imensa. Só neste estado se pode falar de coisas que já não são da terra. Somente com a alma nua diante de Deus e com o corpo nu diante da morte se assume o dever da sinceridade absoluta e de certos testemunhos supremos; somente sob o martelar tenaz da dor, olhando para a morte e apresentando-se além dela, se tem o direito de levantar a voz e de se falar em nome de Deus.

E eu falarei, pelo direito que me dá o ter sofrido tanto, ter-me oferecido em minha fadiga que foi até à exaustão, e por ter Cristo no coração; pelo direito que me confere o batismo da dor, o espasmo da paixão, o dever, o amor. Uma voz imensa eleva-se de meus laboriosos silêncios; a dor me arrancará novos clamores, a visão me encherá de novos entusiasmos; eu senti algo de inolvidável no tempo, lá longe, nos infinitos espaços do meu espírito e não posso esquecer, não posso calar. E direi, obedecendo a uma ordem que me é superior, que só eu conheço, e que está por sobre todas as ordens humanas. Tenho de dizer toda a minha verdade antes de morrer e, na morte, dar testemunho de minhas afirmações. Devo deitar a semente para que um dia germine. Recebi o archote da verdade e devo passá-lo aos que me seguem. Devo, até meu último alento, com a palavra e o exemplo, dar a certeza da idéia que possuo. O que importa é a idéia e não este inútil trapo de minha pessoa. Num exaltamento de todo meu ser, grito com toda a força de minha voz a verdade da vida eterna e da ressurreição no espírito. E digo: vede e tocai, vós que não credes — eu o vivi.
  

(Pietro Ubaldi – Trechos do livro “Ascese Mística”)

ORAR, PRA QUÊ?

Comentário(s)

Por Aloísio Wagner

Na história de todos os sábios, profetas, mestres e iniciados, sempre existiu a presença ativa da Oração e suas recomendações. Assim como nós necessitamos do alimento material para sobrevivermos fisicamente, da mesma forma necessitamos do alimento espiritual para nos tornarmos vivos espiritualmente! 

A Oração tem como papel inicial a harmonização e o fortalecimento de nosso ser na senda espiritual, em nossa caminhada evolutiva. E em segundo plano, o serviço a humanidade. De que forma? Orando por ela. Desejando para ela aquilo que desejamos para nós: a cura de nossas chagas morais e a transformação de nossas consciências. E pensando e mentalizando numa humanidade feliz, solidária, fraterna, humilde, consciente, alegre, sincera, honesta, amiga, justa, amorosa, em paz. Buscando que este ideal seja uno com nossa mente, com nossas emoções e com nossa vontade. Fazendo com que, aquilo que estamos pensando esteja vibrando também no centro de nossos corações, para que o amor verdadeiro desabroche em nós neste momento especial. 

O recolhimento deve ser feito diariamente; se possível em um local adequado, silencioso, limpo; sem a presença de incômodos e intrusos. Procurando realizar, se possível, no mesmo horário. E se possível também, realizar este trabalho de oração em grupo. A força de um grupo com o mesmo propósito gera milagres. O resultado destas forças em conjunto, em união, tem efeitos inimagináveis para nossas mentes.

Estimulem-se e prontifiquem-se a este trabalho, a humanidade precisa e nós precisamos muito mais. 

Mas, o que é orar? 

Orar é comunicar-se com a Divindade, com a Fonte, com o Uno, com a Consciência Cósmica, com a Lei, com Deus! 

É concentrar todas as energias do coração, da mente, da alma, para unirmo-nos a Ele! 

É buscar compreender a Sua vontade num esforço para colocarmo-nos em prática no dia-a-dia! 

É buscar a luz da Sabedoria d'Ele, que há em nós, mas com vontade determinante!

É buscar o calor do Amor d'Ele, que também há em nós, mas para distribuí-lo aos homens e a toda a natureza em derredor, com discernimento e sabedoria! 

É abrir as nossas almas, desnudando-nos perante Ele, conscientizando-nos de nossas deficiências e pedindo-O a Sua Força e Sua Luz, para curar nossas doenças, fraquezas e ignorância!

É desejar sinceramente e com afinco a nossa transformação!

É se esforçar nesta comunhão, de ser o que somos na essência, em nosso centro mais profundo: “a imagem e semelhança de Deus!”

É buscar sentir todas as criaturas de Deus, abraçando-as em nosso íntimo, aceitando-as, admitindo-as, em nossos corações!

É agradecer profundamente ao Pai, pela nossa existência e por tudo que nos assiste, por tudo que somos, e por tudo que temos! 

É agradecer e reverenciar toda a infinita Hierarquia Espiritual, que são os instrumentos de Deus, colocando-nos disponíveis para ser também um elo consciente do Amor e Sabedoria de Deus que se expressa através de todos os seres!

É adorar, com todas as nossas forças, com todo o nosso coração, com toda a nossa mente, com toda a nossa alma, Ele, o Único, o Absoluto, o Alfa e o Ômega, o Princípio de todas as coisas, a Mente Cósmica, o Incriado, a Vida Maior, o Amor, a Justiça, a Verdade - Deus!

Que Este nome se torne um gozo e uma alegria ao pronunciarmos, ao pensarmos, ao intuirmos!

Silenciemos sempre, para ouvirmos e auscultarmos a Tua voz!

Doce Eterno, Te amamos!

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

QUEM É NOSSO INIMIGO?

