Todos os
organismos, seja no plano físico ou no espiritual, isto é, tanto o nosso corpo
como a nossa alma, têm um ponto de menor resistência ( locus minoris
resistentiae ). Ora, parece que a natureza escolhe justamente este ponto de
maior fraqueza, de maior vulnerabilidade, para convergir sobre ele os seus mais
veementes golpes. Este ponto, de preferência, ela fere nas doenças físicas como
nas imperfeições morais.
A natureza não
gosta de pontos fracos, lança-se contra eles, seja para provar-lhes a
resistência, e, se esta é pouca, abrir-lhes prontamente uma brecha e resolver o
caso, matando o indivíduo, seja para estimular as suas reações e com isso
impulsioná-lo a se reforçar, a reativar as suas defesas, e ensinar-lhe a
salvação, obrigando-o a vencer, a aprender a ser forte, para sempre saber
vencer. A resposta depende do indivíduo, e será vida ou morte, libertação ou
dor. Assim, cada pena é uma doença e cada doença uma prova. Em cada caso a dor
tem um significado, um escopo útil, e nos atinge para o nosso bem. É uma
tentativa salutar de correção de algum erro, para restabelecer o equilíbrio, a
ordem divina das coisas, na qual só existe felicidade. A natureza, ao
infligir-nos as provas, parece desapiedada. Mas com elas se completa a grande
escola da vida, na qual se aprende, cada um por si mesmo, a corrigir os
impulsos mal dirigidos do próprio destino. De fato, somos nós mesmos que,
nascendo com uma dada constituição física e moral, trazemos já em nós,
definidos e localizados, os pontos de menor resistência, a nossa força ou a
nossa fraqueza, já implicitamente assinalando a nossa vitória ou a nossa
condenação. O ambiente prova indistintamente todas as pessoas: a nossa resposta
é que é diversa, as causas da dor estão em nós. A natureza é imparcial, é
justa. Se fosse piedosa, não seria justa e trairia a maior finalidade da vida,
que é o evolver, que nos faz progredir e aperfeiçoar.
Por que nascemos
de maneiras tão diversas, com tão diferentes bagagens de forças e de fraquezas,
de direitos e deveres? A cada um cabe justificar a sua prova e a sua dor, tão
grave e diversa. Esse é um problema que deverá ser resolvido pelos que crêem na
criação dos espíritos do nada, todos iguais ao nascimento. Para que a dor seja
justa, cumpre sejamos responsáveis pelas causas que a atraem, por havermos
provocado. Urge, como precedente, uma causa livre e nossa, para que haja
justiça, quando nos fere um efeito doloroso e inexoravelmente nosso. As teorias
vagas, que nada esclarece neste terreno, são muito boas para as dores alheias,
mas não servem para compreendermos, resolvermos, guiarmos e suportarmos as
nossas. Sem aquele precedente livre e nosso, não nos resta mais do que a
horrível idéia de um Criador injusto ou inconsciente, ou a idéia atéia do caos.
Se para sairmos bem, devemos renunciar de uma vez a compreender, não nos resta
mais do que completar o nosso suicídio espiritual.
A natureza, que
parece desapiedada, é justa e benigna. No fundo, a negação aparente da dor é
uma afirmação; aquelas investidas contra a vida são a favor da vida. Quem
observar o próprio destino, verá que as suas forças não golpeiam ao acaso, mas
tendem a seguir particulares direções e a conservá-las; preferem alguns pontos,
diversos para os vários indivíduos, mas quase sempre bem definidos e constantes
para cada um em particular. Como cada destino, a dor, para cada pessoa, tem um
caráter dominante, um sentido que persiste do nascimento até a morte, e a cada
destino corresponde determinada forma de dor. Quem pode negar, a
"priori", que todas essas forças, que tão profundamente atuam em
nossa vida, não tenham uma natureza inteligente? Às vezes elas se apresentam
tão precisamente dosadas e dirigidas, que fazem pensar num mestre traçando as
disciplinas de um curso e as classes de uma escola. Freqüentemente, a quem olhe
em profundidade, aparece esta ordem maior, que controla a aparente desordem do
particular. A natureza, ou seja, a inteligência das leis da criação, ou
pensamento-verdade de Deus, não nos prodigaliza gratuitamente as qualidades e
as aptidões, mas nos impõe a sua conquista através do esforço, obrigando-nos a
aprender com a experiência, quando não as determina por meio de reações,
obrigando a aflorar aquilo que já estava latente em nosso espírito.
(Pietro Ubaldi –
Trechos do livro “História de um Homem”)
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