Por Eronildo [1]
O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume. Antonio Gramsci
RESUMO:
Esta é uma análise crítica
ao modelo de Escola proposto por Antônio Gramsci, em seu livro: Os Intelectuais e a Organização da Cultura.
Serão tratados os principais conceitos do pensador italiano, tais como
Hegemonia, Sociedade Política e Sociedade Civil, Intelectuais Orgânicos, e a superação
do Capitalismo por meio da “Escola Unitária”.
Palavras-chave: Marxismo - Cristianismo -
Cultura Ocidental – Escola Unitária
ABSTRACT:
This is a critical
analysis to the model of School proposed by Antonio Gramsci, in his book: The Intellectuals and the Organization of
Culture. Will be threatened the main concepts of the Italian thinker, such
as Hegemony, Political Society and Civil Society, Organic Intellectuals, and
the overcoming of Capitalism through the “Unity School”.
Key-words: Marxism - Christianity - Western
Culture – Unity School
THE FUNCTION OF EDUCATION IN GRAMSCI’S THOUGHT
Introdução
Mergulhar nos
pensamentos de Antônio Gramsci, sobretudo nos da área da educação, e em meio a uma
análise crítica coaduná-los com as apreciações de alguns dos autores do livro: Gramsci
– A vitalidade de um pensamento, é um desafio e tanto. Entre Gramsci e as
apreciações dos pesquisadores, há mais que simples explicações. Há uma
identificação. Um espírito de luta revolucionária em movimento que não se
arrefeceu com a derrocada do Comunismo Histórico.
Para os menos
familiarizados com o pensador italiano, considerado por muitos a maior
referência do pensamento marxista do século XX, esta dissertação poderá causar
surpresa, ou mesmo apreensão. Para os mais afeiçoados com a obra de Gramsci, as
surpresas se justificarão por conta do método aplicado, de trazer à tona, sem
máscara, a essência de seu pensamento, sem aquele revestimento de paixão que
finda subsumindo criador e criatura. No mais, a proposta de Gramsci falará por
si mesma.
Mas antes de
uma abordagem mais aprofundada do modelo de Escola, seu objetivo, o tipo de
Educação propostos por Antônio Gramsci, seria interessante uma descrição dos
fatos históricos em que o pensador italiano estava inserido. Afinal de contas é
preciso considerar [sem concordar plenamente] que “as idéias não nascem de
outras idéias, que as filosofias não são criadoras de outras filosofias, mas
que elas são expressões sempre renovadas do desenvolvimento histórico real”
(GRAMSCI, 1977, p.1134) Isso facilitará, de modo significativo, a compreensão de
todo o artigo; além de dar ao texto àquela fluidez apreciada por muitos e sinceramente
ensejada por este articulista.
O Comunismo e a crise
Nascido na
Sardenha, Itália, em 1891, Gramsci deixou sua terra natal em 1911. Em 1915,
como dirigente do jornal da seção socialista de Turim optou politicamente pela
oposição de seu país à guerra. Sua decisão se deu por alinhamento ideológico àqueles
que contavam ou lutavam pelo fim do Capitalismo. Desde 1905, a tentativa de
derrubada de governos ditos burgueses pelos comunistas no mundo tinha se iniciado.
Nas cidades de Tullinn, Tartu (Estônia) e Moscou, uma forte repressão policial
do Czar Nicolau II pôs fim aquelas que seriam os embriões da revolução
Bolchevique bem sucedida de 1917 na Rússia. “Após a política de russificação
conduzida pelo regime czarista desde os anos 1880, a revolução de 1905 e
a brutalidade da repressão, aumentou o descontentamento das minorias nacionais
do império.” (LAAR, 2006, p. 232).