Comentário(s)

Por Aloísio Wagner


O “inimigo” que aparece em nossas relações assumindo diversas facetas como o antipático, o arrogante, o mentiroso, ou até mesmo aquele que nos quer prejudicar fisicamente ou moralmente, quem é este misterioso personagem? Por que ele foi cruzar logo nosso destino? (Poderíamos perguntar).

Quando penetramos um pouco mais nos mistérios da alma, percebemos cada vez mais a presença de Leis que nos governam e que nos impulsionam para objetivos maiores que a superfície do intelecto não concebe de imediato, vamos então assumindo uma postura cada vez mais de aprendizes e alunos do Cosmos; vendo em cada coisa e situação as "Mãos" de Deus trabalhando em nossas almas e nos dirigindo para propósitos nunca dantes imaginados; e um destes propósitos é a evolução, a transformação de nossas consciências, porque só ela nos aproxima d'Ele, e só esta aproximação preenche nossas vacuidades nos plenificando com a substância de Si, e nos tornando íntegros, sábios, bons e felizes!

Quando o nosso inimigo nos ataca, ele pode nos humilhar ou inferiorizar, mas não tem a autoridade de fazer com que nos sintamos humilhados e inferiorizados; esta é uma atitude nossa e de nossa responsabilidade e autonomia; nossos inimigos não têm as chaves secretas de nossas almas que só é liberado o acesso interno com a "senha" disponibilizado por nós!

Quando o nosso inimigo nos agride, isso demonstra que ele está espiritualmente doente, necessitando de nós uma atenção e compreensão especial; se reagimos com raiva ou se guardamos mágoas, deixamos que as sombras dentro dele desperte dentro de nós nossas sombras também. Passa a haver uma ressonância e correspondência energética de mesma vibração; em outras palavras, denuncia dois doentes que precisam se curar. Aquele que busca ver além das aparências o ser doente e necessitado de auxílios pode vislumbrar no âmago do seu opositor um ser sadio e luminoso que apenas aguarda no tempo-espaço a oportunidade para viver, aprender e se transformar! 

Inimigos são aqueles que acabam denunciando nossas falhas internas, caso algo negativo se aflore em nossas mentes, emoções e ações. Contudo, são instrumentos inconscientes da Lei divina que nos quer transformar, quer nos fazer mais conscientes, puros, bons, perfeitos. A Lei divina precisa nos mostrar claramente nossas falhas e doenças para que curemos, já que voluntariamente não buscamos com afinco, ou mesmo que buscamos, nossos esforços geralmente são insuficientes para enxergar todos os pontos falhos, o que necessita uma intervenção divina a nosso favor.

Sejamos gratos à Vida e aos chamados “inimigos”; amanhã, quando nossos olhos da alma se abrirem e formos purificados pela graça do amor, veremos quanto devemos aos nossos supostos inimigos. Inimigos do ego, mas amigo de nossa conquista espiritual, de nossa auto-realização, em Deus!

"Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem". (Cristo)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

HUMANIDADE D'AQUÉM E D'ALÉM

Comentário(s)

Não fales, meu amigo, em nome da humanidade!
A humanidade não é esta que nosso planeta habita...
Esta é apenas diminuta parcela da humanidade total...
Esta é parte mesquinha da humanidade sublime...
Vivem neste mundo mais de sete bilhões de homens, diz a ciência.
Centenas de bilhões já passaram por este planeta – e se foram...
Para onde foram eles...
Não se sumiram no vácuo e no nada...

Sabemos que o espírito imortal, uma vez que existe, para sempre pode existir.
Vive aqui a pequena humanidade – vive acolá a grande humanidade...
Nem somos a centésima parte do que eles são...
Nós somos os sonânbulos – eles os acordados...
Acordados na luz eterna – se forem filhos da luz...
Agora, profanos – então, iniciados...
Agora, semivivos – então, pleini-vivos...
Agora crentes ou descrentes – então videntes ou voluntariamente cegos...

Nós aqui ignoramos se valeu a pena termos nascido – deles se sabe se a colheita valeu a sementeira...
Nós, ainda no invólucro desta vida mortal – eles sem máscara nem véu ao sol da verdade...
Nós, os principiantes, tateamos ao longo da estrada – eles, os avançados, se aproximaram da meta.
Hoje, no mundo material – amanhã, num ambiente imaterial...
Feliz do homem que no aquém tem fé no que verá no além...
Feliz de quem, pela fé no futuro, antecipa a visão do presente!
Feliz de quem, olhando para a aurora, aguarda o sol meridiano!...
Feliz de quem segue o “fio de Ariadne” – que do labirinto das trevas o conduzirá ao mundo da luz!...
Feliz de quem sofre o “espelho do enigma” das coisas presentes – e entram no mundo dos invisíveis...

Tombam milhões de gotinhas humanas das nuvens do aquém – no oceano imenso do além...
E amanhã – cairá esta gotinha também...
Cairá a tua, meu amigo...
Cairá a minha...
Voltando para donde veio...
Ao seio de outros mundos...
Rumo à meta final.


