ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

Para os interessados em Filosofia, Ciência, Religião, Espiritismo e afins, o Acervo Virtual Huberto Rohden & Pietro Ubaldi é um blog sem fins lucrativos que disponibiliza uma excelente coletânea de livros, filmes, palestras em áudios e vídeos para o enriquecimento intelectual e moral dos aprendizes sinceros. Todos disponíveis para downloads gratuitos. Cursos, por exemplo, dos professores Huberto Rohden e Pietro Ubaldi estão transcritos para uma melhor absorção de suas exposições filosóficas pois, para todo estudante de boa vontade, são fontes vivas para o esclarecimento e aprofundamento integral. Oásis seguro para uma compreensão universal e imparcial! Não deixe de conhecer, ler, escutar, curtir, e compartilhar conosco suas observações. Bom Estudo!

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sábado, 4 de dezembro de 2021

Incubação e eclosão artísticas

Comentário(s)

Era uma vez duas galinhas; ambas estavam encubando uma ninhada de ovos. Uma era empírica-analítica, a outra intuitivametafísica.

 No fim do terceiro dia, a galinha analítica – que vamos chamar simplesmente Análise – deu um profundo suspiro e disse à sua colega intuitiva – a que daremos o nome de Intuição:

 – Você acha que há vida nesses ovos?
– Acho que sim – respondeu a outra.
– Você é muito crédula – volveu a primeira.
– Há três dias e três noites que estou escutando e não percebo nenhum ruído, nenhum movimento no interior dessas cascas brancas.
– Hum! – fez Intuição, dando ligeiro muxoxo com o bico.
– Pelos modos, você pensa que vida é ruído e movimento...
– Penso muito; você tem razão; e você parece pensar pouco.
– Que é que você pensa? - Se vida não é ruído e movimento, então não é nada mesmo. Acho que estamos perdendo o nosso tempo e as nossas forças, chocando cascas mortas, cheias de nada e de vácuo. Penso muito, muito, muito...
– Cheios de nada e de vácuo? Que palavras estapafúrdias são essas?...
– São termos da minha filosofia empírica intelectual...

Houve momento de silêncio entre as duas galináceas. Quase que não se ouvia, no meio desse silêncio, a força do pensamento de Análise e a grande paciência de Intuição. Finalmente, dando outro suspiro prolongado e meio pessimista, disse Análise:

– Estou emagrecendo...Também não é pra menos... Há três dias e três noites que estou com 39 graus de febre... que coisa estúpida é essa incubação...
– Essa febre é necessária.
– observou Intuição.
– Necessária para quê?
– Para despertar a vida dormente nos ovos.
– Vida dormente? Vida dormente?...
– e a incrédula deu uma gargalhada de escárnio.
– Como se houvesse tal coisa. Vida que dorme não é vida... Não, não aguento mais. Eu sou uma galinha intelectual, científica, galinha que pensa. Não nenhuma galinha-morta que creia em vida dormente, vida sem vida. Sou uma pensadora empírica...Penso muito, muito, muito...Metafísica não é comigo...

Isto dizendo, a galinha analítica quebrou um dos seus ovos com a ponta do bico e derramou o conteúdo pelas palhas do ninho.

– Está vendo? Está vendo?
– exclamou triunfante.
– Nem vestígio de vida. Tudo é clara e gema morta, sem movimento... Minha amiga, você é vítima de uma crença absurda. Acabe com essa mistificação! Acabe com essa febre maluca! Vá ciscar minhoca gostosa!...

Com essas palavras D. Análise saltou do ninho e se afastou às pressas, deixando a colega sozinha na penumbra do galinheiro, prosseguindo na enfadonha incubação.

Passaram-se mais dezoito dias, depois desse colóquio. Exatamente no 21º dia, a contar do início da incubação, deparou Análise com um bando de pintinhos, que pareciam outras tantas bolas macias de veludo e creme. E, no meio dos pequeninos, Intuição, a ciscar valentemente chamando com um alviçareiro glu-glu-glu toda vez que encontrava um suculento petisco para a dileta prole. Os pintinhos acudiam pressurosos, mas só engoliam o biscato depois que a mãe tomava no bico e jogava no chão, gesto que, em linguagem galinácea, quer dizer: “É comestível! Não é veneno!”...

– Onde foi você arranjar esse bando de pintinhos?
– perguntou Análise cheia de surpresa. - São meus filhos
– respondeu a outra, continuando a ciscar.
– Saíram dos meus ovos; doze, não gorou um só...
– Uééé!
– fez a outra, entre pensativa e incrédula.
– Então, havia mesmo vida naquelas cascas brancas? Penso muito...
– Vida potencial, que se fez vida atual pela incubação
– replicou a outra, enquanto descobria mais uma minhoca gorda na terra úmida.
– Você não teve fé no invisível; destruiu com sua profanidade a sacralidade da vida dormente...

E houve um grande silêncio em derredor...

(Fonte: ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte. São Paulo: Martin Claret, 2008.)




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