ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

Para os interessados em Filosofia, Ciência, Religião, Espiritismo e afins, o Acervo Virtual Huberto Rohden & Pietro Ubaldi é um blog sem fins lucrativos que disponibiliza uma excelente coletânea de livros, filmes, palestras em áudios e vídeos para o enriquecimento intelectual e moral dos aprendizes sinceros. Todos disponíveis para downloads gratuitos. Cursos, por exemplo, dos professores Huberto Rohden e Pietro Ubaldi estão transcritos para uma melhor absorção de suas exposições filosóficas pois, para todo estudante de boa vontade, são fontes vivas para o esclarecimento e aprofundamento integral. Oásis seguro para uma compreensão universal e imparcial! Não deixe de conhecer, ler, escutar, curtir, e compartilhar conosco suas observações. Bom Estudo!

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sábado, 2 de maio de 2020

Meu Encontro com Alu

Comentário(s)



– Bom dia, sr. gigante...

Partia esta vozinha sutil do fundo duma pequena poça d’água, num dos ângulos do meu jardim. Corri os olhos em derredor, e não consegui descobrir o autor da inesperada saudação.

– Bom dia, sr. gigante de ontem – repetiu a mesma vozinha misteriosa.
– Quem é que fala? – perguntei, cada vez mais curioso.
– Sou eu.
– Quem é esse eu?
– Eu, Alu.
– Alu? Alu?... quem é Alu?...
– Sou um protozoário, um ser unicelular, uma ameba como dizem vossos livros.
– Uma ameba?... Mas, por favor, onde está você?
– Aqui, no limo deste mar, entre dois rochedos verdes.

Tirei um pouco do limo esverdeado da poça e coloquei-o sobre uma pedra.

– Por favor, sr. gigante, não me deixe secar ao sol! senão morro! – gritou o serzinho invisível.
– Diga-me, por obséquio, Alu, onde está você – insisti.
– Que faz você com esse par de olhos enormes? – perguntou, algo irritada, a ameba. – Eu não tenho olhos e vejo você, e você com esses olhos colossais, não me enxerga?

Depois de muito esquadrinhar, descobri, no meio do limo, uma gotinha gelatinosa, menor que a cabecinha dum alfinete de cor esbranquiçada, cinzenta.

– Bom dia, Alu! – exclamei, desembaraçando o minúsculo unicelular do meio dumas folhas podres e examinando-o mais atentamente com o auxílio duma lente que fui buscar. – Desde quando vive você aqui no meu jardim?

– Há uns 700.000.000 de anos – respondeu com fleuma a gotinha de
protoplasma.
– Como? há uns 700.000.000 de anos?
– Mais ou menos. Naquele tempo era mais difícil calcular os anos, porque o sol não aparecia ainda tão visível como hoje. A atmosfera era toda ela um mar de nuvens que mal deixava coar uns raios solares.
– Mas afinal de contas, que é que você chama “ano”?
– O mesmo que vocês, homens, o tempo de uma a outra primavera.
– E você quer fazer-me crer que já vive um 700.000.000 de anos?
– Talvez mais. Possivelmente 1.000.000.000 de anos, como vocês dizem.
– E você não falou agora mesmo em morrer? tem medo de um pouco de sol, e afirma que já existe há milhões de anos?
– Compreenda-me, sr. gigante de ontem. Nós, os protozoários, só morremos quando nos matam, mas não morremos por nós mesmos. Somos imortais por natureza.
– Você está doido, Alu! um ser primitivo como você seria imortal, quando até o homem, rei da Natureza, está sujeito à morte?...
– Nós somos imortais, sr. gigante. Você, rei da Natureza, devia saber isto. Ameba não morre de morte natural. Eu, quando quero um filho, parto-me ao meio e somos dois – e cada um completa o seu corpo comendo e continua a viver e a criar filhos. Nada se perde. Nada morre. Assim é que nós somos imortais, meu gigante de ontem.

Por que me chama “gigante de ontem”, Alu?

– Porque o homem surgiu à face da terra apenas ontem, quando nós já estávamos aqui havia centenas de milhões de anos. Tínhamos preparado tudo, quando a terra começou a ser habitada por gigantes diversos, e, como último de todos, apareceu a raça dos homens. Você, naturalmente, ignora tudo isto...

