ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

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terça-feira, 15 de agosto de 2017

Capitalismo e Comunismo

Comentário(s)



Por Pietro Ubaldi

Depois de havermos visualizado o problema da unidade em suas linhas gerais, focalizemos, de maneira particularizada e concreta, o que sucede atualmente no campo político do mundo. Para principiar, perguntamos: corresponde as leis do universo o princípio de igualdade que se pretende impor presentemente pela força?  


Na estrutura atômico-eletrônica da matéria, os diversos elementos componentes não são iguais. É o que nos desvenda a indagação submicroscópica Em seguida, se a observação analítica substituirmos uma observação sintética macroscópica e constatarmos uma homogeneidade de conjunto, é porque esta resulta das características comuns aos elementos diferentes que só assim conseguem uma identidade de conjunto. E isto se dá sem prejuízo de sua individualidade e livre manifestação, segundo a estrutura de cada um. As leis da existência nos dizem, pois, que a vida atinge a homogeneidade sem prejudicar a individualidade, atinge a igualdade que unifica, sem destruir as diferenças que distinguem. Os elementos conservam, pois, a individualidade inviolada, sem com isto impedir que todas as semelhanças equilibrem estas diferenças, reconstituindo assim a unidade segundo as qualidades coletivas que estão na base de uma individualização mais vasta do que a dos simples elementos. A igualdade se constitui, deste modo, não como uma violação imposta a individualidade, mas como uma espontânea reordenação dessas unidades. A igualdade não é, assim, uma superposição forçada da realidade, mas uma organização desta em um plano evolutivo mais elevado. 

Naturalmente é inútil falar dessas leis universais a quem não compreendeu o funcionamento orgânico e unitário do universo. A igualdade que a natureza nos oferece é o resultado espontâneo, um produto das próprias individualidades, erguido sobre a linha de suas semelhanças, sem alteração da linha de suas diferenças O mesmo que se dá com os agregados celulares se passa com os agregados sociais de que agora nos ocupamos. Nós existimos em um universo unitário, de princípio único que se repete em todos os níveis evolutivos, e o fenômeno social, para ser compreendido, deve ser tomado como um momento do fenômeno biológico.

A homogeneidade celular nos tecidos é efeito de qualidades dominantes comuns, que deixam intactas as diferenças individuais sem forçá-las ou suprimi-las porque, tanto no indivíduo como em sociedade, elas são necessárias e possuem função própria. E, se o princípio é sempre o mesmo, e a sociologia é biologia, por que se deveria aplicar nos agregados humanos um princípio diverso do que a natureza aplica a todos os seus agregados? E então, o que representa neste sistema de vida a igualdade forçada imposta pelo Comunismo?

Todavia assistimos ao fato de que um Comunismo atualmente está se desenvolvendo no campo social. E se tudo que existe tem uma razão biológica, neste caso qual será esta razão? Ela é dada pela atual fase da evolução humana que assume a forma coletiva, quando tende a formação de grandes unidades de massa, isto é, de grandes organismos biológicos coletivos. Esta é a tendência moderna de toda a vida humana sobre o planeta terreno, ativada, pois, em todo o mundo, ainda que resista formas e normas diferentes É uma tendência que implica a ânsia em demanda da justiça social. O mundo, que atingiu através da ciência um inaudito domínio sobre as forças da natureza, tende a reordenar-se em novos equilíbrios econômicos. Este é o conteúdo que nesta sua atual fase evolutiva a vida empresta à luta pela seleção. Sendo assim, é natural que o Comunismo tenha surgido primeiramente nos países pobres, onde é maior a luta da qual ele deriva. É lá, onde mais cruciante é a fome, consequentemente mais sentida a inveja, que mais intensa se torna a luta para destronar os que possuem mais. Onde mais elevado é o nível econômico, não existe ódio contra quem possui, porque todos possuem.