Huberto Rohden, do livro: De Alma para Alma

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

VISÃO DE PRAIAS LONGÍQUAS

Comentário(s)

Terminou, enfim, a grande batalha...
Cessou a ofensiva de longos decênios...
Expirou o dia trabalhoso da vida terrestre. Juncam a terra dormente cadáveres de folhas outonais...
Morreu no poente a derradeira retaguarda da luz — derrotada pela vanguarda da noite...
Para além se alonga, a perder de vista, a amplitude do mar...
Alva barquinha de velas pandas sulca a taciturna planície...
Rumo aos litorais do além envoltos em sombras pressagas...
Qual cisne veloz desliza a nave gentil — ao sopro das auras de Deus...
E eis que a meu lado assoma a figura do Mestre — meu grande amigo...
Visível, o invisível confidente das noites da vida...
Das longas agonias...das grandes solidões...
Das mágoas sem nome...dos mistérios anônimos...
Calmo, sereno, como a argêntea placidez do luar, é seu vulto heril...
Senta-se a meu lado o Mestre querido, empunhando o leme da nau...
E uma onda de luz e de vida envolve minha alma gelada...

— Aonde vamos, Mestre? — perguntei.

— Vamos para casa, meu filho — disse ele, com ligeiro suspiro. — Terminou o teu dia...

Tangem sinos ao longe... Preludiam as festas das almas...

Escutei... escutei... Era tão grande o silêncio...

Tão profunda a quietude da noite estrelada que adivinhei o tanger de sinos celestes...

Ao longe... muito ao longe — nos litorais do Infinito...

— Mestre — perguntei — vamos para casa mesmo?...

— Sim, para casa, meu filho... terminaste a carreira... Combateste o bom combate... Guardaste a fé... Vamos para casa...

— E até agora, onde estava eu?...

— No exílio, muitos anos. Vês esse pequenino planeta no espaço? Lá estavas tu...

Olhei e divisei um ponto de luz. E, fitando os olhos do Mestre, eu disse:

— Amigo divino! Infinitas graças te dou pelo que deste e pelo que és...

Perdão pelo mal que te fiz na pessoa dos homens!...
Afoga a minha miséria no mar da tua misericórdia... Absorve este arroio de águas turvas na imensa limpidez do teu oceano... Consome nos incêndios do teu amor a poeira da minha vaidade...
Ressuscita com as potências do teu espírito o lázaro de minh’alma...
Lava com as torrentes purpúreas do teu Gólgota as nódoas da minha Sodoma...
E disse o Mestre: “Vem, bendito de meu Pai... possui o reino”...
Calei-me... em êxtase...
E tangiam sinos...
Em praias longínquas...



Huberto Rohden , do livro: “De Alma para Alma”

XIX CONGRESSO NACIONAL PIETRO UBALDI

Comentário(s)

Data: 22 e 23 de Agosto de 2014

sábado, 22 de fevereiro de 2014

TEMPESTADES BENÉFICAS

Comentário(s)

Antes...

Era tão pesada a atmosfera que mal se podia respirar...
Fatigava-me o menor dos trabalhos - cansava-me o mais ligeiro esforço....
Conglobou-se então no firmamento, sinistro bulcão...
Fuzilaram coriscos, ribombaram trovões, uivaram vendavais...
Redemoinharam no espaço incinerado cadáveres de folhas dispersas...
Torrentes desceram em fios de cristal das nuvens noturnas...
Fragoroso dilúvio ameaçava afogar o planeta...

Depois...

Serenaram os espaços revoltos...
Morreram as serpentes de fogo...
Cessaram as águas, calaram-se os ventos...
Ah! quão leve e refrigerante é o ar!
Dilatam-se os pulmões, sorvendo o ozônio do espaço...
Suave carícia para os nervos e a pele, esse ambiente juvenil...
Vigoroso alimento para o sangue o oxigênio a flux...

Não estranhes, minh'alma, se tempestades cruéis te rasgarem a vida!
Se raios e trovões te acordarem de indolente tepidez!
Se veementes terremotos te abalarem o ser!
Se subitâneo vendaval arrebatar folhas secas de tua vida...
É necessário que se renove a atmosfera do espírito,
Que novas idéias fuzilem pelo espaço do teu universo...
Que forças cósmicas sacudam, de vez em quando, teu íntimo ser...
Que torrentes celestes te lavem da poeira da estrada...
Que elementos de mundos ignotos vitalizem o ar depauperado...
Que energias do além ozonizem o espaço asfixiante.
Sê fiel a ti mesma, minh'alma - e tempestade alguma te roubará o que é teu!
A adversidade será tua grande amiga e aliada - em demanda às alturas.
Só compreende a vida quem a vida viveu...
Só viveu a vida quem a vida sofreu...
Só é teu, minha'alma, o que, vivendo e sofrendo, compreendeste...

Não é teu o que viste e ouviste...
Não é teu o que pensaste e estudaste...
Não é teu o que decoraste e sabes repetir.

Só é teu o que submergiu nas profundezas do teu ser...
O que vibra nas pulsações do teu coração...

O que rejubila nas alegrias do teu espírito...
O que soluça nas tristezas de tua alma...
O que geme nas agonias da incompreensão...

Teu, intimamente teu, é somente aquilo que feroz tempestade provou - e não te roubou...


Huberto Rohden, do Livro: De Alma para alma.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A ESSÊNCIA DA AMIZADE

Comentário(s)

Toda pessoa não suficientemente realizada em si mesma tem a instintiva tendência de falar mal dos outros.

Qual a razão última dessa mania de maledicência?

É um complexo de inferioridade unido a um desejo de superioridade.

Diminuir o valor dos outros dá-nos a grata ilusão de aumentar o nosso valor próprio.

A imensa maioria dos homens não está em condições de medir o seu valor por si mesma. Necessita medir o seu próprio valor pelo desvalor dos outros.

