Trabalhava intensamente.
Minha vida era uma vida militante,
Dinamicamente realizadora,
Graças à minha feliz ignorância.
Depois, quando cheguei a saber da verdade,
Quando soube que todas as coisas do mundo são apenas miragens no deserto,
Espelhos e enigmas,
Sonhos e sombras,
Ecos e reflexos irreais
Da ignota Realidade -
Desisti das minhas atividades,
Cruzei os braços,
E fiz-me passivo espectador
Do Teu grandioso drama cósmico,
Senhor do Universo...
Sentia-me qual pequenina formiga
No teu gigantesco Himalaia...
Que diferença havia entre agir e não-agir?
Entre atividade e passividade?
Poderia, acaso, esta vil formiguinha
Modificar os teus imensos Himalaias?...
Para que trabalhar e lutar,
Se tudo corre segundo os teus eternos decretos?
Se leis imutáveis regem os teus mundos?...
Desde então, preferi ser passageiro inerte
Da tua máquina cósmica
Em vez de ser motorista ativo dessa máquina.
Desde então, desisti da minha velha mania
De querer converter alguém...
Converter, por que e para quê?
Se, no fim, todo homem tem de seguir o caminho que segue?
Desisti também de querer aliviar os sofrimentos
Dos sofredores.
Aliviar, por que e para quê?
Se cada devedor tem de saldar o débito do seu Karma?
Que insensatez seria se eu impedisse o devedor
De solver o seu débito!
Não será melhor que cada um pague, de vez, à eterna Justiça,
O que deve?
Que fique quite com a Constituição Cósmica,
Do que protelar essa quitação
Para tempos vindouros?
Deveras! Eu sabia demais...
E esse “saber demais” me impedia de agir.
Só age quem sabe pouco,
Quem sabe muito deixa de agir...
Agir é sinal de ignorância
E estreita ingenuidade...
Assim pensava eu...
Assim vivia eu...
Só mais tarde, muito mais tarde,
Descobri – que sabia de menos...
E por isso o meu saber me impedia de agir.
Numa estranha incubação espiritual,
De muitos dias e de muitas noites,
Finalmente, amadureceu em mim a suprema Verdade.
Isolei-me, diuturnamente,
Do ambiente físico
E do ambiente mental...
Desterrei de mim pessoas e coisas,
Bani do meu cérebro profanado
Pensamentos, memórias, fantasias,
Converti em silencioso santuário do Infinito
A ruidosa praça pública do meu cérebro,
E dentro deste grande silêncio da matéria e da mente
Focalizei intensamente o meu divino Eu...
Tão grande foi o calor dessa focalização
Que se derreteram em mim todas as matérias-primas...
E, quando tudo estava liquefeito –
O meu tácito pensar,
O meu ativo dinamismo ocidental
E o meu passivo misticismo oriental –
Então, todos os elementos,
Em liquefeita ignição,
Se fundiram numa nova unidade,
Que não era Aquém nem do Além
Não era mera justaposição,
Mas algo novo,
Inédito e inaudito,
Uma unidade orgânica,
Virgem, como a alvorada cósmica de um novo mundo,
Ainda aljofrado do orvalho noturno
De um divino “fiat” creador...
E dessa fusão do meu velho materialismo dinâmico
E do meu novo espiritualismo místico,
Nasceu a estupenda maravilha
Do homem integral,
Da nova creatura em Cristo...
Da fusão da minha horizontal ativa
E da minha vertical passiva,
Surgiu o emblema da universalidade,
O símbolo da redenção...
E eu me senti remido
Do meu esfalfante dinamismo,
E do meu inoperante misticismo.
Entrei na atmosfera de um mundo ignoto,
Na zona do dinamismo passivo,
Da passividade dinâmica...
A minha nova mística sacralizou a minha velha dinâmica,
E a minha dinâmica vigorizou a minha nova mística...
Hoje sou mais dinâmico do que nunca,
Mas o meu agir é diferente daquele,
Não é ruidoso como o martelar de uma fábrica
Dominada por fumegantes chaminés –
Mas é silencioso como a luz solar,
Como o agir do gigantesco astro,
Assaz, poderoso para lançar pelo espaço
Estupendos sistemas planetários,
E assaz carinhoso para beijar as pétala duma flor
Sem as lesar...
O meu agir é misticamente dinâmico,
E dinamicamente místico.
Um agir pelo não-agir
Um agir pelo Ser
Brota duma dimensão ignota –
Da zero dimensão do Infinito –
Anteontem, a ignorância me fizera ativo,
Ontem, a mística me fizera passivo –
Hoje, a experiência cósmica me faz
Ativamente passivo,
E passivamente ativo...
(A Voz do Silêncio - Huberto Rohden)