O fenômeno só é compreensível se atentarmos para a realidade biológica que ele representa. As ideologias podem sobrepor-se às leis da vida, podem envolvê-las e intentar recalcá-las, mas não podem destruí-las. Eis o que representa o Comunismo moderno A causa ocasional que fez com que o movimento universal da vida no sentido da justiça social, se localizasse na Rússia, foi a miséria tradicional do seu povo. A necessidade de igualdade econômica e de justiça social, foi sentida antes e mais acentuadamente na terra da clássica desigualdade econômica e da injustiça social. Na superfície da terra esse povo representou o "locus minoris resistentiae” para a explosão da crise. As características da vida nesse país permaneceram as que eram de há muito: a pobreza, a dor, os desnivelamentos sociais, os ódios, a constante ameaça da Sibéria, a própria desolação que encontramos em Gorki, Tolstoi, Dostoiewsky e outros. Parece que toda nação do planeta possui uma função, e no presente caso é a dor. O povo russo sempre sofreu um duro destino, e as convulsões sociais freqüentes, em vez de atenuá-lo, agravaram-no. O fenômeno é, pois, antes de tudo, russo, caracterizado pelas condições deste povo. Ainda que a ideologia comunista seja universal, a sua forma de bolchevismo russo não é aplicável a povos tão diversos, com destinos e funções biológicas diferentes. Ainda que a idéia comunista se divulgue, não poderá ser senão assumindo alhures formas diferentes. E é natural que os povos não se adaptem quando ela queira permanecer russa, para tornar russos povos que pela própria natureza não o são e que, biologicamente, não podem sê-lo.

Se, pois, a idéia comunista não souber despojar-se da forma contingente da terra em que se originou praticamente, a sua expansão reduzir-se-á como a de todos os imperialismos, despertando, ao certo, as reações naturais e resistências por parte das outras formas humanas de vida. Se ela quiser permanecer russa, para tornar russo o mundo, o problema efetivamente oculto sob a ideologia, será o de qualquer invasão demográfica e predomínio racial, velhíssimo motivo da história. A guerra deflagrada seria apenas de raças e de interesses, e não de idéias. Possui o Comunismo atual capacidade de universalizar-se, erguendo-se acima das suas características particularmente russas? Saberá ele permanecer não russo em outros lugares, com psicologia e métodos totalmente diversos? A vida para atingir o universal, deve antes atravessar o particular. Antes da ideologia que tende à formação de unidades universais, a vida sente, muito mais vivida porque mais próxima, menor unidade biológica nacional. Esta é a realidade, e nenhum povo pode mudá-la. Se o trabalho obrigatório pode ser uma necessidade para um povo paciente e sonhador em um país imenso e triste, onde o homem se habituou a ele desde séculos, como poderá ele aplicar-se a povos de hábitos secularmente diversos que jamais viveram de tal forma sob regime algum, qualquer que fosse o gênero deste? O que decide não é somente o tipo de governo, mas sobretudo a natureza do povo sobre o qual atua. A forma de governo não é mais do que um dos tantos elementos de vida de um povo, que com freqüência são antes a causa ao que o efeito desta forma. Desta maneira se vê como o Comunismo atual é resultante de tantos fatos diversos. Primeiro: o presente momento histórico ou fase biológico-social, que avança para a formação de grandes unidades coletivas e amplos organismos biológicos de massa, o que impõe a implantação da justiça social. Segundo: a natureza particular do povo russo que fez com que este fenômeno fosse mais sentido e se verificasse naquele país mais pobre e sofredor que os outros. Isto explica um terceiro ponto: porque este Comunismo, cujo aparecimento hoje no mundo, biologicamente significa a aproximação da ação evangélica esperada há 2.000 anos, tenha nascido na Rússia às avessas, isto é, como ódio de classe ao invés de amor evangélico.

Tivemos de nos referir ao Evangelho porque no seu atual lance evolutivo a vida está prestes a dar um passo decisivo para aproximar-se da realização da Boa Nova, que há 2.000 anos foi simplesmente anunciada. A idéia comunista, mesmo se em principio o aplica invertidamente, representa do Evangelho a primeira e vasta aproximação no plano econômico e político. Disto deriva que, se o Comunismo quiser continuar a desenvolver-se segundo a linha traçada pelas leis da vida, deverá completar-se, desenvolvendo-se amanhã além da sua atual fase materialista, com um novo aspecto espiritual evangélico, de que hoje carece.

