Meu caro amigo. Recebi tuas felicitações - muito
obrigado.
Atingi o "vértice da pirâmide" –
dizes.
Enchi de mil conhecimentos o espírito - é verdade.
Cinge-me a fronte o laurel de doutor - sou
acadêmico.
Entretanto - não me iludo...
Quase todo o humano saber - é crer...
Nossa ciência - é fé.
Creio nos testemunhos dos historiadores - porque
não presenciei o que referem.
Creio na palavra dos químicos e físicos - porque
admito que não se tenham enganado nem me queiram enganar.
Creio na autoridade dos matemáticos e astrônomos -
porque não sei medir uma só das distâncias e trajetórias siderais.
Tenho de crer em quase todas as teses e hipóteses
da ciência - porque ultrapassam os horizontes da minha capacidade de
compreensão.
Creio até nas coisas mais cotidianas - na matéria e
na força que me circundam...
Creio em moléculas e átomos, em elétrons e prótons
- que nunca vi...
Creio nas emanações do rádium e nas partículas do
hélium - enigmas ultramicroscópicos.
Creio no magnetismo e na eletricidade - esses
mistérios de cada dia.
Creio na gravitação dos corpos sidéreos - cuja
natureza ignoro.
Creio no princípio vital da planta e do animal -
que ninguém sabe definir.
Creio na própria alma - esse mistério dentro do Eu.
Não te admires, meu amigo, de que eu, formado em ciências
naturais, creia piamente em tudo isto...
Admira-te antes de que haja quem afirme só admitir
o que compreende - depois de tantos atos de fé quotidiana.
O que me espanta é que homens que vivem de atos de
crença descreiam de Deus - "por motivos científicos".
Homem! tu, que não compreendes o artefato -
pretendes compreender o Artífice?
Que Deus seria esse que em tua inteligência
coubesse?
Um mar que coubesse numa concha de molusco - ainda
seria mar?
Um universo encerrado num dedal - que nome mereceria?
O Infinito circunscrito pelo finito - seria
Infinito?
Convence-te, ó homem, desta verdade: só há duas
categorias de seres que estão dispensados de crer: - os da meia-noite - e os do
meio-dia...
As trevas noturnas do irracional - e a luz
meridiana da Divindade...
O insciente - e o onisciente...
Aquele por incapacidade absoluta - este por
absoluta perfeição...
O que oscila entre a treva total do insciente e a
luz integral do onisciente - deve crer...
Deve crer, porque a fé se move nesse mundo crepuscular,
equidistante do vácuo e da plenitude, da meia-noite e do meio-dia...
Huberto Rohden, do Livro: De Alma Para Alma