A bem da
verdade, corrija-se, desde a publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels
(1848), várias tentativas sem sucesso de tomada e permanência no poder pelos
marxistas se sucederam no Ocidente e no Oriente. Numa ordem cronológica dos fatos poder-se-ia
destacar: A revolução de Dresdem, Alemanha, no ano do Manifesto, e os surtos
revolucionários que se estenderam pela França, Itália, Alemanha, Áustria e
Hungria na “primavera dos povos” (atingindo inclusive brasileiros, como os
líderes da insurreição praieira de Pernambuco). O atentado de 1878 (acarretando
a lei anti-socialista promulgada por Bismarck). A revolução russa (Estigmatizada
no trágico Domingo sangrento, em frente ao Palácio de Inverno, em Moscou) de 1905. A luta pela
independência da Estônia, no mesmo ano (sob a influência de marxistas asilados naquela
província), suprimida violentamente pelo governo imperial de Nicolau II. A de Portugal
(1910), com a derrubada da monarquia (dos Nobres de Bragança). Novamente na
Alemanha, a revolta Espartaquista de Berlim, com Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht (Spartacus), entre 1918 e 1919. Ainda na Alemanha, O Governo do Soviete de
Munique (1919). Na Hungria, a breve experiência da República Soviética de Bela
Kún e Georg Lukács (1919). Na Itália, a revolta sindical (1919). Em 1923, após
liderar uma tentativa de tomada de poder pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores
da Alemanha, Hitler é preso depois de uma forte reação do Governo da Bavária.
Dezesseis militantes da Tropa de Assalto (SA) são mortos.
Em Turim (1917),
Gramsci participou ativamente na luta armada dos trabalhadores italianos, se
destacando na insurgência dos operários. Derrotados, com o sinistro de 500
mortos e mais de dois mil feridos após a insurreição, Gramsci assume como
Secretário da Seção Regional do Partido Socialista a função de reorganizar o
movimento.
Muitas outras
tentativas de tomada de poder pelos comunistas se darão em todo o mundo no transcorrer
do século XX. É nesse clima de ações e reações
armadas nas várias insurreições de 1848 a 1923, na Europa, América e Ásia, que se
abriu uma crise teórica entre Marxistas Clássicos e Marxistas Ocidentais[2]:
Por que a revolução não deu certo no
núcleo original do ocidente? Ou ainda, por que a realidade não seguiu a teoria?
A questão
teórico-política fulcral de Gramsci é precisamente a do porquê da derrota da
revolução socialista internacional no núcleo original do Ocidente e, por
conseguinte, a busca de hipóteses para a
reversão da situação. (DEL ROIO, 1997. p. 109, grifo meu)
Com este
artigo pretendo demonstrar, pela análise da Educação na óptica de Antônio
Gramsci, as implicações do Cristianismo como maior obstáculo às pretensões revolucionárias
dos socialistas, realçando-o como um dos pilares mais influentes na sustentação
e formação cultural do cidadão ocidental; sobretudo, esclarecer qual a função da
Escola na construção do indivíduo “autogovernante”, sua localização, e como a Educação poderia ser utilizada como hipótese
real para reverter a situação de derrota comunista no Ocidente. Estas e outras questões serão respondidas no tocante
desta dissertação.
Alguns Conceitos Básicos de Gramsci
Para uma
melhor compreensão do que Gramsci propôs para Educação é preciso avaliar suas
reflexões sobre os aparelhos ideológicas do e de Estado. Gramsci fugiu do
idealismo de Hegel e do Economicismo mecanicista de Marx que apontavam a resposta
do fato social para uma visão mono-causal. Homem cultural, ou Homem econômico? “As idéias vem antes dos fatos!”, “os fatos vêm antes das idéias!”. As
duas exclamações refletem bem a antinomia entre Positivistas e Marxistas no
final do século XIX. O mais importante para Gramsci não era nem a coerção da
cultura nem a coerção do mercado, mas a construção de uma ordem social cada vez
mais contratual, hegemônica, menos coercitiva, e desagregadora da Cultura Ocidental (Cristã), a grande
responsável pela bancarrota da revolução socialista.