Ninguém nega a bondade e a verdade do Comunismo como justiça social. Mas para que uma idéia seja aplicável em toda parte, é necessário que seja universal e não o produto apenas de um dado povo ou regime. Ora, somente o Evangelho, que não é filho de nenhum governo e que, nascido de um povo dele se destacou, possui não só as características de universalidade, como se apresenta completo no campo espiritual, que é necessário a vida. A história nos mostra que quando o catolicismo se nacionalizou em um povo e em um governo temporal, originou a reação nórdica e anti latina do protestantismo. Assim sendo, para evitar cismas em um Comunismo universal, não restaria outro caminho que o de um imperialismo tirano e escravagista, o que também significaria chegar-se a pior injustiça social por meio da teoria da justiça social. E assim um processo tão deformado não estaria de acordo com a atual tendência evolutiva da vida, mas contra e, portanto, destinado por esta que é mais forte, a ser destruído, uma vez que o Comunismo não se universalize e não se espiritualize, isto é, se não conseguir aproximar-se em tudo, mesmo como método, do Evangelho. A acusação movida pela Democracia ao Comunismo é a de que ele não é Comunismo mas capitalismo de Estado, não é justiça, mas uma forma de injustiça social pior do que aquela que ele aponta e pretende corrigir. De fato, o Comunismo se implantou como luta de classes, pelo que não pode concluir senão como imposição de classe, velha lei biológica do mais forte, que ele aplica como a vida sempre fez desde que o homem existe. Em escala mais ampla, luta de classe significa luta de povos e domínio de povos, imperialismo e imposição pela guerra. Onde está a justiça social? Pode-se alcançar a justiça pela força? Ou então a ideologia é pura forma e aparência, por trás da qual vigora a velha realidade biológica peculiar ao involuído que não sabe afirmar-se senão pela força? Então a novidade consiste apenas em acobertar o velho sistema da lei elaborada e imposta pelo mais forte em sua vantagem, com um manto de teórica justiça social?  Então é preciso confessar que a vida, dado o que é o homem atual, não pode empregar outros sistemas para alcançar esta justiça, que, entretanto, representa a conquista a ser feita nesta nova atual fase de evolução.

Falamos da necessidade que o Comunismo de amanhã tem de universalizar-se, desnacionalizando-se para supernacionalizar-se como idéia, e não como imperialismo de guerra, da necessidade de superar a fase de imposição de força, para ceder lugar a livre persuasão, de substituir a luta de classe pela do amor Evangélico. Acenamos também sobre a necessidade, para o Comunismo de amanhã, de espiritualizar-se completando, assim, a sua inicial unilateralidade materialista. No seu aspecto atual ele é incompleto, porque a vida não é feita apenas de matéria e os seus problemas humanos não são unicamente os do mundo econômico. E ninguém o impede de poder encontrar no seu caminho, ensinos do gênero de A Grande Síntese, que estejam em condição de fornecer-lhe um sentido orgânico e uma orientação universal da vida, que as teorias de Carlos Marx são insuficientes para dar-lhe A vida caminha atualmente, e tudo o mais com ela, para o plano super material. Para ele está se dirigindo a ciência, para aí deve dirigir-se por força todo o pensamento humano.

O ateísmo se torna cada vez mais absurdo em um universo que a físico-matemática revela cada dia mais ser pensante, isto é, feito de pensamento na sua mais profunda realidade. Os míopes, que não se orientam e não se atualizam, que se fixam nas conquistas do momento e do contingente, sem conseguir vislumbrar um amanhã mais vasto, sem poder pressentir a continuação do presente no futuro, da matéria no espírito, arriscam-se a ficar em meio do caminho. Não se pode existir na vida em estagnação, mas como vir-a-ser. E ninguém pode mudar as leis da vida, que assim pensa e assim quer.

O homem pode crer nas ideologias que mais lhe aprouverem, mas ai da ideologia que tenta sobrepor-se as leis biológicas, procurando violentá-las! No conflito entre ideologia e biologia, vence sempre esta última que é a mais forte. A vida é um fenômeno muito mais vasto e complexo do que o simples fenômeno econômico. O homem não é senão em parte um fator de produção. No dia em que a atual ideologia não for mais concorde com os planos inteligentes que a vida quer realizar, será logo arredada do caminho, não pelos homens, não pelos governos ou exércitos, mas pela própria vida que é a única força que, com a sua inteligência e poder, verdadeiramente domina o planeta. Em suma, não é o Comunismo ou a Democracia que comandam a vida, mas é esta que comanda a ambos. É ela a única e verdadeira senhora do mundo e lhe impõe a própria vontade, que hoje é a de subir.

A respeito deste domínio das leis da vida prepostas como guia dos eventos históricos, é este o ponto mais oportuno para que se responda a algumas objeções propostas ao Cap. XCIX: "O Chefe", de A Grande Síntese. Quem, na Itália e no exterior, quis ver nele uma referencia particular a exaltação de um dado homem e de um dado regime, não compreendeu o significado universal dos conceitos aí expostos, aplicáveis a qualquer tempo, em qualquer lugar e a qualquer chefe, visto que eles exprimem universais leis biológicas. E a primeira entre elas é a da autoridade-função, o do poder missão. Função e missão, que são o único verdadeiro sustentáculo da autoridade e do poder, de modo que se eles caírem, a vida arrebata estes últimos, e toda a posição, qualquer seja a força que queira protegê-la, automaticamente cai. Repetimos sempre que a sociologia não é senão um momento da biologia, e a política não é uma criação humana mas um efeito das leis da vida. Defronte a estas realidades, o regime representativo não é senão uma das formas pelas quais essas leis podem exprimir-se.

