Por Huberto Rohden
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A
Filosofia Univérsica, ou Cósmica, é a filosofia segundo o Universo, ou cosmos.
Não trata apenas da amplitude extensiva da Filosofia Universal, mas da profundidade intensiva que caracteriza o próprio Universo. Não toma por ponto
de partida e termo de referência alguma pessoa — Platão, Aristóteles, Tomás de
Aquino, Spinoza, Kant, Descartes, Hegel, Bérgson — nem se guia por uma
determinada escola do pensamento — empirismo, racionalismo, idealismo — mas
reflete a própria índole da Constituição do Universo, isto é, a mais intensa unidade na mais extensa diversidade — o uni-verso em toda a sua genuinidade e integridade.
A filosofia Universica aceita, naturalmente, como
contribuintes, todas as correntes válidas do pensamento humano, mas não navega
em nenhum desses afluentes do grande Amazonas da Filosofia Perene, e sim na
grande síntese do próprio Cosmos.
O Universo Integral — como causa e efeito, como essência e
existência, como alma e corpo, como fonte e canais — é o único modelo válido
para o pensamento e a vida do homem. O homem integral e perfeito é plasmado à
imagem e semelhança dos Cosmos, uno em seu ser, múltiplo em seu agir. O homem
bom é o homem cósmico, o homem mau é o homem acósmico ou anticósmico.
O uno do Universo é o Infinito — o verso (vertido, derramado) são os Finitos. O Uno e único,
diriam os orientais, é Brahman, que se derrama ou pluraliza no múltiplo Maya.
Nem o uno do
Infinito, nem os múltiplos dos
Finitos, quando tomados disjuntivamente, são
o grande Todo do Universo; somente o uno e
osmúltiplos —
a fonte e os canais — quando tomados conjuntivamente, é
que perfazem o Universo em toda a sua genuinidade e integridade, O Infinito da
essência se revela sem cessar nos Finitos das existências. A Transcendência do
Deus do mundo aparece na Imanência dos mundos de Deus. O Universo é
essência-existência, causa-efeito, alma-corpo, ser-agir, infinito-finito,
eterno-temporário, imanifesto-manifesto, absoluto-relativo.
A alma do Deus do mundo se revela nos corpos dos mundos de
Deus.
O homem, esse microcosmo, reflexo do macrocosmo, não pode
atingir diretamente a longínqua transcendência do Uno-Infinito da Divindade —
mas pode atingir a propínqua imanência dos Diversos-Finitos de Deus, que
transparecem em todas as coisas do mundo. Deus é a Divindade em sua imanência
infinita. A Divindade, por assim dizer, se finitiza em Deus. A Divindade “é” —
Deus “existe”. Ninguém pode conhecer a Divindade-ente — só pode conhecer algo do Deus-existente. O grande Além-transcendente ecoa nos pequenos Aquéns-imanentes.
* * *
A
palavra grega kósmos quer
dizer belo (cf.cosmético).
A palavra latina mundus, sinônimo de Universo, quer dizer puro (cujo contrário é imundo).
O Universo é, pois, belo e puro, quando tomado em sua genuína totalidade.
Quanto mais o ánthropos (homem) se assemelha ao kósmos, tanto mais belo e puro é ele. Quando o homem se distancia
do kósmos ou mundus, deixa de ser belo e puro. Deve, pois, o homem cosmificar-se ou mundificar-se para ser integralmente ele mesmo, belo e puro, 100% ánthropospara ser imagem fiel do kósmos — deve ser homem cósmico, homem univérsico.
* * *
Segue-se que o homem profano, não-cosmificado, é feio e impuro. Conhece apenas a parte
efeitual, o corpo, a periferia do Universo, os finitos, os diversos, acessíveis
aos sentidos e ao intelecto.
O homem místico avançou um grande passo; é semi-belo e semi-puro;
refugiou-se ao uno central do Universo, a Deus, à alma, ao Infinito, e nele se
isolou beatificamente. De tanto amor à unidade, odeia todas as diversidades;
fugiu do caos das periferias e caiu na monotonia do centro.
O homem cósmico, depois de mergulhar totalmente no eterno uno do cosmos e nele se consolidar definitivamente pela
experiência “eu e o Infinito somos um”, realiza um movimento reversivo rumo às
periferias, sem deixar o centro; ramifica-se através de todos os diversos do mundo, penetrando da intensa luz central da sua
consciência unitária todas as trevas e penumbras das diversidades periféricas,
tornando transparentes pelo fulgor do seu ser todas as opacidades do seu agir. De dentro do seu silencioso nirvana(1) central domina o homem cósmico todos os ruidosos sansaras periféricos do mundo em derredor.
O homem univérsico vive a causa una em todos os efeitos
múltiplos, faz transbordar a sua experiência mística em vivência ética,
infinitizando todas as finitudes, lucificando todas as trevas, vivificando
todas as mortalidades.
Em virtude dessa sua experiência de centralidade, tem o homem
cósmico o poder de exprimir em forma concreta o grande abstrato da Realidade
Infinita; vê o Transcendente do Infinito como Imanente em todos os Finitos;
enxerga o único além nos múltiplos do Aquém, o Deus dos
mundos nos mundos da Divindade.
Por isto, é o homem univérsico ao mesmo tempo filósofo e artista, porque visualiza o Infinito em todos os Finitos — que é
próprio da vidência filosófica — e sabe revestir de forma finita,
concreta-individual, o sem-forma do Abstrato-Universal — que caracteriza a
vivência artística.
