Cada vez mais se acentua a evolução centrípeta da humanidade, em todos os setores: científico, filosófico e religioso. E esta evolução centrípeta tende a culminar na evolução do homem cósmico e crístico.
O homem se sente cada vez mais como um fator auto-agente, e cada vez menos como um simples fato alo-agido. O homem se sente cada vez mais como alguém, e cada vez menos como algo. Cada vez mais como sujeito central, e cada vez menos como um objeto periférico.
O homem de hoje tem nítida consciência do seu caráter de presente ativo e fator auto-determinante, superando o seu passado de fato alo-determinado.
O homem diz cada vez mais com o poeta inglês: “Eu sou o senhor do meu destino — eu sou o comandante da minha vida”.
Há tempo que a elite da humanidade ocidental superou a sua infância heterônoma, entrou na adolescência egônoma, e está despertando para amaturidade autônoma.
Na infância, o homem é alo-determinado pelos pais e por outros fatores alheios ao seu ser.
Na adolescência, o homem tenta ser ego-determinante, pela sua personalidade intelectual.
Com a entrada na maturidade, o homem se torna auto-determinante, sob os auspícios da sua individualidade espiritual.
Da inconsciência da infância, através da semi-consciência da adolescência, sobe o homem às alturas da pleni-consciência da sua adultez definitiva.
Esse processo ascencional é, sobretudo, visível no setor filosófico-religioso.
Durante muitos séculos, o homem espiritualmente infantil estava convencido — ou melhor, persuadido — de que ele era mau em virtude de um fator alheio, negativo, de um tal diabo, satanás ou anticristo. Em grande parte a humanidade de hoje ainda acredita piamente que alguém fez o homem pecador, à sua própria revelia, que ele é essencialmente mau, negativo, pecador; que todo homem nasce e foi concebido em pecado, graças a um fator alheio à sua própria consciência e vontade. Todas as igrejas cristãs do ocidente professam essa ideologia de maldade heterônoma: o homem foi feito mau por alguém, herdou uma maldade inconscientemente. Os próprios discípulos do Cristo perguntaram ao Mestre se o cego de nascença herdara a causa da cegueira de seus ante-passados pecadores ou da sua própria pré-existência pecadora; queriam saber se o cego recebera o mal da cegueira de malfeitores alheios ou do seu próprio malfeitor numa encarnação anterior.
O Nazareno, porém, nega ambas as alternativas sugeridas e passa para uma terceira solução, que até hoje é um enigma para muitos. O certo é que o Cristo nega a alo-maldade para explicar o mal desse sofrimento.
Se houvesse a possibilidade de uma alo-maldade herdade pelo homem, deveria haver também a possibilidade de uma alo-bondade que o homem pudesse receber de um fator alheio; se alguém me fez mau e pecador, é lógico que alguém me possa fazer bom e santo; se um tal Anticristo me pode perder, um Cristo me deve poder salvar. E, como todas as igrejas cristãs aceitaram o primeiro, não podiam deixar de aceitar o segundo: alo-redenção neutralizando alo-perdição.
O Cristo, felizmente, nada sabe de alo-perdição nem de alo-redenção. Para ele, é certo que o homem colherá aquilo que ele mesmo ou a humanidade semearam. Para o maior gênio espiritual da humanidade não há alo-perdição nem alo-redenção, mas tão somente ego-perdição eauto-redenção.
Nisto se revela a mais alta lógica e racionalidade do Cristo — e também a maior apoteose do Livre arbítrio do homem. O Cristo poderia dizer com o poeta-filósofo: O homem é o senhor do seu destino, negativo e positivo; o homem é o comandante da sua vida de pecador e de justo.