Quem apresentou, pois, tais objeções, não leu o que está escrito em A Grande Síntese, no fim do capítulo XCVI: "concepção biológica do poder". Aí está dito: "As forças biológicas não garantem o homem, mas a função, e o destroem apenas ele deixe de corresponder a esta. (....) Assim, sempre a história chama os seus homens. (....) Rejeita-os, sem remorsos, apenas a função cesse ou quando eles exorbitem ou se entibiem". E o referido capítulo se encerra dizendo: "Assim nasce Napoleão, simples instrumento de uma guerra, difusora de novas idéias, e foi posto a margem pelo destino, como inútil, mal se esgotara a sua função, da mesma forma como o último rei da França, do qual ele se rira".

Trata-se, pois, de leis biológicas, prontas a entrar em ação, mal se verifiquem alguns precedentes determinantes, seja no passado, no presente como no futuro, independentemente da pessoa, tempo e lugarem que elas se aplicam. A história confirmou e confirmara sempre estes princípios. Deste modo se compreende quão instáveis são todas as posições de mando baseadas na força e não na função. É natural então que se pergunte que estabilidade podem ter hoje os poderes humanos considerados genericamente como uma conquista em seu próprio benefício. Daqui as desconfianças e lutas entre governantes e governados, daqui a clássica forma de rebelião que parece hoje implícita a toda forma de autoridade, e que assume o aspecto de legítima defesa.

Por tudo isto se vê como os critérios através dos quais a vida nos dirige são diferentes daqueles pelos quais o homem desejaria mandar, e também como a distinção entre Capitalismo e Comunismo só possui valor contingente e transitório, em função de certas finalidades, conseguidas as quais, tudo se transforma. A distinção biológica é de alcance bem diverso e se opera entre involuído e evoluído, diferença evolutiva, de substância, da qual tudo deriva e da qual o problema social atualmente não se ocupa. Assim, praticamente este se reduz a um conflito de interesses em que os homens de ação, preocupando-se com objetivos imediatos e concretos, permanecem imersos na peleja, privados de qualquer visão de conjunto, a qual, se é de realização mais remota, não deixa de ser um fim a ser atingido depois.

Quem estiver envolvido na ação política, deverá assumir a atitude o encargo de agir, o que é indispensável, mas não pode dispensar o homem de pensamento, único capaz de indicar-lhe as grandes linhas de orientação. Quando se está encerrado no horizonte estreito das realizações concretas, não se pode enxergar o amanhã distante que também deve chegar, ver o pensamento da vida e a vontade de história que, na realidade, guiam o homem, ainda quando ele se julgue dirigente autônomo. Quem se limitar a visão e realização imediata, poderá certamente atingir os seus fins próximos, mas não poderá saber que realizações mais distantes alcançará. A elas chegará, embora não queira e não saiba. Acenamos acima para onde é muito provável que vão ter as tendências sociais modernas.

O homem prático age em política em um outro plano. A imparcialidade e a universalidade para ele não têm sentido. No entanto, o tem, bem acentuado, o enquadramento dos próprios interesses em um dado partido, com exclusão dos outros e contra os outros. Sua psicologia de ação se reduz, pois, a uma psicologia de luta e no exercício desta. De posições que correspondem apenas a um relativo que lhe é próprio, particular e transitório, faz um absoluto. O problema social e político se transforma então em problema particular, isolado, limitado, jamais fundido com o problema universal, do qual ele mesmo depende. Surgem, desta forma, nos primeiros planos as questões secundárias, perdendo-se de vista os projetos de ação mais vastos; nos quais justamente opera a mais vasta inteligência da vida. E assim é que nos engolfamos em uma técnica de pura batalha.