Esses homens julgam necessário apagar as luzes alheias a fim de fazerem brilhar mais intensamente a sua própria luz.

São como vaga-lumes que não podem luzir senão por entre as trevas da noite, porque a luz das suas lanternas fosfóreas é muito fraca.

Quem tem bastante luz própria não necessita apagar ou diminuir as luzes dos outros para poder brilhar.

Quem tem valor real em si mesmo não necessita medir o seu valor pelo desvalor dos outros.

Quem tem vigorosa saúde espiritual não necessita chamar de doentes os outros para gozar a consciência da saúde própria.

As nossas reuniões sociais, os nossos bate-papos são, em geral, academias de maledicência.

Falar mal das misérias alheias é um prazer tão sutil e sedutor – algo parecido com whisky, gin ou cocaína – que uma pessoa de saúde moral precária facilmente sucumbe a essa epidemia.

A palavra é instrumento valioso para o intercâmbio entre os homens. Ela, porém, nem sempre tem sido utilizada devidamente.

Poucos são os homens que se valem desse precioso recurso para construir esperanças, balsamizar dores e traçar rotas seguras.

Fala-se muito por falar, para “matar tempo”. A palavra, não poucas vezes, converte-se em estilete da impiedade, em lâmina da maledicência e em bisturi da revolta.

Semelhantes a gotas de luz, as boas palavras dirigem conflitos e resolvem dificuldades.

Falando, espíritos missionários reformularam os alicerces do pensamento humano.

Falando, não há muito, Hitler hipnotizou multidões, enceguecidas, que se atiraram sobre outras nações, transformando-as em ruínas.

Guerras e planos de paz sofrem a poderosa influência da palavra.

Há quem pronuncie palavras doces, com lábios encharcados pelo fel.

Há aqueles que falam meigamente, cheios de ira e ódio. São enfermos em demorado processo de reajuste.

Portanto, cabe às pessoas lúcidas e de bom senso, não dar ensejo para que o veneno da maledicência se alastre, infelicitando e destruindo vidas.

Pense nisso!

Desculpemos a fragilidade alheia, lembrando-nos das nossas próprias fraquezas.

Evitemos a censura.

A maledicência começa na palavra do reproche inoportuno.

Se desejamos educar, reparar erros, não os abordemos estando o responsável ausente.

Toda a palavra torpe, como qualquer censura contumaz, faz-se hábito negativo que culmina por envilecer o caráter de quem com isso se compraz.

Enriqueçamos o coração de amor e banhemos a mente com as luzes da misericórdia divina.

Porque, de acordo com o Evangelho de Lucas, “a boca fala do que está cheio o coração.


(Texto extraído do livro “A Essência da Amizade” – Huberto Rohden* – Editora Martin Claret).

domingo, 9 de fevereiro de 2014

VÍDEOS - CARL GUSTAV JUNG

Comentário(s)


Entrevistas legendadas em Português com Carl Gustav Jung o pai da Psicologia moderna.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

UM CAMINHO PARA O BRASIL

Comentário(s)

Por Huberto Rohden

Carta de Huberto Rohden publicada no livro:

EINSTEIN – Reflexões Filosóficas, MONTEIRO, Irineu, Martin Claret Editora, 4ª edição.
Digitado por Lupércio Stopato da Fonseca


Washington, 18/12/50.

“Prezado amigo Sr. Irineu Monteiro”,
São Paulo – Brasil.

Vai esta com os meus sinceros votos de felicidade para o Natal e Ano Novo e para sempre. Há tempo que estou com sua carta de 4.11, que muito lhe agradeço. Tive de esperar o início das férias de Natal para lhe dar uma resposta mais explícita. Você quase o único amigo, aí no Brasil, que me escreve cartas de caráter filosófico-metafísico-espiritual. Mas, como já lhe disse em carta anterior, é impossível, numa carta, dar-lhe qualquer explicação adequada sobre metafísica. Metafísica, como você sabe – tanto assim que revela sempre profunda noção fundamental dos termos – é o que fica para além da física, quer dizer desse aspecto superficial da realidade cósmica que a pobreza dos nossos sentidos atinge. Há quem considere essa superfície – os fenômenos – como sendo a própria realidade, além da qual nada exista de real. Essa filosofia infantil – se é que tal nome merece – não pode ser defendida por nenhum espírito que tenha atingido maturidade.

No próprio terreno da física e química sabemos que há infinitas realidades não atingíveis pelos sentidos, e tanto menos atingíveis quanto mais reais. Ultraluz e ultra-sons são coisas tremendamente reais, mas absolutamente imperceptíveis pelos sentidos humanos desajudados de instrumentos; e para além da extrema fronteira atingida pelos nossos instrumentos se desdobra o universo das realidades superiores, que para os nossos sentidos e instrumentos são “inexistentes”, o puro nada. Já dizia o grande Estagirita que nossos sentidos, e mesmo o nosso intelecto (não a razão, o Logos, o Nous) são como os olhos das aves noturnas, que vêem perfeitamente na escuridão ou na luz crepuscular, mas não enxergam coisa alguma em plena luz – a não percepção por causa do excesso de realidade! A ciência moderna, - Einstein, Oppenheimer, Bohr, para nomear apenas uns que mais conhecemos através das pesquisas atômicas – está em vias de dar o golpe de misericórdia ao empirismo materialista; o materialismo do século 19 morreu por falta de matéria – que ironia! – pois a ciência do século vinte reduziu a tal matéria a energia, vg. E = m.c². Energia é massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz, na fórmula einsteiniana, que serviu de base à primeira bomba atômica.

