ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

Para os interessados em Filosofia, Ciência, Religião, Espiritismo e afins, o Acervo Virtual Huberto Rohden & Pietro Ubaldi é um blog sem fins lucrativos que disponibiliza uma excelente coletânea de livros, filmes, palestras em áudios e vídeos para o enriquecimento intelectual e moral dos aprendizes sinceros. Todos disponíveis para downloads gratuitos. Cursos, por exemplo, dos professores Huberto Rohden e Pietro Ubaldi estão transcritos para uma melhor absorção de suas exposições filosóficas pois, para todo estudante de boa vontade, são fontes vivas para o esclarecimento e aprofundamento integral. Oásis seguro para uma compreensão universal e imparcial! Não deixe de conhecer, ler, escutar, curtir, e compartilhar conosco suas observações. Bom Estudo!

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sexta-feira, 27 de março de 2015

COMPORTAMENTO DIGNO

Comentário(s)

Artigo de Divaldo Franco publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião, em 26-03-2015.

Ante a desenfreada violência que estruge em toda parte, os cristãos, verdadeiramente pacifistas, interrogamos se é possível manter os postulados do Mestre galileu vivos em nossa conduta. Sob outro aspecto, a vulgaridade dos prazeres básicos, sexo desregrado, drogadição e vícios denominados sociais encontram-se com facilidade expostos à vivência abusiva em quase todos os segmentos da sociedade, convidando-nos à sua submissão, em reação à conduta ética e moralizadora que flui do Evangelho.

Multiplicam-se as derrocadas de pessoas aparentemente honradas que acumulam invejável patrimônio e, repentinamente, são apresentadas publicamente como corruptas, indignas das funções que exercem, embora mantenham-se como se nada lhes houvesse acontecido. Essas terríveis expressões da sombra, que Allan Kardec denominava com propriedade como as más inclinações, que são as nossas heranças ancestrais, ameaçando-nos a estrutura moral e os propósitos de uma existência honrada, exigindo permanente estado de vigilância e de oração.

Dir-se-á que o melhor é a vivência do prazer, ao invés do que denominam como castração religiosa, numa propaganda contínua e bela através dos veículos de comunicação de massa. Seria ideal, e merecia o desfrutar da luxúria, das viagens fantasiosas e faustosas, se a existência física do ser humano não fosse tão breve, mesmo quando parece de longa duração. A morte, que a todos nos espreita, porém, ao invés de aniquilar-nos, conduz-nos a outras vibrações, nas quais a vida estua e cada qual desperta conforme foi arrebatado pela desencarnação.

É possível, sim, viver-se com dignidade cristã nestes dias tumultuosos, qual o fizeram os primeiros discípulos de Jesus, em pleno período de grandeza e logo decadência do Império Romano. Ademais, mesmo que a vida não continuasse após o túmulo, o significado existencial do ser inteligente é alcançar a plenitude conseguida mediante a consciência ilibada, nascida na conduta reta e nos sentimentos pacificados.

DIVALDO P. FRANCO

Divaldo Franco escreve quinta-feira, quinzenalmente.

sexta-feira, 6 de março de 2015

A GRANDE SINTESE E A NOVA TEORIA DE EINSTEIN

Comentário(s)

(Esclarecimentos)


Tenho diante de mim vários jornais italianos, de 1950, abordando "Il Caso La Grande Síntese e la nuova teoria di Einstein". La Nazione, de Florença (26 e 31 de janeiro); L'Umbria, de Perúgia (31 de janeiro); La Setímana, de Piacenza (13 de março); a revis­ta Quaderni dei 2000, de Milão (mês de julho); na revista Estudos Psíquicos, de Lisboa - Portugal (março/abril de 1950), aparece­ram "De Ubaldi a Einstein" e "O Caso A Grande Síntese e a nova teoria de Einstein"; o jornal Diário de São Paulo (2 de julho de 1950) publicou: "Antecipação mediúnica da descoberta da cha­ve do universo, por Einstein"; a revista La Idea, de Buenos Aires — Argentina (maio de 1950, apresentou: "El Caso Gran Síntesis"; a revista Constancia, também de Buenos Aires, e outras dos Esta­dos Unidos, deram amplo destaque ao fato. Este caso foi intitulado "A Grande Síntese e a Nova Teoria de Einstein". Vou resumi-lo, apoiado nas revistas e jornais acima, além de A Grande Síntese.

Uma notícia sensacional percorreu os jornais nestas últi­mas semanas: o grande matemático Einstein formulou uma teoria, pela qual se teria descoberto o elo que faltava para a concepção unitária do universo. Com sua famosa teoria da relatividade, só mais tarde experimentalmente confirmada, Einstein já demonstrara por meio da matemática, a estreita relação quadridimensional entre as duas dimensões espaço e tempo. Faltava ainda, entretanto, a de­monstração matemática da relação entre todas as forças cósmicas e portanto de sua unidade. Isto foi conseguido com a nova teoria que Einstein definiu: "teoria generalizada da gravitação e teoria do campo unificado", que conclui com quatro equações todas iguais a zero. Com ela, quer explicar a origem de todo o movimento do universo. Achou-se, dessa forma, uma relação íntima entre a ele­tricidade e a gravitação, que assume então um conceito completa­mente novo, que não é mais o da física mecanicista Newtoniana, admitida por todos até ontem. Essa afinidade faz da eletricidade e da gravitação duas forças afins, irmãs, derivadas de um único princípio unitário. Eis o elo que faltava, para poder demonstrar a concepção monística e unitária do cosmos.

Em nosso caso, o fato é simplesmente o seguinte: o que os jornais anunciam ter sido descoberto agora pelos caminhos da matemática, já fora descoberto pelos caminhos da metapsíquica há 18 anos, e publicado pela primeira vez na revista Ali del Pensiero, de Milão, em 1932, na obra que depois apareceu em volume, A Grande Síntese, e que agora está editado em Roma, em terceira edição, além de em Buenos Aires, no Rio de Janeiro, e outros lugares.

Ora, qualquer pessoa pode verificar que aí está desenvol­vida não só a teoria da evolução das dimensões, que filosoficamen­te completa e enquadra, em toda a escala das dimensões, a concepção matemática de Einstein, do "contínuo" espaço-tempo, mas tam­bém a própria afinidade entre eletricidade e gravitação; até a íntima natureza desta última, já havia sido explicada. No capítulo XXXVIII de A Grande Síntese — "Gênese da gravitação", vamos encontrar:

"Eis-nos às primeiras afirmações, novas em vosso mundo científico. "A gravitação, e mais exatamente a energia gravífica, é a protoforma do universo dinâmico. Sendo energia, é radiante e se transmite por ondas. Tem "uma velocidade sua, de propaga­ção (....), máxima no sistema. Aqui são completados os concei­tos da teoria de Einstein. A gravitação é relativa à velocidade de translação dos corpos. A massa varia com a velocidade, de que é função. O peso aumenta por novas transmissões de energia e vice-versa. O conceito de transmissão instantânea cai para todas as for­ças. A gravitação emprega tempo, ainda que mínimo, para trans­mitir-se; ela tem, como todas as formas dinâmicas, um comprimen­to típico de onda, que lhe é próprio".

A lei de Newton, da gravitação universal, apenas indica o princípio que mede a difusão da energia gravífica, o qual é ape­nas um aspecto do princípio que regula a difusão de qualquer for­ma de energia a que demonstra sua origem comum, o princípio da onda e de sua transmissão esférica. As radiações conservam todas as suas características fundamentais de energia cinética, da qual nasceram e é essa identidade de origem que estabelece entre elas essa afinidade de parentesco. Outra prova dessa afinidade entre as formas dinâmicas reside na qualidade da luz, próxima derivação, por evolução, da energia gravífica. Nesta forma de energia radian­te luminosa, achais, em parte, as características da forma originá­ria da energia radiante gravífica (.....). Poder-se-á dizer que a luz pesa; ou seja, a luz sofre o influxo dos impulsos atrativos e repulsivos de ordem gravífica; e que existe uma pressão das radiações lumi­nosas. Direi mais: todas as radiações exercitam, ao propagar-se, uma pressão de natureza gravífica, e apresentam fenômenos de atração e repulsão, em relação direta com sua proximidade genética, na su­cessão evolutiva, com sua protoforma dinâmica, a gravitação.

Esse capítulo assim concluía: "dirigi as pesquisas neste sentido, analisai com o cálculo estes princípios" (. .. .), quase pre­vendo que, só com o cálculo, seria possível iniciar a demonstração, como agora ocorreu.

Neste ponto, a imprensa que com o caso se ocupou, per­guntava-se como tinha sido possível uma tal antecipação de conclu­sões, mas não pode dar uma resposta satisfatória. Senti-me, por isso, no dever de expor diretamente meu ponto de vista. Disse­ram: como é possível que um homem desprovido de cultura espe­cífica matemática e científica, que não estava ao corrente dos pro­cessos einsteinianos, pôde antecipar dessa forma suas conclusões? Falou-se de intuição filosófica. Que podemos entender com isso?

Aqui há dois problemas a esclarecer: o matemático e o psicológico. Quanto ao primeiro, para evitar equívocos e exageros reclamísticos, digamos logo que ninguém pretende que A Grande Síntese tenha dado a fórmula matemática expressa por Einstein, em sua "Teoria generalizada da gravitação e teoria do campo uni­ficado". Nossa atitude nada tem de polêmica, nem pretende rei­vindicar prioridades neste campo. A Grande Síntese cabe, ao invés, a formulação filosófica dos mesmos princípios, e é nesse sentido que deve compreender-se sua prioridade. Trata-se da descoberta e exposição das mesmas verdades, mas de forma diversa, o que pode ter alcance e conseqüências diversas, até maiores, não, de certo, no campo físico-matemático, mas no filosófico. Aqui não é possível aprofundar isto, mesmo porque a imprensa não deu a conhecer as particularidades das novas teorias einsteinianas. No entanto, é cer­to que a formulação que esta realizou é muito mais profunda nos particulares e está demonstrada, ao menos como processo lógico-matemático. Em compensação, só a formulação de A Grande Sín­tese está enquadrada num sistema filosófico universal, que está pre­so aos fenômenos e que justifica e prova aquela formulação filosó­fica, mesmo do ponto de vista racional e científico e, assim, indire­tamente, prova também a formulação matemática de Einstein. Isto até ao ponto em que, enquanto esta espera sua confirmação experi­mental para sentir provada, a nós ela já aparece perfeitamente ver­dadeira, tanto que pode desde agora ter a segurança de que, os fa­tos com que entrará em contato, só poderão demonstrá-la.