De repente, o corpo de Alu, que a princípio era esférico, mudou de forma. Alongou-se, projetando numa direção de como filamento gelatinoso, e todo o resto do corpo unicelular foi seguindo.

– Que há? que está fazendo? – perguntei.
– Psiu! um infusório! – respondeu Alu – um infusório gorduchinho! que rico petisco!

Eu não via nada do tal infusório. Via apenas que a ameba se recurvava em torno de alguma presa, assumindo forma de ferradura. E logo depois voltou ao estado primitivo.

– Apanhou? – indaguei.
– Apanhei, sim. Eu sempre apanho tudo que quero. Engoli-o todinho.
– Engoliu? mas você tem boca?
– Boca? para quê? Nós costumamos comer e engolir tudo sem boca.
– Mas, como?
– Envolvemos a presa com todo o corpo, incorporando-a ao nosso ser. E está comida e digerida.
– Digerida? e você tem estômago?
– Qual, estômago! não precisamos desse luxo. Digerimos com todo o corpo.
– E como foi que você viu o infusório? se não tem olhos?...
– Vi-o com todo o corpo. Vocês, homens, são uns seres tão atrasados que precisam de milhões de células para tudo que fazem – quantas células tem você em seu corpo gigantesco?
– A ciência fala em uns 15.000.000.000.
– Pois eu faço com uma única célula o que você faz com 15.000.000.000. Vocês, milionários celulares, não são mais felizes do que nós, pobres unicelulares. Resolvemos perfeitamente os problemas da vida com esta única célula – e não sucumbimos à morte como vocês, gigantes de ontem.
– Os problemas da vida, Alu? É que vocês não têm problemas a resolver, nessa
sua estupenda simplicidade...
– Que é que vocês têm a mais?
– Inteligência, vontade, ciência, amor, arte, religião, cultura – para resolver esse mundo de problemas precisamos dum organismo mais complicado, e até duma coisa que não é célula...

O protozoário fez um gesto de pouco caso, mas, em vez de responder, como eu esperava, quedou-se, imóvel, por uns momentos. Inchou, alongou-se ligeiramente, contraiu-se de novo e, com espanto meu – partiu-se ao meio...
– Que é isto, Alu? – exclamei – Está doente? vai morrer?
– Não – respondeu calmamente a ameba – Criei um filho. Ei-lo aqui.

Diante dos meus olhos nadavam duas amebas perfeitas, de tamanho normal, cada uma com seu competente núcleo central rodeado de albume e envolto em delicadíssima película.

– É assim que vocês se reproduzem?
– Assim mesmo.
– Mas... desculpe a indiscrição... você é macho ou fêmea? pai ou mãe desse filhinho?

Sorrindo com sobranceira e desdém a gotinha viva disse:

– Nós, os protozoários unicelulares, senhores do universo há centenas de milhões de anos, não precisamos dessas complicações sexuais que vocês inventaram para sua desgraça, como ouvi dizer. Quando queremos um filho, comemos um bom petisco para criar forças, e dividimos em duas a nossa única célula, metade para cada um – e somos dois. Cada um torna a dividir-se – e somos quatro, e assim por diante.

– Quantos filhos tem você, Alu?
– Não sei. Ninguém o sabe. Muitos milhões. De um a outro sol, eu faço dezenas de filhos. Depende do ambiente e também dos infusórios ou outros bocados que apanho para criar forças.