Em face disso, achou a filosofia idealista ou espiritualista que, para descobrir a verdade ou realidade, teria de se afastar da matéria, do mundo fenomenal, indo em sentido diametralmente oposto. O próprio Platão sucumbiu, parcialmente, a essa fatalidade idealista, estabelecendo completa separação entre o EIDOS (Idéia) e o EIDOLO (Ídolo, imagem da idéia). Para ele, o espírito é a única realidade, ao passo que a matéria é uma quase-realidade, uma miragem, algo que parece ser real, mas é irreal, algo que possui apenas uma realidade superficial, emprestada, mas não uma realidade real, interna, sólida.

Tanto empirismo (materialismo) como idealismo (espiritualismo) são sistemas filosóficos extremos – extrema esquerda, extrema direita. Já o grande Aristóteles, o mais ilustre discípulo de Platão, reconheceu a grande verdade que nem materialismo nem espiritualismo podem ser adotados como filosofia integral, completa e definitiva. Filosofia é necessariamente uma síntese de duas antíteses, é a harmonia que resulta de duas forças antagônicas, centrífuga e centrípeta, se quiser. Não há realidade separada dos fenômenos, embora a realidade não seja idêntica ao fenômeno. A realidade é a essência de qualquer fenômeno. Este é o efeito, aquela é a causa, não uma causa transcendente; são uma e a mesma coisa olhada ora deste ora daquele lado, ora do lado ativo (realidade), ora do lado passivo (fenômeno). Spinoza (realmente Bento de Espinosa, filho de judeus portugueses que, por causa da perseguição católica, emigraram para Amsterdã, onde Bento – Benedicto, ou em hebreu Baruch – nasceu, viveu, sofreu, foi excomungado pela sinagoga, e morreu na flor da vida), era grande demais para ser compreendido pelos pigmeus de seu tempo – e do nosso tempo – mas Aristóteles nunca teve maior e mais inteligente discípulo que esse judeu “pai do panteísmo moderno”, o que é absolutamente falso. Para ser panteísta deve a gente ser extremamente ingênua. Nenhum gigante intelectual chegaria ao absurdo de identificar Deus com o mundo, a causa com o efeito, a realidade com os fenômenos, o infinito com o finito, o Todo com a parte. Spinoza protestou contra a calúnia da sua própria sinagoga, mostrando que Deus está em cada fenômeno, a essência de cada um deles, mas não idêntico com os fenômenos. Mas a sinagoga dualista e transcendentalista não foi capaz de compreender tão alta sabedoria.

Mais tarde, ela convidou Spinoza para voltar, mesmo sem nada revogar, contanto que não continuasse a espalhar tão “espantosas heresias”; ofereceu-lhe uma pensão vitalícia – Spinoza era muito pobre – só para ficar calado; o que o grande pensador e exímio caráter recusou, preferindo continuar a ganhar o seu pão polindo lentes e proclamar a verdade, a viver em fartura e calar a verdade.

A filosofia totalista de Aristóteles, Spinoza e outros corifeus do pensamento é a única que vai prevalecer no futuro, entre homens realmente maduros. Expressa em termos religiosos, diríamos: Deus é a essência (ou alma, como Spinoza diz) do mundo. Ele é imanente em qualquer ser. Cada ser, desde o menor até o maior, é uma manifestação de Deus. Os seres não são governados por leis – mas pelo Deus imanente neles. Deus está no mundo, e o mundo está em Deus, assim como a causa está no efeito, e o efeito está na causa.

A conseqüência é que, para achar a Deus, não tenho de fugir do mundo, como os idealistas, espiritualistas, ascetas e budistas pensam; mas tenho de investigar mais profundamente o mundo adentro, até atingir a essência ou causa suprema desse efeito. Esse “cavar para dentro”, naturalmente exige no homem a ampliação da sua faculdade ultra-sensitiva, metafísica – a razão, a alma, o espírito (Nous, Logos, na Bíblia, pneuma).

De maneira que o que nós entendemos por METAFÍSICA é ao mesmo tempo transcendente e imanente; ultrapassa a capacidade dos sentidos e do intelecto, e isto é o “trans”; mas não está fora, senão dentro, dos fenômenos sensitivos, e isto é “in”.

A humanidade amanhã – isto é, a elite superior – irá necessariamente via síntese, rumo Totalismo, que é o Cristianismo de Cristo, ainda que não de muitos cristãos. E é dever nosso – nós, de você também, a quem Deus outorgou maiores luzes de compreensão, é dever nosso preparar esse caminho para a humanidade de amanhã. Cada um deve contribuir a ser pedra para esse edifício. Para este fim, devemos também fundar, em um ou mais dos grandes centros, focos de irradiação dessas idéias e mostrar o que é de fato o Cristianismo.

O HOMEM-TOTAL da ética só pode nascer do HOMEM-TOTAL da metafísica. “Agere sequitur esse”, cada um faz o que é, externa em atos os seu ser. Mas o ser do homem é a apreensão da REALIDADE. O Homem que nunca chegou a apreender a REALIDADE (DEUS) não pode ser REALISTA, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, TOTALISTA (é pena que não se possa dizer totalitária ou integralista, uma vez que estas palavras foram envenenadas com outro sentido).

