A personalidade de
Pietro Ubaldi
Este artigo foi publicado nas revistas: Constancia -
Buenos Aires, de 1º de junho a 16 de novembro de 1949 — La Idea — Buenos
Aires, outubro e novembro de 1948. Estudos Psíquicos – Lisboa,
de março a julho de 1948.
Certo dia de
outubro de 1945, num modesto restaurante de Gúbio, encontramos pela primeira
vez Pietro Ubaldi. Foi um dia inesquecível, um daqueles que parecem amadurecer
o destino de um homem. Acháramos o amigo da alma, a luz procurada por toda a
existência.
Com a mente educada
na ciência e na filosofia, dotados de temperamento racional e místico ao mesmo
tempo, rebeldes a qualquer imposição ideológica, não podíamos aceitar uma fé
religiosa dogmática, porque a isto se rebelava nossa consciência. Pedíamos
inutilmente à ciência e à filosofia nos dissessem a verdade, mas nosso grito
perdia-se em infinitos labirintos e becos sem saída; sangrava a alma em estrada
sem objetivo. Aproximava-se o desespero. Tínhamos vago pressentimento de que
um dia acharíamos a luz da verdade, mas não sabíamos quando nem donde viria.
Sentíamos, no entanto, que só a ciência poderia dar-nos resposta e não nos
enganamos. Através da ciência, Pietro Ubaldi guiou nossa mente à verdade,
lançou um raio de luz nas trevas e nossos olhos extasiados enxergaram. Entrava
em nossa mente aquela luz que tanto buscáramos, descia em nosso coração a paz
para a qual dolorosamente estendíamos os braços há longos anos.
*
* *
Feita esta
premissa, seja-nos permitido dizer algo sobre Pietro Ubaldi. Perdoe-nos ele se
nossa palavra não for adequada e perdoe-nos o leitor se nossa linguagem for
insuficiente para sua mente e seu coração. Particularmente difícil é o assunto
que nos propomos tratar, sobretudo porque rebelde às palavras comuns. De qualquer
forma, pode o leitor ficar certo de que tudo o que diremos deriva de profunda
convicção pessoal, e que portanto, ainda que não seja aceita, ao menos deve ser
respeitada. Neste trabalho, falaremos da personalidade de Pietro Ubaldi,
diremos tudo o que sabemos e pensamos dele. Cremos útil para conhecimento
objetivo deste homem, que é pouco compreendido. Julgamos poucos terem colocado
Ubaldi, até aqui, na posição que lhe cabe. Esperamos fazer-nos compreendidos
por quem deseja ver a personalidade de Pietro Ubaldi em sua verdadeira luz.
Com essa expectativa e esse propósito, entramos no assunto.
Quem é Pietro
Ubaldi? Há quem o defina um santo, outros um médium, alguns um gênio, outros
ainda um visionário. Fisicamente é alto, fronte muito desenvolvida, algo
encurvado, atitude humilde e austera, expressão doce e triste, olhar vivo e
penetrante. Homem que, para seguir o ideal evangélico nas pegadas de Cristo,
renunciou a todos os bens econômicos, que a sorte lhe concedera abundantes, e
vive de modesta renda proveniente do ensino da língua inglesa no ginásio de
Gúbio. Passa os dias no trabalho e na meditação, na renúncia quase completa a
todas as alegrias terrenas. Escreve muito. Prova-o sua copiosa produção
literária. Temperamento profundamente místico desde tenra idade, dos místicos
se diferencia pelo caráter próprio de racionalista sem preconceitos,
rigorosamente objetivo. Pode afirmar-se ser sua exaltação mística do mesmo grau
de sua potência racional. Nele, misticismo e racionalismo, ao invés de
excluírem-se, completam-se e se vivificam mutuamente. Tem poucos amigos, vive
vida prevalentemente solitária, mas não chega a ser misantropo. Alma doce e
tempestuosa a um tempo, temperamento irrequieto e voltado constantemente para
Deus, passa entre os homens sofrendo, dando-se todo a eles, na forma permitida
por sua natureza, para realizar o que julga ser sua missão.