Esclareçamos agora o outro problema, o psicológico, o que de mais perto diz respeito ao caso atual e à gênese. O fato é que ambas as formulações são devidas a um processo de intuição. Na profundidade das operações da lógica matemática de Einstein, há um ato de intuição que sustentou e guiou o raciocínio dele até o fim. O mesmo ato de intuição que, levado até o método super-ra­cional, foi usado regularmente ao ser concebido e exposto o siste­ma filosófico-científico de A Grande Síntese. Só com a lógica ra­cional, demonstra-se; mas não se. cria. Se há alguma diferença en­tre os dois casos, é que, nos processos einsteinianos aparece a lógica matemática, mais do que a intuição; ao passo que, em A Grande Síntese, dominam os processos intuitivos, usando-se a demonstra­ção racional como uma descida necessária para fazer-se compreen­der, numa dimensão conceptual inferior, que é a do homem atual. É por isso que se explica porque A Grande Síntese pôde atingir as mesmas conclusões 18 anos antes, pois, pela rapidez, a intuição está para o raciocínio, como a luz está para o som. Mas é inegável que as teorias de A Grande Síntese tiveram uma confirmação podero­sa com o raciocínio einsteniano, ainda que esse raciocínio espere, agora, a confirmação experimental, que, para ambas as formula­ções, que agora estão emparelhadas, será decisiva. Isto poder for­çar a reflexão de quem, a princípio, julgou A Grande Síntese cheia de erros. Enquanto isso, a formulação filosófica prova a formula­ção matemática, porque a enquadra num sistema universal, em que achamos posta, orgânica e logicamente, a explicação de todos os fenômenos conhecidos; em contrapartida, a formulação matemática, rigidamente conduzida pela lógica do grande cientista, prova a for­mulação filosófica. Ambas parecem completar-se e complementar-se.

Devo agora focalizar outro ponto, o mais complexo. Como cheguei a esta formulação filosófica, sem possuir os meios cultu­rais de Einstein? Que se entende por método de intuição? A Grande Síntese apareceu, em seu tempo, como devida a um fenômeno ins­pirativo, super-racional. Apareceu como um produto de estados de consciência super-normais, enquanto, por minha conta, eu continuava indagando e controlando, com a crítica mais severa, psicoló­gica e científica, a ver se explicava o fenômeno. Percebi de ime­diato que este fenômeno era mais complexo do que parecia, e que a concepção espírita de uma entidade que transmitia e de um indiví­duo que recebia, mais ou menos em transe, era por demais elemen­tar para poder explicá-la. Eu mesmo iniciei o estudo deste meu ca­so no volume As Noúres, e desde então muito tenho progredido, seja pela evolução do próprio fenômeno inspirativo, que no seu caso está em contínua ascensão, seja por meios cada vez mais com­pletos de pesquisa que esse fato me dava. Hoje, a solução corrente de mediunidade não mais se adapta. nem é suficiente. Precisamos aqui, não da solução do problema isolado, mas em função da solu­ção do problema cósmico, em que todos os outros se equacionam e se resolvem. E isto, muito mais para o problema do espírito, que resume em si tantos outros, como numa síntese. Nenhum problema se resolve isoladamente, e, para compreender este, tive antes, em sete volumes até hoje, que resolver muitos outros. Procuremos pois, hoje, superado o simplicismo do conceito mediúnico, resumir em poucas palavras a complexidade do fenômeno.

A mais avançada ciência moderna leva-me, de todos os lados, à mesma conclusão (veja-se Problemas do Futuro: "a última substância do universo é de natureza abstrata, é um pensamento, aquilo que as religiões chamam Deus"). Este pensamento, que agora a ciência, pesquisando cada vez mais no fundo, foi obrigada a en­contrar, está escrito em todos os fenômenos, está no âmago das coisas, é o princípio vital que tudo anima, é a consciência do universo, é o Deus transcendente que, no ato em que Ele tudo rege e guia, assume o aspecto de imanente. Ora, a pequena consciência individual é um pequeno círculo que, como "eu", evolui, e se dis­tingue de todos os "eus" dos outros seres, neste "todo" pensante. Por isso ele se dilata e extravasa cada vez mais na consciência universal que, normalmente, para ele, está fora de seu consciente, ou seja, para ele é uma zona de inconsciente, embora manifestan­do-se através dele por sínteses e comandos, como os instintos, as intuições etc.

Que é então a inspiração? É um extravasamento, por evo­lução, de consciências individuais em expansão, nos campos do consciente universal, Deus. Evolução implica sensibilização, que são novos olhos que se abrem para ver mais longo. E olhamos, não em transe, mas altamente consciente e duplamente atentos. O pen­samento desta consciência universal já está escrito em todos os fe­nômenos que, com seu funcionamento, o mostram a quem saiba abrir esses novos olhos do espírito. As descobertas já estão todas feitas, e já estão todas em ato no universo, os problemas estão to­dos resolvidos, porque tudo está funcionando consequentemente. As descobertas aparecem concomitantemente nos pontos mais dife­rentes do globo, porque são o resultado de intuições dadas pela ma­turação biológica. O mistério existe apenas em nossos olhos míopes. Às vezes não é raciocinando nem estudando nos livros, mas abrin­do esses novos olhos, por evolução, — muitas vezes feita apenas de dor e maceração — que se pode chegar a ver. Então, é por catarse do "eu" que se fazem descobertas. Eis a intuição.

É este o meu caso. Estudando-o, vi como funciona a evo­lução e os processos intuitivos que com ela estão conexos. A prin­cípio utilizei-os instintivamente, ou seja, sendo eu manobrado como instrumento do consciente universal, sem que eu soubesse exata­mente como.  Mas, observando e examinando cuidadosamente, consegui perceber a técnica do fenômeno. Tendo-a assim analisa­do, formulei o que hoje chamo o "método da intuição", que, ao menos para mim, constitui hoje um instrumento regular de pesquisa, e que produziu um original sistema orgânico que já está em seu nono volume. Achei com isto a chave de todos os problemas do universo.

Só assim posso explicar-me como minha pesquisa científi­ca caminha ao lado da espiritual e como os problemas einsteinianos estejam, para mim, conexos e coordenados com os do misticismo. Goste-se ou não da palavra "monismo", o fato é que o pensamen­to de Deus é uno. Goste-se ou não das palavras "mediunidade", "ultrafania", "inspiração" etc. (as palavras são palavras), o fato é que a maceração evolutiva está operando neste caso a catarse bio­lógica que leva minha consciência individual a realizar um ainda que mínimo extravasamento além da média normal, na consciência universal. Assim, sem estudo específico nem processos racionais, nasce no indivíduo um relance de visões que  ele, simplesmente olhando com esses novos olhos espirituais de sensibilizado, registra com rapidez. Nascem assim os meus volumes em continuação, um depois do outro, sem preparação e sem pausas. Nesses, não sou eu que falo, mas é a vida, é essa consciência universal, como acontece todas as vezes em que o homem cria, na Terra, coisas novas, por­que elas só podem provir daquela fonte. É natural, então que a ciência que daí nasce esteja saturada de sentido religioso e místico e dos estados de consciência a ele inerentes, e que a exposição pos­sa chegar a todos os campos, e resolver todos os problemas sempre orientada dentro do todo. Eis a síntese, porque o pensamento par­te do Uno. Trata-se de um pensamento que está nos antípodas da ciência atual, e que poderá ajudá-la a salvar-se da especialização que tende a dispersá-la nos particulares e nos múltiplos, que é o reino satânico da pulverização do Uno, e está em seu antípoda.

Concluo. Eu tinha o dever de dizer isso, já que na im­prensa e numa multidão de cartas, muitos vão admirando em mim — quem sabe — algum engenho. Nada de engenho. A única coisa que faço é ler no livro da vida e sou apenas um pobre amanuense que procura transcrevê-lo e fielmente. Isto será super-normal. Mas apenas em relação ao normal humano. Diante, porém do conscien­te universal, do infinito pensamento de Deus, o que é um infinitésimo a mais?

Estas minhas conclusões, provenientes da infinita miséria que, naturalmente, todo ser deve sentir de si mesmo quando se avi­zinha ao pensamento diretivo do universo, podem ser uma prova da genuína realidade do fenômeno. Mas não sei se assim possa chamar-se um caso natural de evolução que, como é lógico, é lei igual para todos, que os espera amanhã, pois a evolução significa justamente expansão da consciência individual na universal, ou se­ja, ascese da alma para Deus.

Quem quiser sorrir ceticamente destas coisas que lhe po­derão parecer loucuras, segundo a psicologia materialista hoje em voga, experimente, antes, ler as 3.000 páginas dos nove volumes já publicados, compreendendo-as. Depois experimente escrever outros nove volumes; o décimo está em preparação e outros a eles se se­guirão. Experimente lançá-los em 18 anos, por entre uma guer­ra como a última, nos dois hemisférios, em várias línguas e edições, que, para alguns escritos, atingiram meio milhão de cópias. Faça isso sozinho, sem preparação e sem meios, desconhecido e es­torvado, sem representar nenhum interesse nem grupo humano que o lance e sustente como seu expoente. Experimente conceber um plano do universo, em que os problemas do espírito estejam resol­vidos, ao lado das últimas teorias físico-matemáticas, que mais tar­de se enquadrarão de per si, também, nas de Einstein. Experimen­te fazer tudo isso e somente se tiver êxito, poderá então rir destas coisas. Porque os fatos são fatos e não se destroem pela psicologia materialista, com um sorriso cético. E, excluindo a intervenção de forças super-humanas, como explica isso a psicologia materialista?

Gúbio, março de 1950

PIETRO UBALDI

quarta-feira, 4 de março de 2015

Um caso de biologia supranormal

Comentário(s)

A personalidade de Pietro Ubaldi


Este artigo foi publicado nas revis­tas: Constancia - Buenos Aires, de  1º de junho a 16 de novembro de 1949 — La Idea — Buenos Aires, outubro e novembro de 1948. Estudos Psíquicos – Lisboa, de março a julho de 1948.


Certo dia de outubro de 1945, num modesto restaurante de Gúbio, encontramos pela primeira vez Pietro Ubaldi. Foi um dia inesquecível, um daqueles que parecem amadurecer o destino de um homem. Acháramos o amigo da alma, a luz procurada por toda a existência.

Com a mente educada na ciência e na filosofia, dotados de temperamento racional e místico ao mesmo tempo, rebeldes a qualquer imposição ideológica, não podíamos aceitar uma fé reli­giosa dogmática, porque a isto se rebelava nossa consciência. Pe­díamos inutilmente à ciência e à filosofia nos dissessem a verdade, mas nosso grito perdia-se em infinitos labirintos e becos sem saída; sangrava a alma em estrada sem objetivo. Aproximava-se o deses­pero. Tínhamos vago pressentimento de que um dia acharíamos a luz da verdade, mas não sabíamos quando nem donde viria. Sen­tíamos, no entanto, que só a ciência poderia dar-nos resposta e não nos enganamos. Através da ciência, Pietro Ubaldi guiou nossa men­te à verdade, lançou um raio de luz nas trevas e nossos olhos exta­siados enxergaram. Entrava em nossa mente aquela luz que tanto buscáramos, descia em nosso coração a paz para a qual dolorosamente estendíamos os braços há longos anos.