Simplificando.
Segundo ele, a “alienação” do cidadão se dá por uma rede de conexões
interligadas que perpassam o indivíduo. Estas conexões são advindas de uma
Superestrutura do Bloco Histórico Hegemônico, formada por aparelhos liderados
por Intelectuais Tradicionais, tanto
na Sociedade Política quanto na Sociedade Civil; findando numa ampliação do Estado; desfechado por uma
hegemonia. Dito de outra maneira, Superestrutura do Bloco histórico é o conjunto formado pela Sociedade Política que agrupa as
esferas do Estado (Governo, Setores administrativos, Empresas públicas, etc) e
a Sociedade Civil — sua maior abrangência
—, constituída pelo amalgama de organismos ditos privados (Empresas
particulares, Igrejas, Sindicatos, Ordens Religiosas, Família, etc.) que contribuem
dialeticamente na formação do senso comum, do folclore, das crenças; fatores determinantes
para manutenção da hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade. Tudo
isso determinando a concepção de mundo das classes dirigentes. Ela, a
Superestrutura do Bloco histórico hegemônico, abrange toda a ideologia. É um
pensamento vivo, “o imperativo categórico” que sustém e mantém o Capitalismo
num processo hegemônico. Para uma mudança cultural, uma “reversão [total] da situação”,
seria necessário um combate efetivo pela “ocupação
de espaços”, por uma penetração de elementos individuais em todos os organismos
de e do Estado, por meio de uma “guerra
de posição” constante em que a escola tem um papel primordial. O Cristianismo
(através de suas Igrejas e escolas) como principal alvo não ficaria de fora desse
empreendimento:
O
decisivo, porém, é a desagregação de todo o bloco intelectual que dá
consistência ao bloco histórico,
encabeçado pelos grandes intelectuais meridionais de cultura abstrata
universalista [clérigos, Pastores, Espíritas, pensadores racionalistas]. Então,
aos
intelectuais orgânicos desse bloco histórico (filósofos idealistas e
cientistas técnicos positivistas,
ligados à indústria), que em meio à revolução passiva subsumiram os intelectuais tradicionais (PADRES, professores, médicos), deveria se antagonizar uma nova
intelectualidade revolucionária, organicamente atada às classes subalternas. (DEL ROIO, 1997. p. 115, grifos, colchetes,
caixa alta, e itálico, meus).
O Pensamento
de Gramsci é determinante. Sem subterfúgios, desagregar todo o bloco
intelectual que dá consistência ao bloco histórico. Para isso, uma massa de
intelectuais revolucionários — atada às classes subalternas ligadas a indústria
— terá de ser criada para uma substituição, gradual, dos intelectuais
tradicionais e influentes.
Cristianismo e o Ocidente
Se
levado em conta a influência que o Cristianismo teve e tem, sem a qual não teria
sido possível à consolidação da cultura ocidental, tal qual a percebemos hoje,
haveria uma necessidade de “introdução de elementos” da sociedade civil através
da “guerra de posição”. Guerra que visa sempre e constantemente a “ocupação de
espaços” na sua totalidade, numa introdução “virótica” nos organismos sociais
tradicionais e na célula familiar para o controle da ordem social.