Desta forma o Comunismo; que se justifica com a injustiça social, procura-a e amplia-a para também justificar a sua intervenção. Cessa, desta forma, esta ideologia de justiça, dado que prospera melhor na desagregação social, que ele incentiva para se servir dela. E assim uma ideologia de ordem e justiça começa a agir como desordem e injustiça. Mas decorre daí um fato estranho. As nações capitalistas, para impedir o crescimento do Comunismo, são coagidas a obstar a formação dessas condições de miséria, que são as que justificam e atraem o Comunismo. O resultado do assalto comunista, porque tal é a sua forma de ação, em face da técnica de luta que adota, torna-se o de compelir os Estados capitalistas a uma produção e distribuição de riqueza que facultam um elevado nível econômico em todos os países não comunistas, de modo que o Comunismo não encontre neles um pouco de apoio, nem razão e maneira de interferir. Eis então que, superando os limitados planos dos homens de ação, os mais vastos planos da vida, eles desenvolvem um programa inteiramente diverso, isto é, o de transformar um agente revolucionário de desordem em um gerador de bem estar, e o de forçar o Capitalismo a ser o primeiro a aplicar a justiça comunista, para não ser por esta suplantado num desígnio hoje universalmente sentido e reclamado. E assim, nas mãos sábias da vida, a desorganização transmuda-se em organização, o mal em bem, e assim também o Capitalismo conservador é obrigado a ativar o progresso. Desta maneira o assalto comunista resolve-se, a sua revelia e contra a sua vontade, nas mãos da vida, na consecução daquilo a que ela aspira e não nas dos diferentes chefes: um universal progresso de todos, mesmo das nações capitalistas, rumo a justiça social.

A vida atinge então essas suas finalidades pelo método da reação. Quando ficamos no contingente, onde fervilha a luta, desencadear o assalto significa excitar uma reação equivalente em virtude da lei universal do equilíbrio. Uma benéfica reação dos Estados capitalistas consiste, pois, no império a que eles se vêem sujeitos, de desenvolver, eles mesmos, os princípios de uma justa distribuição da riqueza e da justiça social, proclamados pelo Comunismo, ainda que o façam gradativamente. Uma outra reação consiste no fato de serem obrigados a cuidar do nível econômico dos novos amigos por toda a forma de auxílio. Efetivamente, como conseqüência da reação, surge neles esta objeção: se o fim é melhorar o próprio estado econômico, por que, em vez de melhorar-se o problema através da distribuição, não o fazer através da produção da riqueza? O mesmo problema universal da melhoria econômica pode assumir, realmente, segundo a natureza dos diferentes países, aspectos diversos. Um país pobre, incapaz até de explorar o seu território, ainda que rico e vasto, e por isso mesmo ainda pouco adiantado, sentir-se-á mais impelido a resolver o problema pelas lutas de classes, disputando as riquezas já produzidas. Um outro país, rico de história, de temperamento e clima diferentes, jovem e dinâmico, cheio de recursos próprios e alheios, será levado a encarar o método precedente como um contra-senso e achar muito mais conveniente resolver o mesmo problema por meio de uma maior produção de riqueza para todos, relegando a um segundo plano a questão de sua distribuição mais ou menos justa, ou a do nivelamento econômico. As nações não comunistas podem proclamar que elas acham mais conveniente resolver o problema deste modo e que assim o resolvem. Isto é, sem luta de classe o regime capitalista pode ser meio de uma abundância geral julgar que supera as desigualdades distributivas, enquanto que o regime comunista, mesmo distribuindo com justiça, deixa todos na miséria. Por que então perder tempo em uma luta intestina de classe, com todas as suas conseqüências destrutivas e corrosivas, quando o fim se pode mais facilmente atingir mercê de uma produção mais aumentada, que é capaz de elevar o nível econômico de todos de modo a contentar a cada um? Ao invés de lutar contra o semelhante, possuído de ódio, por que não lutar apenas contra as forças da natureza para dominá-las? O problema não é o de distribuir, mas o de produzir. Só assim se pode verdadeiramente melhorar as próprias condições. Não é preferível um sistema de bem-estar geral, que exista para todos, ainda que desigualmente distribuído, a um sistema de igualdade na miséria?

Por aí se vê quanto é difícil o transplante de ideologia feita para um país e outros climas, difícil de aplicar a outras realidades biológicas, que naturalmente reagem. O que pode ser verdadeiro junto a um povo pode parecer absurdo a um outro que possui qualidades muito diferentes. Como mandar um urso polar para o Equador? Ou morre ou se transforma. A vida, com as suas férreas exigências, impõe adaptações dentro de férreos limites de tolerância. Por este motivo, como dissemos, o Comunismo se quiser ganhar o mundo, deve desnacionalizar-se, adaptar-se e transformar-se, porque existem leis biológicas que nenhuma força pode mudar. O resultado final da realização da ideologia não sabemos a que distancia está do ponto de partida, porque para atingi-la, a ideologia originária deve defrontar-se com as leis e com a vontade da vida, que a amoldarão inexoravelmente as próprias exigências, e, se por ventura ela não se quiser dobrar, será despedaçada. Já dissemos que o pensamento da vida é bem diverso do pensamento dos homens. É aquele e não este o verdadeiro pensamento, que necessita de ser lido, para que se possa compreender os fenômenos sociais. Existem jogos universais mais profundos que o indivíduo, imerso nos seus problemas particulares, não vê e que, entretanto, atuam. É, pois, natural que no mundo imperem motivos diversos repetidos no fragor das armas, mas que, embora guerreando, colaboram todos para os mesmos fins evolutivos da vida.