O Brasil é um país sumamente acessível a essas idéias. O nosso povo, ao menos as classes educadas, tem mais propensão para amplas sínteses metafísicas do que os anglos. Idem, os latinos, embora estes últimos tenham sido grandemente cerceados nos seus vôos pelo peso morto dos dogmatismos e ritualismos eclesiásticos.

Vamos preparar o caminho para um Brasil mais sólido, puro, amplo – mais brasileiro! Mas sem grande compreensão não há grandes fenômenos na humanidade.
Demos ao Brasil grandes idéias!
Antes de tudo, tenhamos nós mesmos grandes idéias!

Abraço do amigo,

HUBERTO ROHDEN.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

DISCURSO DA DISSOLUÇÃO - Jiddu Krishnamurti

Comentário(s)



“Vamos discutir nesta manhã a dissolução da Ordem da Estrela. Muitas pessoas ficarão encantadas, enquanto outras ficarão um tanto tristes. Não é uma questão nem para júbilo nem para tristeza, porque é inevitável, como eu vou explicar. “É possível que vocês se lembrem da história de como o diabo e um amigo dele estavam descendo a rua quando viram à sua frente um homem se agachar e pegar algo do chão, dar uma olhada e colocar no bolso. O amigo perguntou ao diabo: “Que foi que o homem pegou?” “Ele pegou um pedaço da verdade”, respondeu o diabo. “Isso é um negócio muito ruim pra você, então”, disse o amigo dele. “Oh, de modo algum”, retrucou o diabo, “Vou deixar que ele a organize”.

Eu afirmo que a Verdade é uma terra sem caminhos, e vocês não podem alcançá-la por nenhum caminho, qualquer que seja, por nenhuma religião, por nenhuma seita. Este é o meu ponto de vista, e eu o confirmo absoluta e incondicionalmente. A Verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inacessível por qualquer caminho que seja, não pode ser organizada; nem pode qualquer organização ser constituída para conduzir ou coagir pessoas para qualquer senda particular. Se vocês logo compreendem isso, verão o quanto é impossível organizar uma crença. Uma crença é algo puramente individual, e vocês não podem e não devem organizá-la. Se o fizerem, ela se torna morta, cristalizada; torna-se um credo, uma seita, uma religião a ser imposta aos outros. Isto é o que todos estão tentando fazer mundo afora. A Verdade é restringida e usada como joguete por aqueles que são fracos, por aqueles que estão apenas momentaneamente desgostosos. A Verdade não pode ser rebaixada, mas, em vez disso, deve o indivíduo fazer esforço para ascender até ela. Vocês não podem trazer o topo da montanha para o vale. Se querem atingir o cume da montanha, vocês devem atravessar o vale e escalar as escarpas sem medo dos perigosos precipícios.

Portanto, esta é a primeira razão, do meu ponto de vista, pela qual a Ordem da Estrela deva ser dissolvida. Nada obstante, vocês provavelmente formarão novas Ordens, continuarão a pertencer a outras organizações em busca da Verdade. Eu não quero pertencer a nenhuma organização do gênero espiritual, por favor, compreendam isto. Eu faria uso de qualquer organização que me levasse a Londres, por exemplo; isso é um tipo bastante diferente de organização, meramente mecânica, como o correio e o telégrafo. Eu usaria um automóvel ou um vapor para viajar, esses são apenas mecanismos físicos, os quais nada têm a ver com espiritualidade. Novamente, eu sustento que nenhuma organização pode conduzir o homem à espiritualidade.

Se uma organização for criada com esse propósito, ela se transforma numa muleta, um ponto fraco, uma dependência, incapacita o indivíduo, e impede-o de crescer, de estabelecer sua singularidade, que reside na descoberta que ele deve fazer – por si mesmo - daquela Verdade absoluta, não condicionada. Esta é, portanto, outra razão pela qual eu decidi, uma vez que aconteceu de ser eu o Dirigente da Ordem da Estrela, dissolvê-la. Ninguém persuadiu-me a tomar esta decisão. Isto não é nenhuma grande façanha, porque eu não quero seguidores, deixo isso claro. No momento em que vocês seguem alguém, deixam de seguir a Verdade. Não estou preocupado em saber se vocês prestam atenção ao que eu digo ou não. Eu quero fazer determinada coisa no mundo e eu vou fazê-la com resoluta concentração. Estou interessado somente numa coisa essencial: libertar o ser humano. Eu desejo libertá-lo de todas as prisões, de todos os temores, e não fundar religiões, novas seitas, nem estabelecer novas teorias e novas filosofias. Então vocês naturalmente me perguntam por que eu sigo mundo afora, falando continuamente. Eu lhes direi por que razão eu faço isso: não porque eu deseje seguidores, não porque eu queira um grupo especial de discípulos especiais. (Como os homens gostam de ser diferentes de seus semelhantes, por ridículas, absurdas e banais que suas distinções possam ser! Eu não quero encorajar esse disparate). Não tenho discípulos ou apóstolos, quer na terra quer no reino da espiritualidade. “Não é a sedução do dinheiro nem o desejo de viver uma vida confortável o que me atrai. Se eu quisesse uma vida confortável eu não teria vindo a um acampamento ou a viver num país úmido. Estou falando francamente porque quero isso estabelecido de uma vez por todas. Não quero essas discussões pueris ano após ano.