Para o
autor dos Cadernos, como vimos, a própria construção do comunismo é algo que
ocorre de modo progressivo, graças recordemos as suas palavras – à “introdução de elementos cada vez mais
numerosos de sociedade civil”. Assim como Freud dizia que, no lugar do
“inconsciente”, devemos nos empenhar para colocar o “ego”, Gramsci parece
dizer: no lugar da coerção, quer ela provenha do Estado ou do mercado, do
“poder” ou do “dinheiro”, devemos pôr
cada vez mais esferas de consenso, de controle intersubjetivo das interações
sociais, ou seja, devemos ir assim construindo uma ordem social cada vez mais
contratual e menos coercitiva. (COUTINHO, 1997. p. 35-6, negrito meu)
Oportuno
ressaltar as alianças com a Igreja feitas pelo Estado, desde a antiguidade, em
seu exercício na educação dos povos do Ocidente por meio da mensagem cristã e o
acervo cultural duramente conservado por Monges copistas, guardado e salvo até
nossos dias pela “mãe da civilização”. Tudo isso serviu de amalgama na formação moral e intelectual dos cidadãos ocidentais, sobretudo por setores educacionais
influentes construídos pela Igreja Católica ao longo dos séculos. Seu enraizamento é multissecular. Paulo de
Tarso, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, constituir-se-iam, pode-se dizer,
as três referências responsáveis por esse condicionamento contra-producente de cidadãos pacatos à causa comunista, improfícuos
ao tempo de Gramsci e hodiernamente (Nos países de cultura ocidental). “O pacifista que age segundo o Evangelho [de
Jesus] recusará pegar em armas ou então as jogará fora, como era recomendado
na Alemanha (WEBER. M. O trabalho
intelectual como profissão)
A
colaboração entre estes organismos [da sociedade civil] e as universidades
deveria ser muito estreita, bem como sua colaboração com todas as escolas
superiores especializadas de qualquer
tipo (militares, navais etc.). A
finalidade consiste em obter uma centralização e um impulso da cultura nacional
que fossem superiores aos da Igreja Católica. (GRAMSCI, 1982. p. 127, grifos e colchetes meus)
Sua idéia
consiste em superar a Igreja Católica na instrução dos povos. Criar uma
centralização de cultura “superior” a do Cristianismo e suas ramificações, numa GUERRA DE VALORES. Marx versus o Cristo! Daí porque a
necessidade de uma ação política efetiva que se daria em meio à “revolução
passiva” pela “ocupação de espaços”, nas escolas (públicas e privadas), nas indústrias cinematográficas, nas igrejas, na mídia, Sindicatos, Ordens
Religiosas, Centros Espíritas, Famílias, Universidades, em todos os órgãos e células que contribuem dialeticamente na
formação cultural dos indivíduos. Principalmente por aqueles oriundos das “escolas
unitárias”, idealizada por Gramsci, os novos Intelectuais Orgânicos criados para uma substituição gradual dos Intelectuais Tradicionais, até a subjugação
total da Cultura Ocidental, numa
“guerra de posição” em surdina, arguta, e subversiva.
O movimento para criar uma nova
civilização, um novo tipo de homem e
de cidadão, … [implica] a vontade de
construir, no invólucro da sociedade política, uma complexa e bem articulada sociedade civil, na qual o indivíduo
singular se autogoverne. (GRAMSCI, 1998, p. 25, grifos meu) [3]
A
idéia é consolidar uma bem articulada sociedade civil capaz de transformar o
indivíduo “alienado” por ideologia cristã e racionalista, em sujeito “autogovernante”
marxista e materialista! A
principal tarefa dos novos intelectuais revolucionários seria levar o marxismo
a todas as camadas da sociedade em oposição à ideologia cristã tida como dos
burgueses.
Gramsci. O teórico da “ditadura
perfeita”.