*   *   *

Feita esta premissa, seja-nos permitido dizer algo sobre Pietro Ubaldi. Perdoe-nos ele se nossa palavra não for adequada e perdoe-nos o leitor se nossa linguagem for insuficiente para sua mente e seu coração. Particularmente difícil é o assunto que nos propomos tratar, sobretudo porque rebelde às palavras comuns. De qualquer forma, pode o leitor ficar certo de que tudo o que diremos deriva de profunda convicção pessoal, e que portanto, ainda que não seja aceita, ao menos deve ser respeitada. Neste trabalho, falare­mos da personalidade de Pietro Ubaldi, diremos tudo o que sabe­mos e pensamos dele. Cremos útil para conhecimento objetivo des­te homem, que é pouco compreendido. Julgamos poucos terem colocado Ubaldi, até aqui, na posição que lhe cabe. Esperamos fa­zer-nos compreendidos por quem deseja ver a personalidade de Pie­tro Ubaldi em sua verdadeira luz. Com essa expectativa e esse propósito, entramos no assunto.

Quem é Pietro Ubaldi? Há quem o defina um santo, ou­tros um médium, alguns um gênio, outros ainda um visionário. Fi­sicamente é alto, fronte muito desenvolvida, algo encurvado, atitu­de humilde e austera, expressão doce e triste, olhar vivo e pene­trante. Homem que, para seguir o ideal evangélico nas pegadas de Cristo, renunciou a todos os bens econômicos, que a sorte lhe con­cedera abundantes, e vive de modesta renda proveniente do ensino da língua inglesa no ginásio de Gúbio. Passa os dias no traba­lho e na meditação, na renúncia quase completa a todas as alegrias terrenas. Escreve muito. Prova-o sua copiosa produção literária. Temperamento profundamente místico desde tenra idade, dos místi­cos se diferencia pelo caráter próprio de racionalista sem precon­ceitos, rigorosamente objetivo. Pode afirmar-se ser sua exaltação mística do mesmo grau de sua potência racional. Nele, misticismo e racionalismo, ao invés de excluírem-se, completam-se e se vivificam mutuamente. Tem poucos amigos, vive vida prevalentemente soli­tária, mas não chega a ser misantropo. Alma doce e tempestuosa a um tempo, temperamento irrequieto e voltado constantemente para Deus, passa entre os homens sofrendo, dando-se todo a eles, na forma permitida por sua natureza, para realizar o que julga ser sua missão.

Com isto, pouco dele se diz. Notável contribuição para  seu conhecimento é-nos dada por sua obra: História de um homem, cujo protagonista é ele mesmo. Mas essa obra é pouco romancea­da, para podermos avaliá-lo bem. Não porque aí seja velada a personalidade do autor, ou menos ainda, alterada, mas unicamente porque descreve o fenômeno biológico da criatura sem subir às cau­sas do próprio fenômeno; e sem elas, este não pode explicar-se. As Noúres, A Grande Síntese e a Ascese Mística, todas obras suas, lançam porém muita luz sobre as causas e permitem individualizar muitos aspectos da personalidade do autor. Mas o leitor dessas obras ver-se-á logo a braços com nova e embaraçante dificuldade. A concepção científica e filosófica, tal como é delineada por exemplo em A Grande Síntese, que sem dúvida é a obra mais importante, é de tão grande alcance, que torna difícil o enquadramento nela do autor e a interpretação do mesmo.

Tendo como base essas obras, e servindo-nos de nosso co­nhecimento pessoal com o autor, proporcionado por longa e profun­da amizade e simbiose espiritual mútua, esperamos tê-lo bem com­preendido, e ele nos confortou respeitando nossas convicções a seu respeito. É óbvio que, para interpretar a personalidade de alguém, mister se torna enquadrá-la dentro de uma concepção ideológica sé­ria e aceitável, a fim de que sua interpretação seja lógica. Tudo isso tem importância fundamental, porque a personalidade estudada adquire valor muito diverso de acordo com o sistema ideal em que seja enquadrada. Já que as concepções humanas da verdade são in­felizmente disparatadas e mais ou menos limitadas, as definições que do estudado se podem dar, podem ser várias. A concepção dos ignorantes e presunçosos pode defini-lo um louco; a concepção cris­tã-católica, um herege condenável; a ciência experimental um indiví­duo interessante para estudos de psicanálise; e outras finalmente um gênio, um santo, ou um visionário.

Estudá-lo-emos à luz da concepção geral de A Grande Síntese e dos poucos, mas seguros bruxuleios, que se nos oferece a ciência. Como toda a ciência moderna experimental é acolhida em A Grande Síntese, o julgamento mais amplo e cabal será dado com base na concepção ideológica dessa obra. À luz da ciência diremos apenas o que nos for dado dizer, pois nessa estrada não se pode necessariamente esgotar o assunto. Julgamos razoável caminhar nes­sas duas estradas, porque estamos persuadidos de que são as mais seguras, por estarem iluminadas pela mais viva luz, e porque abertas para horizontes sem limites. Rapidamente mostraremos as razões, persuadidas de que o leitor só poderá compreendê-las por si quan­do, para além da letra, tiver penetrado o espírito de A Grande Síntese. Dela não falaremos por ser de natureza que não se pode explicar e muito menos resumir. Diremos apenas que nela achamos uma concepção da verdade que satisfaz plenamente a razão e o co­ração, concepção que na Terra nem a ciência, nem a filosofia, nem a religião destroem. Nela, cada aspecto do pensamento humano acha seu lugar no plano que lhe compete. O conjunto resulta har­mônico, lógico, perfeito, indestrutível. Se fosse possível criar uma linguagem em que cada conceito correspondesse a uma palavra ape­nas e vice-versa e se se compreendesse que só no absoluto exis­te uma verdade absoluta, — ao passo que no relativo em que ne­cessariamente vivemos só existem verdades relativas e progressivas — se com segurança se compreendesse tudo isso, seria fácil perce­ber que o erro é uma verdade parcial e muito freqüentemente um equívoco. Se cada palavra contida em A Grande Síntese fosse interpretada em seu verdadeiro sentido, todos ficariam persuadidos, como nós. Os homens não se entendem, especialmente porque falam linguagens diferentes, ou seja, conceitos muitas vezes diversos são expressos com a mesma palavra. Todos sabemos pronunciar a palavra DEUS; mas o conceito é diversíssimo, conforme saia da boca de um místico ou de um involuído. O que deste conceito dis­semos, pode aplicar-se a todos os outros, que constituem os tijolos com que se constróem os edifícios filosóficos, religiosos e mesmo científicos. Infelizmente não é possível realizar universal interpre­tação de todos os conceitos, dada a impossibilidade de todos os ho­mens realizarem os conceitos em si mesmos, já que alguns só po­dem ser compreendidos à proporção que o indivíduo for evoluindo. Por exemplo, o conceito de Deus, de um santo, só pode ser compreendido por outro santo. Poderíamos continuar a discorrer, mas talvez não seja necessário.

Voltando à A Grande. Síntese, acrescentaremos que não é difícil experimentar essa concepção, achá-la resistente e totalmente satisfatória, quer através da análise como da síntese, seja pelas in­finitas provas de dedução como de indução. Muitos não se persua­dirão, mas isso não admira; admiraria o contrário. Nela não fal­tam lacunas e incertezas, mas de valor não substancial, que não in­firmam, pois, as linhas mestras da própria concepção e muito me­nos as destroem. É uma concepção vital que traz luz à mente e paz ao coração, que nada destrói mas tudo vivifica, porque é universal. De qualquer forma, no fim deste estudo trataremos da personalida­de de Ubaldi à luz da ciência, embora pouco seja possível dizer, porque as conquistas da ciência são muito limitadas.


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Dito isso, procuremos interpretar  a personalidade de Ubaldi à luz da concepção geral de A Grande Síntese. Mas antes é mister distinguir bem a personalidade do escritor e a daquele "Eu" que fala em Grande Síntese. A voz que troveja e repreende em A Grande Síntese não é a voz de Pietro Ubaldi, mas a voz im­pessoal da Verdade. Desta voz, o escritor foi apenas o receptor e o tradutor fiel e eficaz.  Em outras palavras, Ubaldi  escreveu A Grande Síntese por força inspirativa. Nas fases de máxima ex­pansão de consciência, ele viu (intuiu) a verdade em suas linhas mestras, perlustrou horizontes imensamente vastos e traduziu no pa­pel e com linguagem humana, conforme a dialética da razão também humana, a verdade que vira. Traçou o quadro geral após a visão di­reta do mesmo, assim como o artista reproduz e materializa a pró­pria visão estética e a torna acessível aos outros através de estímu­los aptos a impressioná-los pelos sentidos. Assim como a visão esté­tica, se não fosse materializada na obra de arte, desapareceria se­cretamente na mente do artista e nada dela se escoaria para fora, igualmente a visão da verdade se teria apagado na mente de Ubal­di, nada dela saberíamos, se ele mesmo a não tivesse materializado e exteriorizado de tal maneira que a tornasse acessível à nossa men­te. Esforçou-se ele em achar a linguagem humana mais adequada à finalidade, e julgou oportuno empregar a linguagem científica por ser a mais séria e evoluída. Falou nessa linguagem e foi compre­endido por muitos.  Teve o mérito de tornar acessível a muitos o que era privilégio de poucos iniciados, revelou o que o ocultismo de todas as épocas e lugares conhecia, mas escondia. Nada de no­vo disse, porque a verdade é una e indivisível. Compreendeu que a mente humana saiu da menoridade e está em grau de olhar o mis­tério e estudá-lo. Com efeito a ciência bate à porta dos mistérios e Ubaldi com sua obra apresenta a chave à ciência.