Um jornalista que me entrevistou considerou uma façanha o ato de dissolver uma organização na qual havia milhares e milhares de membros. Para ele isso foi um grande feito, porque ele disse: “O que você fará doravante, como você viverá? Você não terá nenhum séquito, as pessoas não mais o ouvirão”. Se houver apenas cinco pessoas que ouçam, que tenham suas faces voltadas para a eternidade, isso será suficiente. De que serve ter milhares de pessoas que não compreendem, que estão totalmente imersas em preconceito, que não querem o novo, mas que até mesmo traduziriam o novo para satisfazerem seus próprios eus estéreis e estagnados? Se eu falo de forma contundente, por favor, não me entendam mal, não é por falta de compaixão. Se vão um cirurgião para uma operação, não seria bondade da parte dele operar mesmo que lhes cause dor? Da mesma forma, se eu falo de maneira direta, não é por falta de afeto verdadeiro – pelo contrário.

Tal como disse, tenho um só propósito: tornar o homem livre, impulsioná-lo para liberdade, auxiliá-lo a romper com todas as limitações, por que somente isso lhe dará felicidade eterna, lhe dará a incondicionada realização do ser.

Porque eu sou livre, incondicionado, completo, não a parte - não a relativa mas a Verdade inteira que é eterna – eu desejo que aqueles que buscam compreender-me sejam livres: não que me sigam, não que façam de mim ma prisão que se transforme em religião, uma seita. Ao contrário, eles deveriam estar livres de todos os medos, do medo da religião, do medo da salvação, do medo da espiritualidade, do medo do amor, do medo da morte, do medo da própria vida. Assim como um artista pinta um quadro porque se deleita com essa pintura, porque ela é sua autoexpressão, sua glória, seu bem-estar, assim faço isso, e não porque eu queira algo de alguém. “Vocês estão acostumados com a autoridade, ou com a atmosfera de autoridade, a qual vocês acham que os conduzirá à espiritualidade. Vocês pensam e esperam que alguém possa, por meio de seus extraordinários poderes – um milagre – transportá-los a esse reino de eterna liberdade que é a Felicidade. Toda sua concepção de vida está baseada nessa autoridade.

Vocês têm-me ouvido por três anos, sem que qualquer mudança tenha ocorrido, exceto em uns poucos. Analisem agora o que eu estou dizendo, sejam críticos, de forma que vocês entendam radicalmente, fundamentalmente. Quando vocês procuram uma autoridade que os conduza à espiritualidade, vocês são automaticamente instados a construir uma organização em torno daquela autoridade. Pela simples criação de tal organização, a qual, vocês pensam, auxiliará essa autoridade a conduzi-los à espiritualidade, vocês estão encerrados numa prisão.

Se falo com franqueza, por favor, lembrem-se de que assim o faço não por aspereza, não por crueldade, não por entusiasmo do meu propósito, mas porque eu quero que vocês entendam o que eu estou dizendo. Esta é a razão porque vocês estão aqui, e seria uma perda de tempo se eu não explicasse claramente, decisivamente, meu ponto de vista. “Por dezoito anos vocês vêm-se preparando para este evento, para a Vinda do Instrutor do Mundo. Durante dezoito anos vocês se organizaram, procuraram alguém que desse um novo deleite para seus corações e mentes, que transformasse toda a sua vida, que lhes desse uma nova compreensão; por alguém que os alçasse a um novo plano de vida, que lhes desse um novo alento, que os libertasse – mas agora, vejam o que está acontecendo! Reconsiderem, ponderem consigo mesmos, e descubram de que maneira essa crença os tornou diferentes – não com a diferença superficial de usar de um crachá, que é banal, absurda. De que maneira tal crença lhes varreu da vida todas as coisas inessenciais? Essa é a única maneira de ponderar: de que modo vocês estão mais livres, mais nobres, mais perigosos para qualquer Sociedade que seja baseada no falso e no inessencial? De que maneira os membros desta organização da Estrela tornaram-se diferentes? Como eu disse, vocês vêm-se preparando para mim durante dezoito anos. Não me importa se vocês acreditam que eu sou o Instrutor do Mundo ou não. Isto tem muito pouca importância. Desde que vocês pertencem à organização da Ordem da Estrela, vocês têm dado seu apoio, sua energia, reconhecendo que Krishnamurti é o Instrutor do Mundo – parcial ou inteiramente: totalmente, por aqueles que estão realmente buscando, apenas parcialmente por aqueles que estão satisfeitos com suas próprias meias verdades.

Vocês vêm-se preparando por dezoito anos, e vejam quantas dificuldades há no processo de sua compreensão, quantas complicações, quantas coisas vulgares. Seus preconceitos, seus temores, suas autoridades, suas igrejas, novas e antigas, tudo isso, afirmo, são uma barreira para a compreensão. Não consigo fazer-me mais claro do que isso. Não quero que concordem comigo, não quero que me sigam, quero que entendam o que eu estou dizendo. “Essa compreensão é necessária porque sua crença não os transformou, mas apenas os complicou, e porque vocês não estão dispostos a enfrentar as coisas como elas são. Vocês querem ter seus próprios deuses, - novos deuses em vez dos antigos, novas religiões no lugar das antigas, novas fórmulas no lugar das antigas, todos igualmente sem valor, todos barreiras, todos limitações, todos muletas. No lugar de velhas preferências espirituais vocês têm novas preferências espirituais, em vez de antigas adorações vocês têm novas adorações. Todos vocês dependem, para sua espiritualidade, para sua felicidade, para sua iluminação, de outra pessoa; e nada obstante vocês estejam se preparando para mim por dezoito anos, quando eu digo que essas coisas são inúteis, quando eu digo que vocês devem jogá-las fora e olhar para dentro de vocês próprios para a iluminação, para a glória, para a purificação, e para a incorruptibilidade do ser, nenhum de vocês está disposto a fazê-lo. Pode haver uns poucos, mas muito, muito poucos. Então, por que se ter uma organização?