Ninguém, como
o filósofo italiano Antônio Gramsci conseguiu ser tão audacioso nas diretrizes para
um totalitarismo “legítimo”, para um “controle
intersubjetivo das interações sociais”. A pedra de toque para elaboração
das novas “intelectualidades integrais e
totalitárias”, seriam os partidos
políticos alinhados, já que se trata de dirigir organicamente “toda a massa economicamente ativa”. Para
isso, O Moderno Príncipe (ou o Partido Orgânico) — como o Príncipe de Maquiavel
— organizaria toda a ação política por hegemonia, conquista, e manutenção do
poder. Leia-se com redobrada atenção o que ele escreveu:
“O
moderno Príncipe, desenvolvendo-se, SUBVERTE
todo o sistema de relações INTELECTUAIS e MORAIS, uma vez que o seu
desenvolvimento significa, de fato, que todo
ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente
na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e
serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do
imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa
laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”. (GRAMSCI, A. 2000,
p. 420)
Subverter é a senha
marxista de todos os tempos. Com uma particularidade
em Gramsci: à diferença de uma subversão que almejava o poder na luta armada, a
batalha colimada hodierna é por conquista hegemônica, no campo intelectual e moral, numa guerra de
valores. Em consonância com o pensamento de Nietzsche, é uma luta
por transmutação de todos os valores,
numa passagem da crença em Deus ao império da vontade humana. “A
sociedade atual vive uma inversão de valores”, verdade factual. O Príncipe Moderno
idealizado pelo pensador italiano é um partido político cicerone que se
desenvolve subvertendo as consciências, as mentes, e na medida que vai ganhando
espaço, se tornando influente como o é, ou foi a igreja católica nas decisões intersubjetivas humanas, toma o lugar da Divindade; transformando o
Estado teísta e alienador, em Estado laico e “libertador”.
Escola Unitária. Uma proposta de Gramsci para a Educação
Para entender toda a
engrenagem de subversão idealizada por Antônio Gramsci, o Maquiavel moderno,
será necessário mergulhar na sua proposta para a educação.
O advento
da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na
escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso, irá se
refletir em TODOS os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes
um novo conteúdo (GRAMSCI, 1982. p.
125, grifo, caixa alta e itálico meus)
Gramsci via a
escola como um centro operacional de militância política. Do ensino primário ao
ensino superior a escola é vista como um organismo a ser explorado pelos
socialistas. Para se ter uma idéia, de como pensava o teórico da “ditadura
perfeita”, segundo expressão do escritor peruano Vargas Llosa, basta que se
consulte as páginas 32 a
35 (volume 2, Civilização Brasileira) de: Os cadernos do Cárcere; ou de preferência,
as páginas 122 e 123 do Livro: Os
intelectuais e a Organização da Cultura. Lá, Gramsci desenvolve o conceito
de “Escola Unitária”.
A escola é o instrumento para elaborar os
intelectuais de diversos níveis. A complexidade da função
intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade
das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a
"área" escolar e quanto mais numerosos forem os "graus"
"verticais" da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a
civilização, de um determinado Estado. (GRAMSCI,
1982. p. 9, grifos meu)
De acordo com
seu modelo escolar, num período de dez anos seis deveriam ser dedicados à
educação que mesclasse o ensino técnico
com o universalista. A escola é antevista por Gramsci como prática
revolucionária, um internato destinado a formar militantes para servirem à causa
socialista. Uma verdadeira indústria cultural de cooptação [“dos melhores
alunos”] e formação de indivíduos subsumidos.
O
primeiro grau elementar não deveria ultrapassar três quatro anos e, ao lado do
ensino das primeiras noções "instrumentais" da instrução (ler,
escrever, fazer contas, geografia, história), deveria desenvolver notadamente a
parte relativa aos "direitos e deveres", atualmente negligenciada,
isto é, as primeiras noções do Estado e da sociedade, como elementos
primordiais de uma nova concepção do
mundo que entra em luta contra as concepções determinadas pelos diversos
ambientes sociais tradicionais, ou seja, contra as concepções que poderíamos
chamar de folclóricas. O problema didático a resolver é o de temperar e fecundar a orientação dogmática que
não pode deixar de existir nestes primeiros anos. O resto do curso não deveria
durar mais de seis anos, de modo que, aos quinze-dezesseis anos, dever-se-ia
poder concluir todos os graus da escola unitária. [...] De fato,a escola
unitária deveria ser organizada como colégio, com vida coletiva diurna e
noturna, liberta das atuais formas de
disciplina hipócrita e mecânica, e o estudo deveria ser feito
coletivamente, com a assistência dos
professores e dos MELHORES ALUNOS, mesmo nas horas de aplicação chamada individual,
etc. (GRAMSCI. 1982. p. 122-3, grifos e caixa alta, meus)
Para
Gramsci, a concepção global marxista do mundo oferece as melhores diretrizes
para a reforma e revigoramento da sociedade, além de transformá-la em agente de
seu próprio destino. Essa constatação, ampliaria o combate político do partido pelo
poder, para uma guerra em busca de hegemonia, conceito fundamental em seu
pensamento; numa luta em que a nova ideologia torna-se indispensável à toda sociedade.