Portanto, a função biológica do escritor é muito importante. Mas, do mesmo modo e pela mesma razão que os grandes artistas são compreendidos por poucos, assim Ubaldi até agora foi insuficientemente e mal compreendido; foi sobretudo mal compre­endido. Claros e individualizáveis são os motivos. Sua concepção ou é compreendida em suas linhas essenciais, ou não é absoluta­mente compreendida. Para compreender suas linhas essenciais é ne­cessário ter o preparo do homem de ciência e ao mesmo tempo as faculdades psíquicas do místico. Sabem todos quão difícil é encon­trar em igual medida e de forma acentuada as duas qualidades. O místico desconhece a ciência e o cientista não compreende e não aprecia o misticismo. Pode dizer-se que os dois se repelem. Vive entre eles o mesmo contraste que existe entre materialismo e espi­ritualismo, de que tanto se fala hoje com convicção ou má fé, ou seja o contraste entre matéria e espírito. Considerando-se bem, esse contraste, que cria entre os homens ódios e lutas por vezes ferozes, deriva apenas da ignorância do próprio homem ou de seus equívocos. Que matéria é essa que se dissolve nos laboratórios da ciência e que espírito é esse inimigo da matéria? Cremos que esse contraste nasce apenas da insuficiência da mente humana. Fala-se com efeito de matéria e de espírito sem que se tenha o justo conceito de matéria e de espírito. É uma luta absurda, porque nem existe a ma­téria nem o espírito, mas apenas a substância, sobre cuja natureza ninguém sabe dizer a última palavra. Infelizmente, porém, na men­te dos homens se agita essa luta absurda que leva à divisão também absurda dos ânimos, de que derivam as lutas visíveis sobretudo em nossos tempos, com o que lucram apenas a desonestidade e a igno­rância. É mister destruir esse dualismo absurdo, e só então o cien­tista poderá levantar seu olhar para o céu do misticismo a crer, e o místico poderá olhar para a ciência com olhos fraternos; ambos abraçados, poderão suscitar com esse abraço de amor a centelha di­vina que iluminará o mundo e ensinará aos homens seu grande destino.

Só então poderá o pensamento de Ubaldi ser compreen­dido em sua natureza íntima. Tem muitos admiradores em todas as partes do mundo. Mas quantos o admiram porque o compreende­ram verdadeiramente? Ubaldi mesmo reconhece que pouquíssimos o compreenderam de fato. Muitos fizeram dele uma idéia contras­tante com a realidade. Imaginam-no um semideus, enquanto é ape­nas um homem. Estes provavelmente ficariam muito surpreendidos se o conhecessem pessoalmente, não porque ele seja um homem de pouca valia, nada disso, mas porque incorreram no erro de forma­rem dele um conceito fantástico e irreal. Tem períodos de depres­são psíquica, durante os quais sofre de modo inaudito. Toca a bea­titude do êxtase místico e o abismo da dor mais atroz, sai dos excelsos cumes da especulação da mente e desce ao abismo da su­focação de consciência. Observamos nele o homem dotado de po­der psíquico gigantesco e o homem fraco. Jamais porém se observa vulgaridade e muito menos imoralidade. Notamos que apresenta dúvidas e incertezas que, no entanto, são resolvidas com absoluta clareza em A Grande Síntese. Mais de uma vez convidamo-lo a es­clarecer as próprias dúvidas lendo suas obras, e muitas vezes o con­fortamos com o conforto que dele recebêramos.

Mas, bem considerado, isso não deveria admirar. Ele, co­mo qualquer de nós, embora em planos diferentes, não é nunca igual a si mesmo. Seu dinamismo biopsíquico é cíclico, e portanto sujeito a fases espetaculares de subida e descida. Segue-se daí que o mesmo acontece com suas faculdades conscientes, ou seja, inte­lectivas e sentimentais. É um homem cuja personalidade está liga­da à Terra e ao céu ao mesmo tempo. Sua personalidade biopsí­quica oscila, vibra, segundo um movimento cíclico ondulatório, ir­regular, mas não casual. Em seu eterno dinamismo, sobe e desce de acordo com uma trajetória cujo vértice positivo está no plano místico e o negativo no plano humano. Sobe e desce de um a outro plano passando, naturalmente, através de planos intermédios de que falaremos.

Esse fenômeno não deveria maravilhar ninguém, porque é comum à psique humana. Todos nós temos estados de ânimo di­ferentes, períodos de sensibilidade e insensibilidade, de otimismo e pessimismo, de expansão e compressão de consciência; não obstan­te, estamos em ato ou em potência sempre iguais a nós mesmos. Ele difere de nós unicamente por maior acentuação do fenômeno. A potencialidade biopsíquica dele viveu, naturalmente, momentos diversos mesmo no passado, e os viverá no futuro. Em sua presen­te vida conheceu momentos psíquicos diferentes. Começou com a inconsciência da vida embrional, daí passando à fase de consciên­cia média normal, e aos poucos à mediúnica, à ultrafânica, e enfim à fase mística. No atual período de sua vida, seu dinamismo biopsíquico oscila da fase de consciência normal à de consciência místi­ca. Concluindo, a evolução biopsíquica de Ubaldi é caracterizada por uma trajetória progressiva ondulatória. Trajetória análoga, ain­da que em proporção diversa, caracteriza o dinamismo biopsíquico da generalidade dos homens.

Dissemos que Ubaldi, em seu dinamismo biopsíquico os­cila entre o plano biopsíquico humano normal e o plano biopsíquico místico, atravessando os planos intermédios. Agora diremos que sensações ele experimenta nos diversos planos de consciência e quais são suas manifestações externas. Comecemos da fase mística. É a fase de máxima expansão da consciência. Dura pouco, porque se durasse muito tempo, o mataria fisicamente. É um estado de suprema beatitude, de suprema consciência e de supremo amor. O organismo físico permanece ausente da consciência dele, mas sofre as conseqüências do formidável desequilíbrio que se produz em tais momentos entre ele e o organismo psíquico. E como se fora imerso numa chama que o queima sem dor, mas que o consome. Segue-se daí que, atingido o esforço limite, ele rui e em seu desmo­ronamento arrasta consigo o organismo psíquico, porque o orga­nismo psíquico e o organismo físico representam respectivamente o pólo positivo e o pólo negativo do organismo humano, os quais de­vem coexistir em complementaridade harmônica. Na fase mística, o organismo físico sofre e se adapta, em virtude de sua notável elas­ticidade, à extrema tensão psíquica. Mas, atingidos seus limites extremos de elasticidade, reage violentamente e rui, arrastando con­sigo o organismo psíquico. Portanto, os momentos místicos são bre­ves, mas de intensidade máxima. Esses momentos são possíveis apenas em condições de quietude, de recolhimento e isolamento. Deles, ele sai fisicamente esgotado e se precipita nos planos mais bai­xos de consciência. Não pudemos observar pessoalmente o escritor em seus momentos místicos e portanto não estamos em condições de dizer mais do que isso.

Na fase de ultrafania, Ubaldi apresenta excepcional sen­sibilidade e potência de gênio. Tem a visão direta e consciente da verdade, participa intimamente da vida do universo e sua consci­ência dilata-se em horizontes sem limites. Desses momentos inspi­rativos saiu, de jato, A Grande Síntese. Nos momentos de inspira­ção ou de ultrafania, e sobretudo nos místicos, a natureza humana de Ubaldi acha-se superada. De humano, sobrevivem apenas as funções reduzidas do organismo físico, que, obviamente, não pode subtrair-se de todo às leis que o governam. O organismo físico acompanha dolorosamente o organismo psíquico, e, em certos mo­mentos de esforço máximo, parece esfacelar-se. Isto não ocorre nem pode ocorrer, pela razão que, atingidos os limites extremos de resis­tência, ele reage automaticamente e cede, arrastando consigo o or­ganismo psíquico, analogamente ao que ocorre na fase mística.

Nestas fases realiza-se a maior e mais elevada produção literária ubaldiana. Nestas fases o organismo físico sofre esforços e conturbações verdadeiramente apocalípticos, e em certos momen­tos tudo parece desmoronar e incinerar-se. Isso não ocorre pela automática auto-regulação de que falamos. A sua produção literária nasce prevalentemente nesses momentos e representa um par­to muito doloroso. As páginas de seus livros são pedaços de carne, são escritos com seu sangue, são momentos de vida vivida em gran­deza e dor excepcionais. Nem sempre ele escreve nesses momen­tos particulares, porque às vezes suas condições psíquicas não lhe permitem escrever. Freqüentemente confia à pena a lembrança fiel de uma visão precedente. Indispensável acrescentar que, no âmbito dessa fase, sua consciência não se mantém estática, mas está sujei­ta a flutuações mais ou menos intensas, pelo que ele vê em lampe­jos e não continuamente. Atravessa momentos de máxima exalta­ção e momentos de repouso. Nem poderia ser diversamente, por que a economia biológica o impõe. Naturalmente ele também não pode subtrair-se de todo à influência do ambiente, que age sobre ele, embora em medida e com efeitos mais limitados do que nor­malmente. Basta então um momento ocasional, ainda que mínimo, para suscitar ou para acelerar nele um determinado estado de cons­ciência, porque, às vezes, basta uma leve força externa para com­pletar maturações íntimas adiantadas.

Da fase de ultrafania, por processo natural de compres­são de consciência, Ubaldi desce à fase "de mediunidade", onde adquire as faculdades próprias do médium. Não tivemos ocasião de observar pessoalmente nele essa fase e por isso não estamos em condições de ilustrar convenientemente suas manifestações específi­cas mediúnicas. Não obstante, cremos poder afirmar que perten­cem à ordem dos fenômenos mediúnicos normais, a respeito dos quais está à disposição do leitor uma literatura copiosa e com os quais se ocupa seriamente uma nova ciência, a metapsíquica. Res­ta-nos apenas salientar que as faculdades mediúnicas são contidas e disciplinadas pelo equilíbrio e pela superioridade moral do pró­prio Ubaldi e que, de qualquer forma, elas são um estado biopsíquico de breve duração e estranha, como veremos, à característica biológica predominante de Ubaldi. Não nos delongaremos neste argumento, mesmo que pareça a muitos leitores ser o mais suges­tivo, primeiro porque nada temos que acrescentar de novo ao que já se conhece dos fenômenos de mediunidade, e porque, como dissemos, não tivemos a possibilidade de fazer observações pessoais e particularizadas neste assunto. A personalidade gigantesca psíquica e o equilíbrio superior intelectual e moral de Ubaldi não o consen­tem; doutra parte, exibir essas faculdades seria atrair a vulgar e pa­tológica curiosidade do público. Tudo isso pode adaptar-se a um médium de salão, não convém certamente à figura gigantesca de Ubaldi.

Do estado de mediunidade, por ulterior compressão de cons­ciência, conseqüente de diminuição de potencial biopsíquico, ele desce ao estado próprio à generalidade dos homens. Nesse estado, personifica sucessivamente os tipos biopsíquicos humanos que, em progressão regressiva unem o plano biológico mediúnico ao bioló­gico médio normal humano. Adquire, por isso, primeiro, as ca­racterísticas e manifestações do homem de gênio, ou seja, notável poder racional puramente humano, vivacidade de inteligência, a que se seguem características menos pronunciadas, isto é, menor potência racional e intelectiva. E assim, gradativamente descendo chega a adquirir as capacidades intelectivas do homem médio nor­mal. Não nos consta tenha ele jamais descido abaixo desta última.