Para ele, a Verdade da Filosofia se revela na Beleza da Poesia, se entendermos por “poesia” a arte em geral. (2)
Quando Mahatma Gandhi disse que “a verdade é dura como
diamante e delicada como a flor de pessegueiro”, teve ele a intuição do
Universo e do Homem como sendo o uno da Verdade (dureza do diamante) revelado como o diverso da Beleza (delicadeza de flor de pessegueiro).
Toda vez que a Verdade culmina em Beleza, o “Verbo se faz
carne”, a filosofia nasce como poesia.
O músico, o escultor, o pintor, o poeta, o ético — são homens
capazes de dar forma concreta à Realidade abstrata. A intuição da Realidade
universal é própria de todos os filósofos — mas a expressão em forma concreta é
peculiar aos artistas. O homem cósmico é necessariamente um filósofo-artista,
um homem integral.
O pintor usa, como meio de expressão da sua inspiração, tinta
e tela.
O escultor serve-se de um bloco de mármore ou granito, ou
modela o seu ideal em massa plasmável.
O músico revela a sua visão abstrata na vibração concreta de
sons aéreos.
O poeta concretiza a substância mental do universo em
roupagens de palavras estéticas.
O místico revela a sua intuição divina em atos de ética (3)
humana, fazendo transbordar a plenitude do “primeiro mandamento” nas torrentes
benéficas do “segundo mandamento”, fazendo o bem aos outros
por ser bom ele mesmo.
Todos eles são homens cósmicos, filósofos-artistas, que
concretizam o Universal da Verdade no Individual da Beleza.
Do consórcio da Verdade e da Beleza, do conhecer e do agir, nasce o Homem Cósmico, o “filho do homem”, em toda a sua
plenitude, “cheio de graça e de verdade”.
* * *
É chegado o tempo para construirmos a filosofia sobre esse
fundamento univérsico, liberta da estreiteza de pessoas e de escolas, filosofia
como reflexo e eco do próprio Universo.
É o que tenho tentado fazer em algumas dezenas de livros — é
o que tento fazer, em síntese, nas páginas deste livro (4).
Os métodos que visa esse ideal são, por vezes, complicados e
laboriosos — mas a meta é simples e gloriosa.
Não perca, pois, o leitor a visão da meta longínqua que
demandamos em face das setas que colocamos nas encruzilhadas da nossa jornada.
Sirva-se destas como de diretrizes seguras à beira da estrada — mas tenha o
bom-senso de abandonar as setas a fim de atingir a meta que elas indicam. Quem
se agarra à seta na encruzilhada falha o sentido dela. O sentido da flecha é
ser abandonada; a sua finalidade é transcendente, e não imanente; não é um
espelho refletor, mas uma janela aberta que dá visão para horizontes além. A
missão da seta ultrapassa o seu corpo presente e se realiza na alma ausente, a
meta, que jaz em região longínqua, para além da ponta da seta indicadora.
Assim são os métodos visando à meta.
* * *
A verdadeira filosofia visa a dar ao homem plena autonomia e autocracia, em todos os setores da vida. Procura isentá-lo de todas asheteronomias e heterocracias, as quais, por algum tempo, são indispensáveis como muletas
provisórias, mas que serão abolidas quando o homem convalescer das fraquezas do
seu pequeno ego telúrico e atingir a saúde do seu grande Eu cósmico.
Esse Eu cósmico não é algum elemento adventício, alheio à
natureza humana, mas é o íntimo quê, o reduto central do homem, o seu genuíno e
autêntico EU SOU. O que o homem conhece, ou julga conhecer, conscientemente — o
seu ego físico-mental-emocional, a sua persona ou máscara — são apenas as
periferias externas da sua natureza; o seu centro interno jaz, ainda
desconhecido ou mal suspeitado, nas profundezas do seu Inconsciente, que é o
Infinito, o Absoluto.
Quando esse Inconsciente do Eu acordar e permear todos os
setores do ego consciente, integrando-os no seu domínio, então nasce o Homem
Cósmico, que está para o Homem Telúrico assim como a planta em plena evolução
está para a semente de que brotou.
O Homem Cósmico é explicitamente o que o Homem Telúrico é implicitamente.
A semente, para dar origem à planta, morre como semente — mas
não morre como vida; e, para que a vida latente possa brotar em vida acordada,
deve a estreiteza da semente ceder à largueza da planta.
Toda iniciação, toda auto-realização, supões algo parecido
com uma destruição, uma morte, uma extinção, um aniquilamento. Quem não está
disposto a morrer espontaneamente não pode viver gloriosamente. Nesse querer-morrer espontâneo está todo o segredo do poder-viverplenamente. Morrer, ou antes, ser morto compulsoriamente —
por um acidente, uma doença ou uma velhice — não resolve o problema; é
necessário que o homem esteja disposto a morrer espontaneamente antes de ser morto compulsoriamente. Só assim se realiza ele plenamente, e para sempre.
É o misterioso “Stirb und werde!” de Goethe.
É o último segredo do Evangelho do Cristo e da Bhagavad Gita
do Oriente. Morrer relativamente — para viver absolutamente!...
Quem puder compreendê-lo compreenda-o!...
CONTINUAÇÃO:
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(1) Nirvana = quietude, Sansara = agitação
(2) Note-se que a palavra grega ”poesis” (em vernáculo poesia) é derivada do verbo “poiéo”, que quer dizer “fazer”, “agir”. Poesia em sua acepção filosófica e etmológica, significa, pois, “feitura”, “feito”, “ação”, correspondendo ao latim “ars”, que vem de “ágere”, agir. Poesia e arte significam, pois, a concretização individual de uma visão universal, isto é, a beleza como manifestação concreta da verdade abstrata, que é poesia da filosofia, ou seja: filosofia da arte.
(3) Não identificamos a ética com a moral.
(4) Este texto foi extraído do livro: Setas Para o infinito (Nota do moderador)