A Escola Unitária terá como fim precípuo a conquista desta hegemonia.
O Primeiro “problema didático a resolver é o de temperar e fecundar a orientação
dogmática [crença em Deus, etc.] que
não pode deixar de existir nestes primeiros anos [na infância]”; ou seja, deixará de existir, mas num
empreendimento adrede e constante.
Depois que a semente for fecundada sob o tempero marxista nas primeiras lições e restante do curso, os intelectuais tradicionais, racionalistas, e influentes, apreciadores das concepções “folclóricas” de filósofos como Sócrates, Platão, Tomás de Aquino, Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant, e outros teístas, subsumirão em meio as novas “intelectualidades integrais e totalitárias” formadas sob a égide da “nova concepção do mundo” pela velha visão socialista, materialista, atéia. Em síntese, a principal diferença de sua proposta e a realidade da cultura ocidental constatada, é que, no mundo consolidado pelo pensamento cristão há lugar para os intelectuais orgânicos existirem, no mundo idealizado de Gramsci, os intelectuais tradicionais vão submergindo, um por um. A proposta de Gramsci falará por si mesma.
Depois que a semente for fecundada sob o tempero marxista nas primeiras lições e restante do curso, os intelectuais tradicionais, racionalistas, e influentes, apreciadores das concepções “folclóricas” de filósofos como Sócrates, Platão, Tomás de Aquino, Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant, e outros teístas, subsumirão em meio as novas “intelectualidades integrais e totalitárias” formadas sob a égide da “nova concepção do mundo” pela velha visão socialista, materialista, atéia. Em síntese, a principal diferença de sua proposta e a realidade da cultura ocidental constatada, é que, no mundo consolidado pelo pensamento cristão há lugar para os intelectuais orgânicos existirem, no mundo idealizado de Gramsci, os intelectuais tradicionais vão submergindo, um por um. A proposta de Gramsci falará por si mesma.
Pode-se
ter um termo de comparação na esfera da técnica industrial: a industrialização de um país se mede pela
sua capacidade de construir máquinas que construam máquinas e na fabricação
de instrumentos cada vez mais precisos para construir máquinas e instrumentos
que construam máquinas, etc.
O país que possuir a melhor capacitação para construir
instrumentos para os laboratórios dos cientistas e para construir instrumentos que fabriquem estes instrumentos, este país
pode ser considerado o mais complexo no campo técnico-industrial, o mais
civilizado, etc. Do mesmo modo ocorre na
preparação dos intelectuais e nas escolas destinadas a tal preparação; escolas
e instituições de alta cultura são similares. Neste campo, igualmente, A QUANTIDADE
NÃO PODE SER DESTACADA DA QUALIDADE. (GRAMSCI, p. 9, grifos e caixa alta meus)
Toda a sua quimera,
suas aspirações, sua ideologia, transparecem neste último trecho. O aluno, ou
seja, o “intelectual orgânico” a ser criado em todos os níveis a partir da
escola unitária, é comparado a instrumento programado para fabricar outros
instrumentos. Máquinas para construir outras máquinas. Sendo mais claro, militantes políticos para criação de outros militantes políticos.