Momentaneamente, pondo-nos do lado do Capitalismo, podemos indagar se a desigualdade econômica, contra a qual só hoje a psicologia coletiva se insurge em massa, foi historicamente considerada uma injustiça. Se ela existiu, se a vida lhe permitiu existir, isto significa que deve ter cumprido uma função que hoje teria desaparecido, não se sabendo qual será o seu substituto. Só hoje a vida, em um momento excepcional, decidiu o progresso das massas humanas em bloco. Antes, com a sua habitual parcimônia, ela permitiu o avanço apenas de grupos limitados, que formavam as aristocracias. Este sistema persistia, ainda que se lhe mudassem os componentes, porque estava adequado a função de criar modelos de civilização mais avançados, formas de existências mais refinadas, de modo que os menos abastados, a seguir, pudessem por sua vez, imitando-os, ascender. Estas formas mais adiantadas, quer em razão do meio, quer pelo preparo educativo, o grosso das massas não podia alcançar e assim se tornavam elas necessariamente limitadas a uma classe e reduzido número de pessoas. Estas possuíam uma função educadora e diretora, representavam uma antecipação, ou modelo. A Europa admirou, desta maneira, as loucuras luxuosas de Luís XIV que, depois constituíram o modelo para a civilização aristocrática do século XVIII e, exaurida a sua função, justificaram o assalto demolidor da revolução francesa. A mesma plebe que se sentiu honrada e se extasiava quando era admitida a contemplar a opulência daquela corte, nos banquetes reais, nos jardins etc., um século depois considerava tudo isso um escandaloso insulto.

A vida, que se expressa através das pessoas, utilizara o egoísmo da classe aristocrática enquanto esta servia para lhe criar um modelo. Mas quando esta classe, egoisticamente pretendeu monopolizá-la para seu usufruto exclusivo, a própria vida se insurgiu e, manifestando-se através de todos os que haviam sido excluídos, lançou-se contra os monopolizadores. A vida é por si mesma coletivista e não admite injustas exclusões. E então, ela grita pela boca dos deserdados: “também nós!”

O erro humano, que a vida pune e que, para não ser pago, deve ser evitado, está inteiramente no egoísmo e no monopólio. A moral está em que, segundo o verdadeiro coletivismo, que é o da vida, todos devemos ser irmãos. 

Hoje, com a igualdade, obteremos certamente a justiça social, mas também o nivelamento de toda distinção e refinamento, perdendo completamente o modelo do senhor que, se era rico, também deveria ser educado, culto e bondoso, pelo menos em teoria; Teoria hoje perdida, embora justamente, porque traída pelas classes altas, mas perdida. O povo está pronto a apropriar-se de todas as vantagens materiais e igualmente dos vícios das classes superiores, mas não se preocupa com os deveres, educação e encargos inerentes a esses níveis. Daí decorre um rebaixamento geral do nível de vida a plano inferiores. Erigirem como modelo o homem da rua, o camponês, o operário, significa um nivelamento também espiritual e está em correspondência com o atual materialismo, com a psicologia do ventre, própria do tipo menos evoluído, assim como com a tendência destruidora atualmente em ação em todos os campos mais elevados da mente e do coração. O problema é muito vasto. Hoje nos encontramos em fase universal de nivelamento que não é apenas econômico. É natural que os extratos inferiores da sociedade humana, despertando, nivelando-se e afirmando-se, carreguem consigo aos primeiros planos todas as características do involuído. 

O princípio igualitário não interessa apenas ao mundo econômico, mas é fenômeno que investe sobre todas as manifestações da vida, mesmo aquelas que não lhes dizem respeito. Puseram-se em movimento para sentir a vida todas as células sociais, mesmo aquelas adormecidas em expectação. É certamente um fermento de vida, extenso, mas rude, primordial. Desta maneira, na quadra atual cada vez mais decai a raça do indivíduo evoluído selecionado, porque uma emergente maré de vida inferior se impõe, conquista todo o espaço e submerge qualquer superelevação biológica.