Por que ter pessoas falsas, hipócritas me seguindo, a personificação da Verdade? Por favor, lembrem-se de que não estou dizendo algo cruel ou indelicado, mas chegamos a uma situação em que vocês têm que enfrentar as coisas como elas são. Eu disse no ano passado que não transigiria. Muito poucos me ouviram, então. Este ano eu tornei isso absolutamente claro. Eu não sei como milhares de pessoas mundo afora – membros da Ordem – têm-se preparado para mim durante dezoito anos, e ainda agora não querem escutar incondicionalmente, inteiramente o que eu digo.

Tal como disse antes, meu propósito é tornar o ser humano incondicionalmente livre, daí eu reafirmo que a única espiritualidade é a incorruptibilidade do eu que é eterno, é a harmonia entre razão e amor. Esta é a absoluta, incondicionada Verdade que é a própria Vida. Quero, por isso, libertar o ser humano, exultante como o pássaro no céu claro, aliviado, independente, extático nessa liberdade. E eu, para quem vocês estão se preparando por dezoito anos, digo agora que vocês devem estar livres de todas essas coisas, livres de suas complicações, suas confusões. Para isto vocês precisam não possuir uma organização baseada em crença espiritual. Por que ter uma organização para cinco ou dez pessoas no mundo que compreendem, que estão batalhando, que puseram de lado todas as coisas banais? E para as pessoas frágeis não pode haver organização nenhuma que as ajude a encontrar a Verdade, porque a verdade está dentro de todos; ela não está longe nem perto; está eternamente aí.

Organizações não podem torná-los livres. Nenhum homem de fora pode torná-los livres; nem o pode o culto organizado, nem a imolação de vocês mesmos por uma causa os torna livres; nem enfileirando-se em uma organização, nem lançando-se em trabalhos, os torna livres. Vocês usam uma máquina de escrever para escrever cartas, mas vocês não a colocam em um altar e a adoram. Mas é isto que vocês estão fazendo quando as organizações tornam-se seu principal interesse.

“Quantos membros ela tem?” Esta é a primeira pergunta que me fazem os jornalistas. “Quantos seguidores você tem? Pelo número deles julgaremos se o que você diz é verdadeiro ou falso”. Não sei quantos eles são. Não estou preocupado com isso. Como disse, se houvesse mesmo um que se tenha tornado livre, isso seria suficiente.

De novo, vocês têm a ideia de que somente determinadas pessoas possuem a chave do Reino da Felicidade. Ninguém a possui. Ninguém tem a autoridade para possuir tal chave. Essa chave é seu próprio eu, e no desenvolvimento e na purificação e na incorruptibilidade desse eu particular está o Reino da Eternidade.

Então vocês verão como é absurda toda a estrutura que vocês construíram, procurando ajuda externa, dependendo de outros para o seu consolo, sua felicidade, para sua força. Estes somente podem ser encontrados dentro de vocês mesmos.

Vocês estão acostumados a que lhes digam o quanto vocês avançaram, qual é sua posição espiritual. Quanta infantilidade! Quem além de você mesmo pode dizer se você está bonito ou feio por dentro? Quem além de você mesmo pode dizer se você é incorruptível? Vocês não são sérios nessas coisas.

Mas aqueles que realmente desejam compreender, aqueles que estão tentando encontrar o que é eterno, sem começo e sem fim, caminharão juntos com uma intensidade maior, serão um perigo para tudo que não seja essencial, para fantasias, para obscuridades. E eles se concentrarão, eles se tornarão luz, porque compreendem. Tal união nós devemos criar, e este é o meu propósito. Por causa dessa real compreensão, haverá verdadeira solidariedade. Por causa dessa verdadeira solidariedade – que vocês não parecem conhecer - haverá verdadeira cooperação da parte de cada um. E isto não devido à autoridade, não por causa da salvação, não devido à imolação por uma causa, mas porque vocês realmente compreendem, e então são capazes de viver no eterno. Isso é uma coisa mais elevada que qualquer prazer, que qualquer sacrifício.

Essas são, portanto, algumas das razões porque, após cuidadosa consideração durante dois anos, eu tomei esta decisão. Não foi um impulso momentâneo. Não fui persuadido a isso por ninguém. Não me persuadem em tais coisas. Durante dois anos tenho pensado sobre isto, morosamente, cuidadosamente, pacientemente, e agora decidi dissolver a Ordem, uma vez que aconteceu ser eu seu Dirigente. Vocês podem formar outras organizações e esperar por outra pessoa. Não estou preocupado com isso, nem com a criação de novas prisões, novas ornamentações para esses cárceres. Meu único interesse é tornar o ser humano absolutamente, incondicionalmente livre.

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A Ordem da Estrela no Oriente foi fundada em 1911 para proclamar o advento do Instrutor do Mundo. Krishnamurti fora nomeado o Dirigente da Ordem. Em 3 de agosto de 1929, dia da abertura do Acampamento Anual da Estrela, em Ommen, Holanda, Krishnamurti dissolveu a Ordem diante de 3.000 membros. Acima está o texto completo da palestra que ele deu naquela ocasião.


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