Teilhard de Chardin nasceu na França em 1891. Cientista (paleontólogo e geólogo), filósofo e teólogo e, sobretudo, místico, entrou na Companhia de Jesus em l899. Participou de expedições científicas importantes e abriu o campo de sua pesquisa científica ao debate cosmológico e teológico. Dada sua elevada mística alegro-me em oferecer aos leitores deste blog o texto redigido em 1923, quando se encontrava no deserto de Ordos, no interior da China. Não podendo celebrar a Eucaristia, redigiu assim:
A MISSA SOBRE O MUNDO – OFERTÓRIO
“Sendo que uma vez mais, Senhor, não já nas florestas do Ainse, mas nas estepes da Ásia, encontro-me sem pão, sem vinho e sem altar, elevar-me-ei para além dos símbolos até à pura Majestade Real, e vos ofertarei, eu vosso sacerdote, sobre o altar de toda a Terra, o trabalho e o sofrimento do Mundo.
Lá no fundo, o sol vai iluminando as últimas dobras do primeiro Oriente. Sob o véu trêmulo dos seus fogos, a face viva da Terra desperta, estremece e dá início ao seu portentoso trabalho. Colocarei, Senhor, sobre minha patena a messe esperada desse novo esforço. Derramarei em meu cálice a seiva de todos os frutos que serão hoje triturados.
Meu cálice e minha patena são as profundezas de uma alma largamente aberta a todas aquelas forças que, dentro em breve, irromperão de todos os pontos do Globo, convergirão ao Espírito. Que se unam, pois, a lembrança e a mística presença de todos aqueles que a luz arranca ao sono para um novo dia!
Um a um, Senhor, eu os individualizo e amo a esses que me destes como arrimo e como encantamento natural de minha existência, igualmente enumerando cada um dos membros desta outra e tão querida família, que, pouco a pouco, se foi constituindo ao meu redor, a partir dos mais dessemelhantes elementos, das afinidades do coração, da pesquisa científica e do pensamento. Mais confusamente, mas sem esquecer ninguém, eu evoco todos aqueles que se bando anônimo formam a massa incontável dos vivos: os que me cercam e suportam, embora desconhecidos; os que chegam e os que partem; de modo particular, aqueles que na verdade ou pelo erro, junto à escrivaninha, laboratório ou fábrica, acreditam no progresso das coisas e hoje buscarão apaixonadamente a Luz.
Esta multidão agitada, inquieta ou variada, cujo número nos apavora, este Oceano humano, cujo vaivém lento e monótono faz nascer a dúvida no coração mais crente, quero que, neste instante, meu ser harmonize com seu profundo rumorejar.
Tudo quanto, no Mundo, no decurso deste dia, tudo o que decrescer, o que vai morrer, também aquilo, Senhor, que me esforço por enfeixar em mim, para vô-lo encaminhar: eis a matéria do meu sacrifício, o único que desejais.
Outrora, conduziam ao vosso templo as primícias das colheitas e a flor dos rebanhos. A oferenda que realmente esperais, aquela de que tendes misteriosamente necessidade, cada dia, para saciar a vossa fome, para extinguir vossa sede, é o desenvolvimento do Mundo na sua transformação universal.
Recebei, Senhor, esta Hóstia total, que a Criação emocionada ao vosso encanto, vos apresenta nesta nova aurora. Este pão, fruto de nosso esforço, por si mesmo, bem sei, nada mais é que uma imensa desagregação.
Este vinho, nossa dor, nada mais é, infelizmente, que bebida dissolvente. Mas no fundo dessa massa informe, colocastes – tenho certeza, pois o sinto – um irresistível e santificador desejo que nos leva a gritar, desde o ímpio crente: “Senhor, fazei-nos um”.
Na falta do zelo espiritual e da sublime pureza dos vossos Santos, dotastes-me de uma simpatia irresistível por tudo aquilo que se move na matéria obscura – porque irremediavelmente, descubro em mim, mais do que um filho do céu, um filho da Terra – subirei, por isso, nesta manhã, em pensamento, às alturas, carregando com as esperanças e misérias de minha mãe: e ali – na força de um sacerdócio que eu creio só vós me entregastes – por sobre tudo aquilo que na carne humana está prestes a nascer ou perecer, sob o sol que nasce eu chamarei fogo”.
Teilhard de Chardin
Teilhard de Chardin