Importa acrescentar que tudo o que dissemos se refere unicamente ao potencial biopsíquico ou de consciência. No que diz respeito ao estado afetivo e sentimental, ou seja, a seu estado de felicidade ou de dor, a coisa se passa diferentemente. Com efeito, ao dizermos que, no plano humano Ubaldi apresenta faculdades racionais e intelectivas puramente humanas, não significando que experimente estado de ânimo próprio da generalidade dos homens normais. Grave erro seria supô-lo, erro que impossibilitaria uma avaliação realística do mesmo. Quem compreende perfeitamente o fenômeno biológico que ele vive, chegaria por si às mesmas conclusões. O estado de felicidade e infelicidade, de alegria e dor, próprio a cada ser humano, tem causa em sua relatividade. É uni­versalmente sabido que a dor deriva de necessidade insatisfeita, bem como a necessidade só surge da experiência. Quando uma experiência agradável falta em nosso ânimo, nasce a necessidade de repetição da mesma. Essa necessidade insatisfeita é, por sua vez, causa de sofrimento. Por exemplo, quem experimentou o prazer de vida cômoda e abastada, sofre quando perde a comodidade e a abastança. Muito menos sofre quem não fez essas experiências, ou mesmo nada sofre. Igualmente, quem experimentou as alegrias do afe­to humano, sofre quando este lhe falta. Menos ou nada sofre quem nunca os experimentou. Citamos dois exemplos, mas poderíamos continuar indefinidamente.

Dito isto, que dizer de quem experimentou a felicidade suprema, isto é, o êxtase místico? Evidentemente nenhuma outra experiência pode proporcionar felicidade tão grande e daí se deduz que, quem experimentou essa suprema felicidade, está condenado a não achar felicidade em mais coisa alguma. Quem viu, por um ins­tante sequer, o Paraíso, jamais poderá esquecê-lo e procurará sem­pre revê-lo. Compreende-se, portanto, que Ubaldi jamais poderá saborear as alegrias desta Terra. Só é feliz quando vive no plano místico. No plano ultrafânico é parcialmente infeliz; aumenta sua infelicidade no plano mediúnico e se torna máxima no plano huma­no normal. E como os momentos místicos, únicos capazes de fazê­-lo feliz, são de duração breve, segue-se que ele vive prevalente­mente na dor. Ele paga a visão fugaz do paraíso, com longas e persistentes fases de profunda dor que mantém em ebulição todo o seu ser. Esta sua dor imensa é, por sua vez, causa de sua progres­siva catarse espiritual, catarse que o leva cada vez mais para ulte­rior superação de si mesmo. Está, pois, destinado à dor, cortou as pontes atrás de si, e não mais pode tornar a viver nesta Terra nem obedecer às leis biológicas que a governam. Está suspenso entre o céu e a Terra.  O paraíso apresenta-se-lhe só por instantes fugazes, a Terra lhe é inóspita. Drama tremendo e grandioso ao mesmo tem­po. Ele vive sua suprema ventura biológica.

Chegado à profundidade da fase humana, após período mais ou menos longo de dor, a onda biológica de Ubaldi se inverte e retoma seu ciclo ascendente. Ele regressa aos primeiros planos donde descera, reproduzindo o fenômeno biológico idêntico e inver­so ao descrito. Qual a íntima razão biológica de tudo isso? Não a conhecemos. Indubitavelmente isto se relaciona com as leis que governam a evolução nos planos biológicos supranormais, e difícil é percebê-las com clareza. Julgamos que as fases de depressão de seu dinamismo biológico sejam um êxtase, após a expansão, uma contração necessária para a consolidação de seu organismo físico e psíquico, em novo equilíbrio de forças, através das íntimas reações biológicas, ligadas às funções de trocas, portanto, fenômeno com­parável ao cansaço que se segue a um estado de intenso trabalho, que impõe ao organismo o estado de repouso e que, ao mesmo tem­po, determina o refazimento dos órgãos que trabalharam. Tratar-se-ia então de um trabalho involuntário, que se desenrola na intimidade do organismo físico-psíquico para consolidar um equilíbrio biológico mais elevado. O organismo psíquico se consolidaria nu­ma fase biológica mais adiantada e, o organismo físico se harmoni­zaria com este, desmaterializando-se e fixando-se em estado evoluído mais avançado. Parece que o fenômeno semelhante nos seja dado observar nas funções físicas e psíquicas da biologia do homem normal. Nem doutro modo poderia ser, pois a lei que governa a vida dos homens é una, universal e necessária.

É mister observar ainda que, superado o vértice negativo da onda biológica, Ubaldi sobe mais forte e mais seguro, conquista mais luminoso estado de consciência e volta novamente à visão da verdade. Retoma o dinamismo biológico que lhe é próprio, atin­gindo com menor esforço possibilidades superiores às que antes al­cançara. Indispensável agora precisar o que entendemos por visão da verdade. O vidente não vê a verdade com os sentidos huma­nos normais, mas com a percepção extrasensorial, ou seja, a vê dentro de si, sintonizando o próprio EU psíquico com a própria verdade, mediante um sexto sentido que a evolução nele criou. Considerando o organismo humano um aparelho receptor, pode dizer-se que o organismo de Ubaldi é um aparelho mais aperfeiçoado, mais sensível, isto é, apto a perceber sensações que, por sua natu­reza, um aparelho normal não pode perceber. O aperfeiçoamento dos sentidos humanos está em relação com as necessidades biológicas correspondentes ao plano evolutivo e ao ambiente próprio de cada plano. Sabe-se que o ambiente e a função criam o órgão: é lei universal e portanto vale também para o ser que estudamos. Resulta que, exercitando ele uma atividade biológica precipuamen­te psíquica, própria dos planos biológicos supranormais, e tendo-se subtraído à influência do ambiente propriamente humano, parti­cipando de um ambiente super-humano, conquistou diversas ca­racterísticas e possibilidades biológicas diversas das nossas. As suas características biológicas harmonizam-se, portanto, com as leis da natureza e nelas têm sua justificação e explicação. Então, du­rante a fase de expansão da consciência quando os centros psíqui­cos estão em função, ele tem percepções extrasensoriais da verda­de, nela se funde em simbiose mútua, que se vai tornando aos pou­cos de facultativa em obrigatória. Vive em harmonia com a lei universal, isto é, com o pensamento de Deus, supera a própria na­tureza humana e realiza uma natureza super-humana. Vive uma realidade que não pode ser compreendida por homens normais, nem expressa pela linguagem comum. Análogo a isto é o que ocorre aos cegos de nascença, que não podem compreender a natureza das diversas cores, por mais que lhes sejam descritas.

O fenômeno biológico vivido pelo nosso estudado é in­dubitavelmente muito interessante e revela-nos até que ponto pode avançar o poder psíquico. A Grande Síntese foi escrita de jato, sem que o autor possuísse adequada preparação científica. Pode pare­cer um prodígio, mas é apenas um fenômeno natural, ainda que raro; é a realização de uma possibilidade humana normal. Não há pro­dígios na natureza, mas existe uma lei biológica de que apenas conhecemos. pequena parte. Ilimitadas são as possibilidades da as­censão humana, a força que as gera é aquela centelha divina que arde em cada um de nós, os motores são a dor e o amor. É neces­sária a força corrosiva da dor para quebrar o invólucro que nos mantém prisioneiros, assim como o fogo do amor para fundir a enorme couraça que nos separa da verdade. Rasgam-se os véus do mistério só pelo mágico toque do amor, e vão seria agir diversamente. Característica peculiar dos produtos mais elevados da evo­lução humana é, com efeito, a nota dominante do amor, de um amor sobre-humano e ilimitado. Essa é a característica fundamen­tal de nosso estudado. Amor e dor são a inesgotável fonte de sua grandeza.

Dito isso, compreende-se que seu poder intelectivo e vital está caracterizado por notáveis variações e que as experiências que o interessam são de natureza diversa e contrastam entre si vivamen­te. É fácil imaginar que desse contraste se origina um complexo de ações e reações psíquicas e físicas que o mantêm em estado de pe­rene dinamismo, motivo de evolução e razão de alegrias sobre-hu­manas e de sobre-humanos sofrimentos. Compreende-se ainda quan­to sofre ele no plano humano, quando sua consciência experimenta participações medonhas. Não admira que em tal estado de cons­ciência, ele duvide, que se considere estranho à verdade vista e des­crita; não admira que seja atormentado por incertezas, incorra em erros e despreze a si mesmo. Tudo isso pode parecer desequilíbrio patológico. Na realidade, é desequilíbrio, mas criativo, porque sua personalidade o compreende, o enquadra e o domina, e dele se ser­ve para a própria subida. Demonstra-o sua autocrítica, serena e sincera.

Percebe-se ainda que, dada a particular excepcionalida­de do drama, bem dificilmente pode Ubaldi receber válido auxílio dos homens. Estes não o compreendem nem o podem, porque a compreensão só é possível entre os semelhantes, e ele é muito dife­rente de todos. Ubaldi vive uma vida que os outros desconhecem e deve amadurecer sozinho sua grande aventura. Entrou só nesse atalho árduo, cujo objetivo é uma vida maior. Cortou as pontes atrás de si e não pode voltar. Seu único conforto são entidades superiores, e a elas estende ele dolorosamente os braços. A visão de Cristo sustenta-o no esforço sobre-humano. Poucos homens o compreendem, ainda que muitos o exaltem, e só os primeiros po­dem trazer-lhe um pouco de refrigério à sua grande paixão. Os se­gundos, com sua exaltação inconsiderada, muito freqüentemente lhe fazem mal.

Ilustrado o fenômeno cíclico da vida de Ubaldi, aparecem lógicas e justificadas todas as manifestações de sua personalidade. Erros, dúvidas, incertezas, gênio, mediunidade, ultrafania, vertigi­nosas ascensões místicas, santidade, tudo isso constitui o conteúdo do caso biológico de Ubaldi, assim como sentimentos, possibilida­des intelectuais e volitivas diversas, constituem a personalidade de cada um de nós. Se observarmos objetivamente e de perto a vida até dos grandes homens que a humanidade venera e coloca nos al­tares, mesmo neles achamos também grandes e pequenas coisas. Segue-se que, por causa das múltiplas e contrastantes manifesta­ções de sua personalidade, nosso estudado pode parecer, conforme o aspecto em que seja considerado, um santo, um gênio, um mé­dium, um homem normal ou um doente mental.  Pode, pois, inspi­rar admiração, amor, ou compaixão. Essas definições estarão cer­tas se as olharmos em seu conjunto. Então, quando quisermos fa­zer um juízo sintético e realístico de Ubaldi, precisamos considerar suas múltiplas e contrastantes manifestações, sem considerar o tem­po de cada uma delas. Só assim teremos uma visão objetiva e sin­tética dele. Fora disso nos perderíamos num labirinto do qual seria muito difícil sair. Julgá-lo-emos, pois, em função de todos os seus atributos, ou melhor, segundo a soma algébrica, se assim podemos dizê-lo, de seus valores positivos e negativos. Não é fácil esse côm­puto, inútil dizê-lo, sobretudo porque é extremamente difícil estimar o valor biológico de cada qualidade, tratando-se de avaliações muito incertas e totalmente subjetivas. Não obstante, tentaremos uma apreciação desse gênero; ainda que não seja exata, será pelo menos suficiente para orientar o julgamento num plano que se afaste o menos possível da realidade. Esclareçamos que nossa apre­ciação se refere à sua personalidade tal qual se apresenta no mo­mento, sem nenhuma relação com o passado.