Pus-me a contemplar com crescente interesse aquele gruminho de protoplasma, no meio do qual nadava um pontinho cinzento, o núcleo, como dizem os livros. Esse centro é para a célula o que uma próspera capital é para um país. Procurei recordar o que ouvira nas aulas de história natural e lera nos livros: protoplasma é proteína. Mas proteína, que é, afinal de contas? Um mistério. Um complexo de enigmas... E, coisa estranha, não há vida orgânica onde não existe proteína. Será que a vida reside na proteína? Decorei esta fórmula química: proteína é composta de MgN 4 C 32 H 30 O CO 2 CH 3 CO 2 C 20 H 39 – quer dizer que esta misteriosa substância é sumamente complexa, composta de tantas partes de magnésio (Mg), de azoto (N), de carbono (C), de oxigênio (O) e de hidrogênio (H). Outra fórmula diz: C 72 H 112 N 18 SO 22 ; entra nesta fórmula, como se vê, um novo elemento, o enxofre (S), e é eliminado o magnésio. O que parece essencial e indispensável é a presença de carbono, azoto, hidrogênio e oxigênio. Sem estes elementos básicos não há vida orgânica. São eles, parece, que constituem o palácio em que reside essa princesa encantada, sempre misteriosa, sempre invisível, mas sempre realmente presente. Não faltou quem identificasse a princesa Vida com esse seu palácio albuminoso. A ciência humana, tão orgulhosa das suas conquistas, tem de arriar bandeira ante essa gotinha de clara de ovo, que desafia toda a nossa sapiência. Não sabemos o que seja a Vida – sabê-lo-emos um dia?

– Os homens – disse Alu, interrompendo as minhas divagações científicas – são muito inteligentes...
– É verdade – confirmei, ufano.
– Mas, de nós não sabem quase nada. E o pouco que sabem está mal expresso.

Dizem que o nosso corpo unicelular consta de proteína, mas nunca ninguém disse o que é proteína. Usam umas palavras bonitas, mas não sabem o que elas significam. Dos nossos sentimentos então não sabem mesmo nada, nada... 

Neste teor continuou Alu a falar largo tempo. Senti-me quase humilhado com o que a ameba dizia, porque via que ela tinha razão. Por fim, perguntei à minúscula bolinha vítrea por que é que eles, os unicelulares, não haviam acompanhado a evolução do mundo orgânico, nesses milhões de anos; pois ostentavam ainda hoje a mesma simplicidade primitiva que tinham no princípio. Perguntei por que não tinham solucionado, como os outros seres vivos, o problema da vida pela divisão do trabalho, criando órgãos próprios para cada função: olhos para ver, ouvidos para ouvir, boca para comer, mãos para apreender, pernas, asas, barbatanas para se locomover, estômago para digerir, órgãos para a reprodução, etc. A ameba escutou pacientemente a minha erudita dissertação e, quando terminei, respondeu-me com ares de mistério:

– Nós não evolvemos, porque obedecemos à vontade da grande Inteligência...
– Que Inteligência?
– A grande Inteligência que dirige os destinos da nossa vida. Milhares de irmãos nossos, a princípio unicelulares, evolvem e são hoje multicelulares, cidades de células – organismos, como dizem os homens – insetos, peixes, répteis, aves, mamíferos. As nossas células, quando se dividem, separam-se e formam seres independentes e autônomos. As células deles, porém, dividem-se e ficam juntas, formando uma sociedade celular, um Estado, uma República de células, onde a cada cidadão é designada determinada função em benefício do todo. Assim, pode cada célula, ou complexo de células, especializar-se na sua função peculiar, e nisto está o segredo da evolução e do aperfeiçoamento dos organismos superiores.

– E por que vocês, unicelulares, não acompanharam esse processo de especialização dos órgãos e das funções?
– Para que nossos irmãos pudessem viver e progredir. Trabalhamos para o todo. É ordem da grande Inteligência...
– Não compreendo, Alu,
– Pois não sabe você, homem sapiente, que não haveria evolução se não houvesse unicelulares como nós? Nós somos a base, o pedestal de todo o progresso no mundo orgânico.
– Explique-se, Alu.
– Nenhum organismo vegetal ou animal pode viver nem evolver sem o nosso concurso. Os unicelulares ajudam a preparar os alimentos para seus irmãos mais perfeitos. Mais tarde lhe explicarei isto, meu gigante de ontem, o papel que os seres mínimos desempenham no plano do universo. Você verá que nós, os protozoários unicelulares, somos os seres mais necessários ao mundo. Ai da flora, ai da fauna, se nós não existíssemos, com esta nossa feliz simplicidade! o mundo seria um deserto...

Vi que Alu estava cansado e por isso o deixei a sós por esse dia, prometendo voltar em outra ocasião, para ouvir a sua interessante filosofia.¹


Por Huberto Rohden

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¹ Livro: Por Mundos Ignotos (Uma Viagem Fantasticamente Real Pelos Mistérios da Natureza). Cap. Meu Encontro com Alu


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