Tal é o momento histórico, do qual o Comunismo não é senão um aspecto no plano econômico- político. Em seu âmbito, o nivelamento talvez satisfaça o sentimento de inveja dos menos abastados, mas é indubitável que a nossa época deverá pagar esta conquista com um rebaixamento do tipo mais elevado de civilização. Porém este tipo era de poucos e o nivelamento agora é de todos, e por isso faltar-nos-ão modelos elevados, a não ser o da mediocridade. Teremos um estado de semi-cultura, de semi-riqueza, de semi-educação e finura, mas igual para todos. É verdade que na alma do pobre que sonha, o Comunismo é bem diverso de um ideal de justiça social, ou pelo menos essa justiça deveria ser, no seu modo de ver, uma substituição de pessoas, da sua pessoa nas posições de favor dos velhos esquemas sociais. E assim ele está pronto a aceitar o Comunismo somente enquanto houver o que ganhar, e, se por ventura tiver que resignar-se a uma paridade econômica, só admitirá no caso em que ela signifique para ele uma melhora. Com o que ele verdadeiramente sonha é o desnivelamento de antes, mas em seu favor. Mas esta possibilidade de emergir, distinguindo-se da plebe, está definitivamente eliminada da atual fase histórica, mesmo para a plebe. Esta, no igualamento, terá o gosto de não ver mais diante dos olhos esta exibição de riqueza, não terá ao menos quem e que coisa invejar, não poderá mais admirar, ainda que seja invejando, as cenas de que ela mesma sempre foi tão ávida. E, no entanto, poderia ser-lhe útil explorar alguns dos aspectos da riqueza que lhe foge, percorrer as experiências das classes refinadas que conhecem também outras formas de dor, que a justiça da vida mantém distanciadas daqueles que já se encontram abundantemente gravados com a dor da pobreza.

Em face destas mais profundas realidades da vida, todos os nossos nomes de partido e de governo passam para a segunda linha e parece até inútil amofinar-se com distinções atrás das quais, sob a forma especiosa de palavras novas, esconde-se o velho homem de sempre. Então se desce ao terreno da luta, em que é baldado procurar a verdade. Esta situa-se alhures, nas leis da vida. E por esta, as diferenças individuais existem e persistem e como tais voltarão a manifestar-se. Nenhum nivelamento econômico poderá impedir ao mais inteligente e voluntarioso de aparecer, e ao mais obtuso e preguiçoso, de ter que se submeter a ele. A distância entre servos e senhores corresponde a uma realidade biológica e está sempre pronta a reconstituir-se, mesmo na sua manifestação exterior de posições sociais diferentes. Nenhuma disciplina de estado pode alterar estas posições substanciais. Nos indivíduos como nos grupos, o mais forte se torna sempre centro em torno do qual, como planetas, gravitam os mais fracos, e seguem a lei e a ordem que ele lhes quiser impor.

O movimento da vida é o mesmo hoje como foi no passado: a ascensão das classes sociais inferiores. O nivelamento não tem outro sentido. Verificar-se-á uma retração das distâncias, sobretudo formais, mas as diferenças são insuprimíveis. A plebe ainda agora é menos evoluída do que os chefes, constituindo campo de luta favorável aos dominadores, os quais continuarão a instruir as massas sempre com novos truques, pois que é verdade que cada povo possui os dirigentes que merece e que pode compreender. Desta maneira as massas aprenderão melhor a pensar e, de desilusão em desilusão, sofrendo duramente de cada vez, irão formando, como é natural, a própria custa, a consciência coletiva. E assim a vida, permanentemente através da luta, consegue os seus objetivos evolutivos.

Como se vê, a tendência destruidora universal do presente não passa de uma fase. Em biologia a destruição tem sempre uma função renovadora. A substância de todos estes movimentos é a luta biológica em que cada um se comporta segundo a própria natureza. Toda ideologia tem de se ajustar sempre aos insuprimíveis instintos que fazem o homem agir, e ante estes instintos é fundamental o de posse, o de propriedade, meios poderosos que o ajudam a subir. O verdadeiro Comunismo presumiria o homem angelical, desinteressado, altruísta, disposto a renunciar as próprias vantagens individuais em benefício de todos.

Existem hoje exemplares de tal homem? E se existem poderão sobreviver no mundo atual? E então como podem subsistir tais qualidades? Com o espírito de grupo e o interesse de partido? Mas então da ideologia não estará em atividade, senão a habitual e antiga luta pelo domínio, a união para gerar a força. Esta culpa não cabe ao Comunismo ou ao Capitalismo, mas ao próprio homem que em toda a parte é sempre o mesmo. Na verdade a meta é o Evangelho e a sua justiça. Mas, dado o que o homem ainda é hoje, mais avançada aproximação em massa não se pode obter presentemente. Tudo sucede em virtude de uma razão profunda e colima num objetivo na vida, e este ainda está muito distante, para que os homens da atualidade o percebam. Amanhã a fase atual de Capitalismo e Comunismo estará superada. Sem dúvida nenhuma, a consciência coletiva foi despertada e as massas sentem com maior clareza a voz da vida. Os erros serão pagos e na dor serão corrigidos e, deste modo, por eliminação, sobreviverá apenas o melhor, que passou pela seleção das provas.

