“Que é isto, artista desastrado?...Compensas com
escuros todos os meus claros?... Por que invertes a ordem natural?...” Assim
falava a chapa fotográfica, no fundo do banho de sais...
O fotógrafo, porém, sorrindo, permaneceu
calado... E, agitando o recipiente esmaltado, banhava em silêncio o negativo...
E à medida que os claros suplantavam os escuros, e os escuros os claros,
crescia a revolta do negativo...
“Protesto, artista às avessas!... Está tudo errado,
erradíssimo!... Não vês que o rosto da jovem, tão alvo, sai preto? Não vês que
seus olhos escuros saem brancos como giz?... Retrato, isto?... Horripilante
caricatura!”...
E o artista, sempre calado, agitava, sorrindo, a
solução reveladora... E tirando, ao clarão de luzes vermelhas, a película,
submergiu-a no banho fixador...
“É o cúmulo! - bradou o negativo, no auge do furor
e, por um triz, quase se parte ao meio – protesto!”...
E o artista, sempre sereno e calmo, sorria...
Passado algum tempo, tirou do fixador a película de cores invertidas.
E ela, impotente, chorava de raiva, gotejando
lágrimas a flux – até lhe secarem os olhos...
E o artista, sempre calado, colocou por debaixo da
chapa uma folha de brometo de prata – e a expôs à luz uns instantes... Eis que
na folha sensível aparece lindíssima imagem – o positivo!... Semblante juvenil,
risonho, perfeito – retrato fiel de formosa jovem...
Calou-se então o negativo e, confuso, sumiu-se num
canto – para sempre...
Não estranhes, minh'alma, essa mescla de sombras e
luzes, na vida terrestre!
Não estranhes esse jogo de claros e escuros – esta
vida que vives é tempo de processo negativo – de ordem inversa...
Caricatura te parece o que retrato devera ser...
Injustiça, desordem, contra-senso, paradoxo...
Premia-se o mal – e castiga-se o bem...
Sofre o inocente – e exulta o culpado...
Tolera, ó homem, esse mundo absurdo e paradoxal –
nesta vida negativa...
Um dia será reinvertido o que está invertido –
nesta vida negativa...
As luzes serão luzes – e as sombras serão
sombras...
Dia de justiça e de retíssima ordem das coisas...
Cala-te, assim como se cala o divino Artista – ante
os protestos da tua ignorância!
Espera a revelação final do teu ser!...
Deixa o divino Artista agir...
Ele, que é poderoso, sapiente e bom...
Há de revelar, à luz do seu reino,
Tudo que na vida presente
Fotografaste na alma...
Huberto Rohden