Dissemos que a personalidade de Ubaldi oscila entre o plano normal e o plano místico. Acerca deste, fazem prova as vi­sões e estados de êxtase. Convenhamos que não existe um plano místico, do qual se possa tratar em sentido bem definido e ao qual nos possamos referir, pois, como ensinam as doutrinas esotéricas, existem muitos planos místicos, sendo eles mesmos planos biológi­cos. Não estamos em grau de estabelecer até que plano místico te­nha Ubaldi subido, e portanto, prudentemente, queremos supor que seu potencial biopsíquico possa erguer-se até o primeiro plano mís­tico. Aceita essa suposição, segue-se que sua personalidade pode considerar-se oscilante entre o plano normal humano e o primeiro plano místico. A distância entre esses dois planos, mesmo se não podemos apreciá-la com segurança, é sem dúvida notável. Sabemos além disso, que ele permanece no plano ultrafânico durante meta­de de seu tempo, ou seja, em um ano, permanece seis meses em estado ultrafânico. Na outra metade de seu tempo está em condi­ções normais, mediúnicas e místicas. Não podemos precisar quan­to tempo permanece em cada uma dessas três fases. De qualquer forma, é certo que as experiências místicas são de duração breve e de intensidade excepcional. Com esses poucos elementos, é sem dúvida impossível deduzir conclusões precisas. Aliás esta atividade biológica particular de Ubaldi não se presta a medidas e análises mais minuciosas, pois embora possíveis, de pouco serviriam a nosso objetivo, desde que os momentos biológicos têm valor próprio intrínseco, que não pode ser apreciado pela medida do tempo. Pou­cos minutos de suprema tensão mística têm um significado biológico que transcende qualquer apreciação humana e não podem ser avaliados em confronto com os momentos de atividade biológica normal.

Tudo considerado, cremos poder concluir que a atividade biológica do "sujet" transcende a atividade biológica do homem normal. Além disso, julgamos não ser arriscado afirmar que a evo­lução biológica da personalidade estudada superou de modo notá­vel o plano biológico próprio do homem normal, e que, portanto, nos achamos diante de um caso interessante de homem supranor­mal. Não estamos em condições de dizer com precisão até que ponto supera ele o plano normal, mesmo porque não conhecemos a unidade relativa de medida, e não sabemos — como talvez nem ele mesmo o saiba — a que grau de amadurecimento esteja ele chegando. Para não incorrer em erros prováveis de avaliação, limi­tamo-nos, pois, a definir Pietro Ubaldi como um tipo biológico su­per-humano.

Pietro Ubaldi é um super-homem. Definir Pietro Ubaldi um super-homem talvez pareça arriscado. Talvez alguns se escan­dalizem. Não é razoável, porém que isso aconteça, como o não seria se disséssemos que o homem civilizado é um super-homem comparado ao troglodita, ou que Fulano é mais evoluído que Si­crano. O super-homem não é um ser privilegiado que surgiu pro­digiosamente neste mundo, dotado de qualidades e merecimentos excepcionais por concessão do Alto. É um homem, apenas um ho­mem, que em sua evolução precedeu os seus semelhantes, porque, mais que eles, soube lutar e sofrer, ou, se os preferirem, pelas mes­mas razões que nos fizeram seres mais evoluídos que os selvagens. Ele pagou e paga duramente o preço de sua superioridade. No altar da Divindade sacrificou sua personalidade humana, para rea­lizar a super-humana. Tem o que deu, nada mais, porque a Lei é justa. Qualquer um de nós pode chegar onde ele chegou e supe­rá-lo, no curso de evolução individual. Todos podemos transfor­mar-nos gradualmente em santos e anjos, todos podemos realizar nossa natureza divina. Todos a realizaremos, e então terá descido à Terra o Reino de Deus.

Tudo o que até agora dissemos de P. Ubaldi só tem va­lor, naturalmente, enquanto não sejam falsas suas manifestações externas. Se mentindo houvera, tudo quanto dele dissemos automa­ticamente cairia, e quem julgamos um super-homem seria, ao invés, o mais miserável dos homens. É possível que P. Ubaldi nos tenha mentido? Decididamente o recusamos. Tudo dele se poderá pen­sar, menos que tenha mentido toda a sua vida. Para atingir um ideal de vida evangélica, voluntária e conscientemente abraçou uma vida que seria rejeitada por qualquer homem normal nesta Terra. Aceitou uma vida de dor e sacrifício, consumiu sua vida em nome de um ideal. Que aspiração puramente humana teria podido impe­li-lo até este ponto? Cremos que, qualquer coisa que dele se pense, não se pode pôr em dúvida que ele seja um homem inteligente. Ora, como poderia um homem inteligente abraçar uma vida de dor, só pelo gosto de mentir? Poderia ter escrito tudo o que escreveu, se verdadeiramente não o tivesse sentido? A dor arranca do rosto qualquer máscara; quem sofre não sabe mentir. De qualquer mo­do, não seria racional levar a desconfiança até este ponto, mesmo porque não há provas que autorizem uma suspeita, e ainda porque não basta negar uma verdade para destruí-la.


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Passemos, agora, a examinar sua personalidade à luz da razão normal e da ciência. Este é um método de pesquisa parti­cularmente seguro, mas de possibilidades muito limitadas. Admitindo que a ciência aceita a evolução biológica de todos os seres vi­vos, é mister, para avaliar o valor biológico de P. Ubaldi, estabe­lecer se ele pode ser considerado um tipo biológico destinado a ser esmagado pela evolução, ou para triunfar sobre ela. Tem isto im­portância fundamental. Aliás, nisto reside todo o problema. Não é fácil apresentar uma resposta aceitável, por muitas e óbvias ra­zões, mas sobretudo porque atualmente é difícil, senão impossível, conhecer as características biológicas do homem que será criado pela evolução. De fato, não se pode saber a priori como será o homem do futuro, como há séculos atrás não teria sido possível imaginar as características do homem do século vinte. Tão pouco conhecido é o homem, tão obscuras as leis e causas da evolução, que qualquer previsão teria sempre sabor pessoal e seria, portanto, muito incerta. Nos organismos humanos há caracteres recônditos e forças potenciais de que nenhuma pesquisa poderia hoje fazer o levantamento e a interpretação. Possui a ciência formidável método de pesquisas, conquistou posições soberbas, mas — mister é reconhecê-lo — ainda é criança, tem as possibilidades de um in­fante, a quem pertence o futuro, mas que ainda está relativamente inexperiente e às vezes, mesmo, teimosa. Defeitos da juventude que o tempo liquidará, mas defeitos notáveis, especialmente quan­do se lhe pede a explicação de problemas da natureza do que esta­mos estudando.

Dito isso, conclui-se que existem raças e indivíduos que estão destinados a ser eliminados pela seleção da evolução, porque são fracos, e outras raças e outros indivíduos que, ao contrário, estão destinados a sobreviver, porque são dotados de superiores possibilidades biológicas. Desde que as novas raças dominantes lentamente surgem das raças pré-existentes, e do seio destas saem triunfantes por fenômeno natural da seleção, é claro que em cada raça existem indivíduos de possibilidade biológica superior e outros de potencialidade biológica inferior, ou seja, que existem exempla­res destinados a propagar-se, no futuro, e outros destinados a desa­parecer. A potencialidade biológica dos indivíduos que constituem qualquer raça é, pois, muito diversa, e os próprios indivíduos, a esse respeito, são distribuídos na raça de acordo com uma gama de valores biológicos progressiva ou regressiva, como se queira cha­má-la. Estudando estatisticamente o fenômeno pode observar-se, além disso, que em cada raça existe um grupo muito numeroso de indivíduos dotados de características biológicas médias e dois ou­tros pequenos grupos com caracteres opostos, porque de qualidade superior ou inferior aos do grupo biológico médio. Os indivíduos pertencentes ao primeiro grupo são os chamados normais, os com­ponentes dos outros dois grupos, anormais.

O que ficou dito vale para as características morfológicas e as funcionais. Cremos, pois, razoável estender a apreciação tam­bém pelo que diz respeito à potencialidade biológica dos indiví­duos. Mesmo sendo dificilmente apreciável e cognoscível a poten­cialidade biológica dos exemplares de uma raça, acreditamos que, analogamente ao que se observa nos caracteres morfológicos e fun­cionais, possa afirmar-se que em cada raça, existe um grupo muito numeroso de indivíduos de potencialidade biológica normal e dois pequenos grupos de potencialidade biológica anormal, de valor oposto. Tudo isso teria de verificar-se necessariamente, dada a relação de estreita interdependência que parece existir entre os ca­racteres morfológicos e funcionais e os caracteres biológicos mais profundos, que individuam cada personalidade. Sabemos todos que os indivíduos não sujeitos às doenças e os em perene estado pato­lógico são em pequeníssimo número, ao passo que a grande maioria é constituída de pessoas que adoecem irregularmente. Sabemos mais, que os indivíduos fortíssimos e os fraquíssimos são exígua minoria, enquanto a grande maioria se compõe de indivíduos me­dianamente robustos. Poucos são os gênios, os santos, os imbecis, e os delinqüentes, numerosíssimos os medianamente bons e mediana­mente inteligentes. Análogo fenômeno estatístico deve ser necessa­riamente encontrado também em relação com a potencialidade bio­lógica, na qual se exercita o trabalho seletivo que realiza a evo­lução. A expressão gráfica do fenômeno é uma curva em forma de sino, também chamada curva de Gauss.

Daí se deduz que em cada raça existem três grupos de indivíduos, dos quais, um pequeno, constituído por indivíduos do­tados de baixo potencial biológico, destinados a ser esmagados pela evolução e a extinguir-se; um segundo grande grupo, constituído por indivíduos dotados de potencialidade biológica média, destina­dos à conservação da raça; e enfim um terceiro pequeno grupo, do­tado de potencialidade biológica superior, e destinado a criar lentamente uma raça superior, isto é, o produto da evolução. Verifi­cado isso, deduz-se que os pioneiros da evolução pertencem à anor­malidade, ou seja, são anormais. Visto que existe uma anormali­dade positiva e uma negativa, resta-nos examinar quais são as ma­nifestações biológicas que caracterizam as duas anormalidades opos­tas. Uma descrição de caráter geral seria quase impossível e não adiantaria nem à clareza, nem à exatidão. Pois, seria mister descer à particularidade de cada raça e de cada indivíduo, e aí fazer as próprias observações e apreciações. No estado atual de conheci­mento da matéria, cremos não seja possível agir doutra forma.