Todos os movimentos hodiernos, ainda que em parte naufraguem, possuem uma grande função como escola e prova. Começará a formar-se um egoísmo de classe, que é mais vasto que as unidades psicológicas que se haviam formado no passado. Tudo quanto arvorar-se em coordenação e unificação, é uma forma de progresso. Estrutura-se a organização de classe. É um sentido de unidade por parte de células que ainda não se conheciam. E a coordenação dos egoísmos de classe em mais amplos egoísmos de povos e humanidade, um dia levará a novo progresso. Já vimos no volume: A Nova Civilização do Terceiro Milênio os métodos de aquisição do involuído. Ele é levado a considerar "legitimamente seu" qualquer coisa em que, de alguma forma, tenha arriscado a pôr as mãos. As atuais macerações sociais levam-no pelo amadurecimento a conceber uma propriedade cada vez menos egoísta e exclusivista, cada vez mais coletiva e social, até a sua negação no Comunismo. Esta é uma maneira de conduzir o involuído a concepção que o evoluído possui de propriedade, que em outra parte veremos ser muito diferente.

Muitos são hoje os modos pelos quais a vida procura eclodir das suas velhas formas. Não nos resta mais que confiar na sua sabedoria e limitarmo-nos a segui-la, lendo-lhe o pensamento que se inscreveu nos eventos da história. Respeitemos os homens de ação, que são necessários, mas não nos deixemos empolgar demasiado pela sua miragem. Atentemos para a vida que é a única que não mente e pode inspirar-nos confiança. Ela, dividindo o mundo entre Capitalismo e Comunismo, não faz mais do que aplicar o seu universal princípio de dualidade. Nós sabemos que o dualismo é a base do monismo, porque cada unidade que existe é o resultado de duas metades inversas e complementares. Essas duas metades são hoje no mundo: Capitalismo e Comunismo. Estes formam, por conseguinte, uma unidade. Eles representam a forma atual dos equilíbrios da vida. Isto é, as duas metades são, como sempre e em toda a parte, equilibradas, como o é o positivo com o negativo em todas as coisas, como dois pólos do circuito elétrico aos dois termos do sexo. Assim como a história possui os seus períodos românticos e clássicos, a política as suas formas de democracia e totalitarismo, assim também é que o Capitalismo e Comunismo devem ser encarados. O primeiro é produtor, logo armazenador e conservador, estribando-se na riqueza e no bem-estar material. O segundo é revolucionário, logo expansionista e guerreiro, baseando-se na conquista e na idéia. Eles lutam hoje como o macho e a fêmea no amor, acreditando como estes poder impor o seu próprio eu, para a própria e exclusiva vitória. Mas o terceiro elemento, o filho, que nascerá desse encontro, não será exatamente nem um nem outro, mas, ainda que se lhes assemelhe, será apenas ele. E para a sua gênese o que será mais necessário: o macho ou a fêmea? A vida age sempre em toda a parte com os mesmos princípios.

Antigamente pobres e ricos viviam na mesma cidade. Hoje esta cidade é o mundo, e como todos os pobres se uniram, o mesmo fizeram os ricos. Assim o mundo se dividiu em dois. A Rússia, que é pobre; fez-se mãe de todos os pobres e está abraçando a China, que também é pobre, em uma ideologia que justifique a todos. A América, que é rica, fez-se mãe dos ricos e está abraçando a Europa que até ontem pertencia a casta dos ricos. Se no passado todo pobre pedia esmola ou pretendia extorqui-la ao rico a força, cada um cuidando de si mesmo, sem pensar em outro pobre, e cada rico dava isoladamente, hoje em conseqüência da atuação do princípio das grandes unidades, o mesmo gesto de um de uma parte ou de outra, é repetido em grandes massas. Hoje não é mais um pobre ou um grupo deles, mas é uma metade do mundo que pede e impõe justiça econômica a outra metade. A realização do princípio das grandes unidades, ao qual o progresso nos conduziu, nos faz alcançar a unificação em todos os campos, começando pelo econômico.


Pietro Ubaldi 
Livro: Ascensões Humanas, Cap. 3


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