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Quando a humanidade medieval, saiu, em parte, da sua longa infância espiritual, caracterizada pela idéia da heteronomia do mal e do bem, de alo-perdição e alo-redenção — o homem da Renascença despertou, parcialmente, para a consciência do seu poder autônomo; compreendeu que ele mesmo, e não alguém fora dele, era o autor da sua maldade e da sua bondade, do seu ser-mau e do seu ser-bom. Mas, como o homem da Renascença, depois de deixar a sua infância medieval, não era ainda um homem plenamente adulto, e sim apenas um adolescente semi-adulto, esse homem descobriu apenas uma parte da sua natureza hominal, descobriu a personalidade do seu ego-mental, mas ainda não aindividualidade do seu Eu-espiritual.
E o homem-ego renascentista apelou para o seu ego-personal para se redimir das suas maldades e dos seus males. Há cerca de quatro séculos que o homem da Renascença nos prometeu que, pelo poder da inteligência do seu ego, ia crear o céu sobre a terra; prometeu, e em parte continua a crer, que a ciência e a técnica, filhas da inteligência, possam abolir as maldades e os males; o ego, segundo ele, tem o poder mágico de fechar cadeias e penitenciárias, hospitais e hospícios, contanto que abra bastantes escolas e laboratórios.
Isto nos foi prometido há séculos, em nome de Sua Majestade a ciência e técnica, filhas da inteligência do homem-ego.
Mas quatro séculos de promessas de céu na terra não cumpriram a sua palavra, e sobretudo a humanidade do século 20, que passou por duas guerras mundiais, e está em vésperas de um possível conflagração mundial, não pode mais crer no poder redentor da civilização e da cultura creadas pelo ego.
O grande erro da Renascença, que está agonizante, foi a confusão entre o fato ego e o fator Eu — ou melhor, foi o deplorável desconhecimento ou menosprezo do Eu espiritual do homem — e essa ignorância ou desprezo continuam até nossos dias.
Hoje em dia, finalmente, a humanidade-elite está começando a compreender, ou talvez a vislumbrar, que o ego é fator perdição, mas não é o fator de redenção. E muitos estão começando a compreender que, para crearmos o homem integral, realmente remido, temos de acrescentar ao negativo do ego o fator positivo do Eu. Em nosso Universo, tudo é bipolar, e nada funciona unipolarmente.
Surge agora o magno problema: como despertar no homem o fator Eu, para fazer com o ego a complementação do homem integral.
O fator ego, quando isolado, é perdição funesta, porque adultera a sua função de servidor e se arroga a função de senhor do homem.
A sabedoria multimilenar da Bhagavad Gita de Krishna diz: “O ego é um péssimo senhor, mas é um ótimo servidor”.
E a sabedoria quase bimilenar do Evangelho do Cristo dá ordem ao ego anticrístico para se pôr na retaguarda do Eu crístico como servidor, e não na vanguarda como senhor: “Só Deus adorarás e só ele servirás”.
O homem integral não é um ego sem Eu, nem um Eu sem ego — mas sim um senhor na vanguarda e um servidor na retaguarda.
No universo físico não há substituição de um pólo pelo outro. E como poderia o Universo metafísico ser diferente? Todo o cosmos sideral e hominal é uma grandiosa síntese de pólos complementares perfeitamente equilibrados e harmoniosos.
O homem integral é o homem cósmico, o homem univérsico, o homem crístico.
A humanidade, através de muitas lutas, está começando a vislumbrar esta integração da natureza humana: a auto-redenção pelo Eu divino compensando a ego-perdição proveniente do ego humano.
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A Filosofia Univérsica quando plenamente conscientizada e integralmente vivenciada, conduz infalivelmente à auto-realização, creando o Homem Integral, o Homem Cósmico, o Homem Univérsico, o Homem Crístico.
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CONTINUAÇÃO
Matérias anteriores:
1 - A ALVORADA DA FILOSOFIA UNIVÉRSICA E DO HOMEM CÓSMICO (1)
2 - UNIDADE NA DIVERSIDADE (2)
3 - A BIPOLARIDADE DO MUNDO E DO HOMEM (3)
4 - O PROBLEMA DA FELICIDADE HUMANA (4)