Cessou a ofensiva de longos decênios...
Expirou o dia trabalhoso da vida terrestre. Juncam a terra dormente cadáveres de folhas outonais...
Morreu no poente a derradeira retaguarda da luz — derrotada pela vanguarda da noite...
Para além se alonga, a perder de vista, a amplitude do mar...
Alva barquinha de velas pandas sulca a taciturna planície...
Rumo aos litorais do além envoltos em sombras pressagas...
Qual cisne veloz desliza a nave gentil — ao sopro das auras de Deus...
E eis que a meu lado assoma a figura do Mestre — meu grande amigo...
Visível, o invisível confidente das noites da vida...
Das longas agonias...das grandes solidões...
Das mágoas sem nome...dos mistérios anônimos...
Calmo, sereno, como a argêntea placidez do luar, é seu vulto heril...
Senta-se a meu lado o Mestre querido, empunhando o leme da nau...
E uma onda de luz e de vida envolve minha alma gelada...
— Aonde vamos, Mestre? — perguntei.
— Vamos para casa, meu filho — disse ele, com ligeiro suspiro. — Terminou o teu dia...
Tangem sinos ao longe... Preludiam as festas das almas...
Escutei... escutei... Era tão grande o silêncio...
Tão profunda a quietude da noite estrelada que adivinhei o tanger de sinos celestes...
Ao longe... muito ao longe — nos litorais do Infinito...
— Mestre — perguntei — vamos para casa mesmo?...
— Sim, para casa, meu filho... terminaste a carreira... Combateste o bom combate... Guardaste a fé... Vamos para casa...
— E até agora, onde estava eu?...
— No exílio, muitos anos. Vês esse pequenino planeta no espaço? Lá estavas tu...
Olhei e divisei um ponto de luz. E, fitando os olhos do Mestre, eu disse:
— Amigo divino! Infinitas graças te dou pelo que deste e pelo que és...
Perdão pelo mal que te fiz na pessoa dos homens!...
Afoga a minha miséria no mar da tua misericórdia... Absorve este arroio de águas turvas na imensa limpidez do teu oceano... Consome nos incêndios do teu amor a poeira da minha vaidade...
Ressuscita com as potências do teu espírito o lázaro de minh’alma...
Lava com as torrentes purpúreas do teu Gólgota as nódoas da minha Sodoma...
E disse o Mestre: “Vem, bendito de meu Pai... possui o reino”...
Calei-me... em êxtase...
E tangiam sinos...
Em praias longínquas...
Huberto Rohden , do livro: “De Alma para Alma”