Feita esta necessária digressão de caráter geral, retome­mos o estudo de nosso "sujet". Não há dúvida de que as manifes­tações biológicas deste, e de modo particular as psíquicas, perten­cem à mais nítida anormalidade. Achamo-nos, então, diante de uma criatura que representa o produto ou o refugo da evolução. A qual das categorias pertence ele? Não é possível dar uma respos­ta aceitável se antes não o analisarmos em todas as suas peculiares manifestações biológicas. É o que agora tentamos fazer, por meio de um exame atento de suas características físicas e psíquicas.

O funcionamento do organismo físico de P. Ubaldi não se diferencia de forma acentuada da dos homens normais. No en­tanto, existe uma diferenciação, mas de caráter positivo: ele é par­ticularmente resistente aos agentes patógenos e aos esforços físicos. Tem sessenta anos completos e goza de ótimas condições de saúde. Prova-o o fato de que normalmente jamais se utiliza de médico. Seu aspecto exterior não denota nenhum depauperamento, mas ao contrário tem características relativamente juvenis. E isto, não obstante o regime dietético extremamente parco e o maior descuido com que trata seu organismo. É fora de dúvida que qualquer or­ganismo humano normal sofreria inevitável depauperamento orgâ­nico, se fosse explorado tanto e tão sumariamente alimentado e tão mal guardado. Surpreende em verdade, como, nessas condi­ções, possa seu organismo manter ótimo seu funcionamento. Normalmente, alimenta-se apenas uma vez por dia. Sua alimentação é muito frugal, e podemos testemunhá-lo porque durante vários me­ses sentamos com ele à mesma mesa. Trata-se de uma refeição ri­gorosamente racional, segundo as leis dietéticas e a preço fixo. Às vezes toma, à noite, uma xícara de leite ou pouco mais, às vezes nada. A quantidade de calorias que fornece a seu organismo é, indubitavelmente, uma fração exígua do mínimo necessário para o homem normal. Isto não o impede de ser dinâmico mesmo fisica­mente, e de suportar esforços materiais, como o de ir visitar sua família, pedalando setenta quilômetros de bicicleta, de Gúbio a San­to Sepulcro.

Desenvolve concomitantemente três profissões, cada uma das quais poderia bastar para um homem: 1º) o ensino; 2º) a produção literária e o cuidado da impressão de seus trabalhos no mun­do, com uma correspondência epistolar em seis línguas diferentes, em média com cinqüenta cartas por semana; 3º) o trabalho domés­tico para si mesmo, pois vive só, sem empregados. Desprovido de todo auxílio, de toda assistência, tem que fazer tudo por si mesmo. Quando tem febre ou qualquer indisposição, suporta seu mal sem ir à cama, em plena atividade. Muito raramente, e só em casos gra­ves, resigna-se a ir para o leito. Suporta indiferentemente calor ou frio. No inverno, jamais aquece sua casa, apesar do excepcional ri­gor da localidade em que habita, particularmente fria e sujeita a neves. Vive em pobreza voluntária, abolindo até as mais elemen­tares comodidades, não só para atingir seu ideal de vida evangélica, como pela satisfação de vencer todas as dificuldades. Seu caráter é indubitavelmente forte, e seu organismo também. É evidente, pois, que possui qualidades intrínsecas que o diferenciam da nor­malidade no sentido positivo.

Sobretudo, porém, surpreende como seu sistema nervoso possa manter sem quebrar, o ingente trabalho a que está sempre submetido. Bastará recordar que só conhece o repouso das horas de sono, muito pouco aliás, pois durante todo o tempo restante fica submetido a incessante tensão que enfraqueceria qualquer sistema nervoso normal. Trabalha durante várias horas, à noite, que para ele são as melhores, porque todos dormem e estão em silêncio. Só de vez em quando lhe aparecem pequenos períodos de cansaço. dos quais prontamente sai sem chegar a ter verdadeiro esgotamento ner­voso. Esses momentos de depressão verificam-se após períodos de trabalho intelectual excessivamente intenso; às vezes os precedem, como se a vida se preparasse por si mesma, ao esforço que depois terá de fazer. Tudo considerado, pode verificar-se que nele prevalece o trabalho intelectual e espiritual, sustentado por um sistema ner­voso particularmente poderoso, resistente e hipersensível. Lembre­mo-nos, a mais, que, durante os períodos de atividade mística, seu sistema nervoso é obrigado a suportar fortes comoções, em virtude dos grandes deslocamentos em seu potencial, em conseqüência do que, ao sair deles, se encontra parcialmente perturbado e alterado, tal como sucede a qualquer sistema nervoso normal submetido à ação de poderosas comoções emotivas. Após longas e intensas ex­periências místicas, o sistema nervoso apresenta anomalias e alte­rações particulares as quais, entretanto, desaparecem em pouco tempo.

Falou-se de neurose. Seja. Mas que é neurose, e sobre­tudo a neurose de nosso estudado? Julgamos que qualquer neu­rológico capaz e honesto, em semelhante caso, seria, ao menos, prudente antes de exprimir um diagnóstico conclusivo e uma apre­ciação do mérito. Cremos que seja mister muita cautela ao senten­ciar a respeito desta matéria, porque podemos incorrer no erro de considerar patológico o que seja natural manifestação biológica su­pranormal. Do que dissemos, conclui-se que o organismo físico de P. Ubaldi pode ser considerado, por motivos óbvios, mais do que normal e dotado de qualidades intrínsecas que o diferenciam de modo positivo do homem normal.

Feito este breve exame das qualidades físicas, passemos a observar suas qualidades psíquicas. Diga-se de início que as ca­pacidades intelectuais do mesmo podem considerar-se sem sombra de dúvida superiores às que são próprias do homem normal médio. A esse respeito, racionalmente não se pode duvidar. Por exem­plo, a concepção geral de A Grande Síntese, qualquer que seja o juízo que dela se faça, é sem dúvida o produto de uma mente in­comum. Já que universalmente é conhecido e aceito que o poder do gênio é um fator de importância primordial e ao mesmo tem­po índice do valor intrínseco do homem, segue-se daí que, mesmo sob este aspecto, ele apresenta uma nítida superioridade em com­paração com o homem normal.

Reconheçamos que não basta alguém saber escrever um livro ou livros diversos e geniais, para que se possa considerar su­perior aos outros. O valor de um homem não é constituído só por isso, aliás de pouco valeria se esse homem não soubesse viver as idéias que professa e se elas não fossem capazes de influenciar ou­tros homens. Vive Ubaldi suas idéias e são elas compreendidas e vividas por outros homens? Sem dúvida. Toda sua vida é a exteriorização prática das mesmas, o plebiscito de concórdia e amor que a ele chega de homens de todas as partes do mundo, demonstra que essas idéias já tiveram sua grande função biológica. Denota isso que elas não são apenas literatura ou força potencial de possibilidades proble­máticas, mas já são uma força real em ato. Sem dúvida elas caíram em quem estava preparado, por sua natureza psicológica, para per­cebê-las; mas isso não impede que uma ação específica possa igual­mente a elas atribuir-se, ainda que como função complementar. É suficiente um lampejo nas trevas, para indicar-nos o caminho, e isso tem grande importância, mesmo se o resto do caminho tiver que ser percorrido com nosso esforço. As qualidades morais de Ubaldi são certamente muito diferentes das do homem normal de hoje e de ontem. A vida que exterioriza a substância nos atos, é a vida segundo a moral evangélica, a prática cotidiana e inteligente das bem-aventuranças anunciadas por Cristo na Montanha. Pode mesmo dizer-se que a concepção ideológica e moral de Ubaldi é a concepção profunda e substancial do Cristianismo, do Cristianismo bebido em suas fontes mais puras, livre das mortais dentadas dos dogmas, das tradições e dos formalismos que, através da letra, ma­tam o espírito. Essa concepção não contrasta aliás, antes, harmoni­zam-no, em suas linhas essenciais com as profundas concepções esotéricas de todas as religiões da Terra. Caminha na esteira moral deixada pelos santos e iniciados de todas as crenças do mundo. Com esta afirmação, permanece bem afastado de nós a intenção de en­quadrá-lo em qualquer grande organismo religioso, a fim de valo­rizar-lhe a personalidade a preço baixo. Pensamos em fazer apre­ciações críticas dessa forma de moral, para pesquisar se ela é a mo­ral dos homens superiores, ou a dos homens fracos, que vivem à margem da coletividade como refugo patológico. Observemos de perto esses homens, chamados santos, estudemo-los no ambiente biológico humano, tal como a nós se apresenta neste ambiente em que vivemos.

O "modus vivendi", o hábito moral, as aspirações e as idéias desses homens excepcionais, são totalmente opostos aos dos homens normais. Ao egoísmo, à violência, ao ódio, à busca dos prazeres materiais eles contrapõem o altruísmo, a mansidão, o amor, a busca das alegrias espirituais. É uma verdadeira e própria inversão de valores, é a revolução moral, cujo conteúdo está subs­tancialmente traçado nas bem-aventuranças anunciadas por Cristo. Eles voluntariamente renunciam aos prazeres que outros com in­gentes sacrifícios buscam, e, acima desta renúncia, procuram e en­contram alegrias espirituais conhecidas só por eles. São homens do­tados de grande força de caráter, de máxima sensibilidade, bonda­de e poder de intuição. E já que esses homens têm necessidades, desejos, aspirações e finalidades opostas aos da generalidade dos homens, segue-se daí que entre as duas partes não há. razões para luta e hostilidades. O santo apresenta-se à sociedade como ser inó­cuo; pode despertar incompreensão ou desprezo, mas materialmen­te não é combatido. Esta é uma forma de incolumidade que representa privilégio de grande valor. Como seria possível combater um homem que passa entre nós amando e beneficiando, que nos ama quando o odiamos, que faz o bem mesmo quando lhe fazemos mal, que tudo dá sem nada pedir para ele? Poderemos considerá-lo um louco, mas não teremos motivos para combatê-lo, e muito me­nos para liquidá-lo.