Estariam as
Universidades brasileiras em avançado estado de “ocupação de espaços” nessa
“guerra de posição”? Quantos DCE’s (Diretório Central dos Estudantes) nas
Universidades Federais e particulares, por todo o Brasil, não têm alinhamento
ideológico com o pensamento socialista gramsciano? Melhor dizendo, haverá alguma que não esteja
alinhada? A realidade da Educação constatada no País pode ser considerada
natural, ou haverá por trás dela uma articulação política socialista de difícil
apreciação? Estas questões merecem ser
refletidas, pesquisadas, e estudadas ao máximo!
Conclusão
Para Gramsci, construir uma hegemonia requer uma luta permanente,
constante, numa guerra de valores que
rompam os grilhões da sociedade tradicional. Os estudantes representariam a
vanguarda responsável pela diluição das fronteiras entre o mundo intelectual e o do trabalho,
a serviço da causa socialista.
Em
se tratando necessariamente da Educação, pode-se dizer que ela representa, no
pensamento de Gramsci, o centro catalisador de todo um sistema para “libertação”
do cidadão das amarras cristãs. Suas idéias e sua política concentram-se nessa
escola idealizada para a causa socialista.
Na contramão do mundo, sua proposta não difere, na pretensão, das
muitas tentativas de controle dos organismos da sociedade civil burguesa pelo Comunismo
Histórico. A diferença, é que as eliminações dos Intelectuais Tradicionais pelos Intelectuais Orgânicos [em Gramsci, ligados à indústria] se
processam numa construção contratual, ao invés de eliminações físicas ou
repressivamente, como preponderava nos muitos casos que se tem notícia.
Como se vê, é um modelo escolar notadamente político, pois
pretende a formação de indivíduos subsumidos para a superação da Cultura
Ocidental Cristã, numa luta em que a maioria de seus agentes [ironicamente
cristãos] não têm consciência da alienação
que estariam sendo submetidos. Inspirada em Maquiavel a proposta de Gramsci é
intelectualmente desonesta. O que há, em sua oferta de modelo escolar, é o
discurso político com ar de cientificidade. Uma tentativa de usar a escola como
aparelho político ideológico para reversão de derrota do Comunismo no Ocidente.
Bibliografia
LAAR,
Mart . A Estônia e o Comunismo. In: Cortar o mal pela raiz: História e memória
do comunismo na Europa. [tradução Caio Meira]. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006.
DEL
ROIO, Marcos; Gramsci contra o Ocidente. In: Gramsci. A vitalidade de um pensamento. São Paulo: Editora da
UNESP, 1998.
COUTINHO,
Carlos Nelson. Socialismo e Democracia: A atualidade de Gramsci. In: Gramsci. A vitalidade de um pensamento.
São Paulo: Editora da UNESP, 1998.
GRAMSCI,
A. Os intelectuais e a Organização da
cultura. [Tradução Carlos Nelson COUTINHO]. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1982.
GRAMSCI,
A. Concepção Dialética da História. .
[Tradução Carlos Nelson COUTINHO]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1991.
GRAMSCI,
A.; Cadernos do Cárcere. Volume 3.
Maquiavel – Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000. 420 p.
[1] Eronildo Aguiar, bacharel em Comunicação Social
com habilitação em Jornalismo, pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e
Letras de Rondônia – FARO, Técnico em Contabilidade pela Escola Rio Branco, professor
de História, Sociologia e Filosofia, do ensino fundamental e médio no Centro Educacional
Mojuca, e estudante do 6º período de Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Rondônia – UNIR.
[2] Conceito
tornado popular por Maurice Merleau Ponty, o Marxismo Ocidental
(ANDERSON,1989; MERQUIOR,1987; LOUREIRO; MUSSE, 1998)
[3] A. Gramsci, Quaderni del carcere.
Torino: Einaudi, 1975, p.1020-1. Essa nota não está contida nos volumes
temáticos dos Cadernos já publicados no Brasil, mas pode ser lida em C. N. Coutinho ,
p.25. (Gramsci – A vitalidade de um pensamento) N.A.