Só em circunstâncias particulares pode ocorrer que eles sejam combatidos ou até liquidados. Isso aconteceu no passado e poderá ocorrer no futuro. Diz-nos a história que alguns desses ho­mens extraordinários sofreram o martírio e as razões são evidentes. Santos particularmente dinâmicos, com imenso amor aos oprimi­dos, encontraram-se com os opressores e pagaram com a vida. Ou­tros suscitaram sentimentos novos na massa, de equidade e justiça, contrastando com privilégios de organizações sociais particulares, as quais reagiram suprimindo ou perseguindo o adversário. Suce­deu ainda que esses homens colidiram contra os privilégios ou a corrupção de comunidades eclesiásticas, e foram por estas direta ou indiretamente suprimidos, perseguidos, ou de qualquer forma im­pedidos de agir. Mas que ocorreu, quando eles subiram ao patíbulo ou foram perseguidos? Nesse momento, eles conquistaram a coroa do martírio que, com sua ressonância sentimental nas massas, assi­nalou a condenação dos opressores. Portanto, ou não são perse­guidos, e gozam do privilégio da imunidade, ou são combatidos e então conquistam os louros do martírio, fator psicológico de poder inimaginável. Temos que considerar, de fato, que os princípios mo­rais encarnados nesses homens são, consciente ou inconscientemen­te sentidos pela consciência das massas, que intuem neles a presen­ça de um "quid" imponderável que as sugestiona poderosamente. A história ensina que quando um santo sobe ao palco do martírio, assinala esse dia seu triunfo e a derrota dos carrascos.

Tais seres, portanto, não podem ser golpeados eficaz e impunemente. Isso representa para eles uma vantagem digna de nota. Os homens normais não a têm. A moral praticada por estes os leva ao ódio, à luta, à supressão e à neutralização recíproca es­téril. Poderão objetar que as massas sentem o fascínio desses ho­mens porque são ignorantes ou supersticiosas; mas isso é falso e não subsiste diante da realidade evidente, de que o progresso da civilização humana conduz a um aperfeiçoamento moral que faz apreciar cada vez mais o amor, a bondade, o altruísmo, caracterís­ticas predominantes nos santos em proporções excepcionais e he­róicas.

Mas há mais ainda! Só entre esses homens achamos os taumaturgos, ou seja, os homens que conquistaram o poder de fa­zer os chamados milagres. Convenhamos que esses poderes pertencem à biologia natural, mas precisamos convir que também eles são o índice de um poder biológico extraordinariamente superior, que a generalidade dos homens ainda não possui. Notemos, ainda, que só esses homens têm, por vezes, possibilidades proféticas e outras manifestações de clarividência. São manifestações que maravilham profundamente, e que, por sua vez, são o índice de possibilidades intelectivas verdadeiramente superiores. Esses poderes ultrafânicos não podem ser apreendidos através da cultura, e isto também de­monstra que eles pertencem à ordem das características biológicas intrínsecas, próprias apenas desses homens extraordinários. E a pessoa que estudamos é dotada de poderes ultrafânicos. A produ­ção de A Grande Síntese, escrita de jato, sem adequada prepara­ção científica, as previsões da guerra recente, contidas nessa mes­ma obra, e na Ascese Mística, são prova disso. A avultada anormalidade que encontramos em Ubaldi pertence, por suas caracterís­ticas específicas, à natureza própria dos homens de que vimos fa­lando. Julgamos, pois, que possa considerar-se uma anormalidade de caráter positivo, ou seja, uma anormalidade que se tornará nor­malidade, quando a evolução humana tiver caminhado mais uni pouco.

Concluindo: considerando-se que Ubaldi apresenta quali­dades físicas mais do que normais, poder intelectual superior ao normal, qualidades psíquicas e morais de natureza tal que o subtraem quase completamente das influências negativas do ambi­ente, e o fazem dominar sobre elas, considerando-se que ele não pode ser eficazmente golpeado, mas ao contrário pode exercitar so­bre os homens uma profunda função biológica, que interessa a parte mais importante da natureza humana, ou seja, a psique, po­de-se racionalmente concluir que nos achamos diante de um caso de anormalidade positiva, isto é, de verdadeira e própria superio­ridade biológica.

Ocorre agora perguntar-nos, se uma sociedade de homens desse gênero seria compatível com o progresso e a civilização. É óbvio que se o não fora, estaria errado tudo quanto acima afirma­mos. Preciso é notar antes de tudo que homens desta espécie não podem ser considerados parasitas da sociedade, pois que traba­lham, e com seu trabalho ganham o próprio sustento. São homens que trabalham com inteligência e abnegação, que dão de si mesmo, contentes por ter apenas o quanto lhes basta para viver modestamente. Não são, portanto, contemplativos estéreis, mas ótimos tra­balhadores, voltados para o progresso. Estamos também persuadi­dos de que uma sociedade constituída por homens que trabalham com muita vontade e inteligência, em que cada um ama seu próxi­mo como a si mesmo; em que cada um dá tudo aos outros, só pre­tendendo o estritamente necessário; onde se ama e ajuda a quem sofre; onde não se mata nem se rouba; onde existe liberdade e fraternidade; onde o pensamento é livre; onde a dor é recebida como instrumento de libertação e de evolução; onde se sofre com o sorriso nos lábios; onde se desconhece a violência e se ignora o arbítrio, estamos persuadidos de que só essa seja a sociedade per­feita; a sociedade que todos os homens bons e inteligentes da Terra queriam realizar para si e para seus filhos. Estamos persuadidos de que uma sociedade assim constituída, seja aquele paraíso perdi­do, para o qual se voltam todas as ânsias da humanidade atormen­tada desta Terra. Considerado tudo isso, parece-nos razoável con­cluir que o tipo biológico representado por P. Ubaldi seja um tipo que a evolução não pode destruir, mas terá de conservar.

Doutra parte, não será difícil observar que a humanidade, mesmo através de seus erros e torpezas, tende a envolver para este tipo biológico. Pode observar-se, com efeito, que no coração das massas humanas surge consciente ou inconscientemente uma ne­cessidade cada vez mais sentida de bondade, de beleza, de verdade. Sob as agitações da superfície, as grandes leis biológicas exercitam um trabalho subterrâneo preparatório e de maturação e cada vez mais exteriorizam a necessidade de bondade, de amor, de altruísmo. Hoje mais do que nunca podemos constatá-lo, se, sobrepujando as aparências, penetrarmos na realidade mais profunda que agita o coração das massas. Os políticos, os demagogos, os agitadores, só acham eco duradouro entre as multidões, quando fazem brilhar uma miragem de amor, de bondade, de liberdade, de altruísmo, de fraternidade. Os homens bons, altruístas, sábios, gozam de respeito e da veneração universal. O homem hipócrita veste-se com esses atributos para ocultar suas misérias morais e tornar-se agradável a seus semelhantes. As multidões anônimas e silenciosas trazem essa necessidade no coração. E, elas compreendem a quase totalidade dos homens. Comovei-as com a palavra que vem do coração e da alma, falai-lhes de amor e fraternidade, agi de modo a sobrepujar sua instintiva desconfiança, fruto de seculares enganos, e as vereis chorar comovidas.

E no entanto, estes são os tempos em que triunfam os as­sassinos, os prepotentes, os ladrões, os hipócritas, os astutos, os de­sonestos de todas as formas e cores, em que se troca por dinheiro tudo o que é sagrado, em que parece nada mais ser respeitado. Mas este, como dissemos, é um fenômeno visível de superfície: a reali­dade profunda é diferente. Do atual espasmo surgirá a reação e a última palavra será dita pela alma coletiva. Os maus serão destruídos por seus próprios delitos. O ódio, a maldade, geram ódio e maldade, que se destroem mutuamente; a bondade e o amor são por sua vez a gênese de mais elevado amor e de mais generosa e iluminada bondade. Pode-se dizer perfeitamente que o mal tem uma função biológica negativa e destruidora, e que o bem tem uma função biológica positiva e criadora. É por isso que estamos per­suadidos de que o trabalho da evolução conservará as qualidades biológicas do santo e destruirá as opostas. Concluamos, portanto, que nosso estudado pode considerar-se um pioneiro da evolução.

*   *   *

Estamos no fim deste estudo e só falta dizer o que pensa Ubaldi dele mesmo. Substancialmente, ele tem consciência de re­presentar o que até agora dissemos dele. Ele se aprecia ou deprecia, de acordo com o termo de sua comparação: o homem ou Deus. Diante do homem normal ele se considera superior, diante de Deus uma coisa bem miserável. Não deve surpreender-nos, pois, que ele fale aos homens com a linguagem do mestre e ao mesmo tempo se humilhe e aniquile diante de Deus. Tudo isso é profundo conhe­cimento e autocrítica serena e objetiva.

Que função biológica julga ele ter? Ajudar aos homens em sua evolução para uma vida superior. Ele vive para cumprir esse seu extraordinário dever que as leis da vida, que o pensamen­to de Deus lhe teriam confiado. Consome-se nessa função, que, com sua linguagem mística chama de missão. Crê firmemente nes­ta sua missão e nela empenha todas as suas forças. Dá testemunho de tudo quanto diz, com o exemplo de sua vida, fala pela impren­sa, e raramente de viva voz aos amigos e discípulos. Ao conversar, jamais assume o tom de pregador. Sua linguagem é dialética. Dis­cute com muita seriedade e paixão; gosta mais de ouvir do que de falar. Sua dialética é serena e persuasiva, seu pensamento é límpi­do, sem preconceitos e profundo; capta o pensamento do interlo­cutor com perspicácia e intuição surpreendentes. Dir-se-ia que sa­be compreender até o pensamento que não foi expresso. Gosta de ouvir o opositor, jamais se detém em posições preconcebidas, é verdadeiramente um livre-pensador. Às vezes, mostra-se feliz por haver achado algo que aprendeu e toma notas. Interessa-se com grande paixão pelas questões científicas, que ele interpreta e en­quadra com máxima precisão na vasta visão da verdade que nele está presente por visão intuitiva. Confia à imprensa toda sua personalidade, seus pensamentos, suas visões, seus dramas. Com a co­piosa literatura dá sua alma à humanidade e a projeta no futuro. Seus escritos estão, já agora, lançados em todas as partes do mundo, traduzidos nas línguas mais difundidas, são acolhidos e compreen­didos por homens de todas as raças. Um plebiscito de amor e de gratidão levantou-se para ele. Muitos foram os beneficiados: quem escreve isto, está entre eles. Arrastado por esta sua tarefa de bem, que se tornou a finalidade de sua vida, movido por este ideal de bem e de amor, dá-se todo com ardor. Sua pessoa humana se con­some queimada nessa chama de amor, e só sobrevive a alma, que encontramos palpitante em todos os seus escritos. Ele se dá a si mesmo por um ideal grande, sua alma pertence à humanidade e a Deus. E caminha dolorosamente entre os homens, amando e beneficiando, criatura celestial mais do que humana, com o olhar di­rigido às estrelas.


Verona — Itália, Páscoa de 1947.

(a)                                       PAOLO SOSTER


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