Com isto, pouco
dele se diz. Notável contribuição para seu conhecimento é-nos dada por
sua obra: História de um homem, cujo protagonista é ele mesmo.
Mas essa obra é pouco romanceada, para podermos avaliá-lo bem. Não porque aí
seja velada a personalidade do autor, ou menos ainda, alterada, mas unicamente
porque descreve o fenômeno biológico da criatura sem subir às causas do
próprio fenômeno; e sem elas, este não pode explicar-se. As Noúres, A
Grande Síntese e a Ascese Mística, todas obras suas,
lançam porém muita luz sobre as causas e permitem individualizar muitos
aspectos da personalidade do autor. Mas o leitor dessas obras ver-se-á logo a
braços com nova e embaraçante dificuldade. A concepção científica e filosófica,
tal como é delineada por exemplo em A Grande Síntese, que sem
dúvida é a obra mais importante, é de tão grande alcance, que torna difícil o
enquadramento nela do autor e a interpretação do mesmo.
Tendo
como base essas obras, e servindo-nos de nosso conhecimento pessoal com o
autor, proporcionado por longa e profunda amizade e simbiose espiritual mútua,
esperamos tê-lo bem compreendido, e ele nos confortou respeitando nossas
convicções a seu respeito. É óbvio que, para interpretar a
personalidade de alguém, mister se torna enquadrá-la dentro de uma concepção
ideológica séria e aceitável, a fim de que sua interpretação seja lógica. Tudo
isso tem importância fundamental, porque a personalidade estudada adquire valor
muito diverso de acordo com o sistema ideal em que seja enquadrada. Já que as
concepções humanas da verdade são infelizmente disparatadas e mais ou menos
limitadas, as definições que do estudado se podem dar, podem ser várias. A
concepção dos ignorantes e presunçosos pode defini-lo um louco; a concepção
cristã-católica, um herege condenável; a ciência experimental um indivíduo
interessante para estudos de psicanálise; e outras finalmente um gênio, um
santo, ou um visionário.
Estudá-lo-emos à
luz da concepção geral de A Grande Síntese e dos poucos, mas
seguros bruxuleios, que se nos oferece a ciência. Como toda a ciência moderna
experimental é acolhida em A Grande Síntese, o julgamento mais
amplo e cabal será dado com base na concepção ideológica dessa obra. À luz da
ciência diremos apenas o que nos for dado dizer, pois nessa estrada não se pode
necessariamente esgotar o assunto. Julgamos razoável caminhar nessas duas
estradas, porque estamos persuadidos de que são as mais seguras, por estarem
iluminadas pela mais viva luz, e porque abertas para horizontes sem limites.
Rapidamente mostraremos as razões, persuadidas de que o leitor só poderá
compreendê-las por si quando, para além da letra, tiver penetrado o espírito
de A Grande Síntese. Dela não falaremos por ser de natureza
que não se pode explicar e muito menos resumir. Diremos apenas que nela achamos
uma concepção da verdade que satisfaz plenamente a razão e o coração,
concepção que na Terra nem a ciência, nem a filosofia, nem a religião destroem.
Nela, cada aspecto do pensamento humano acha seu lugar no plano que lhe
compete. O conjunto resulta harmônico, lógico, perfeito, indestrutível. Se
fosse possível criar uma linguagem em que cada conceito correspondesse a uma
palavra apenas e vice-versa e se se compreendesse que só no absoluto existe
uma verdade absoluta, — ao passo que no relativo em que necessariamente
vivemos só existem verdades relativas e progressivas — se com segurança se
compreendesse tudo isso, seria fácil perceber que o erro é uma verdade parcial
e muito freqüentemente um equívoco. Se cada palavra contida em A Grande
Síntese fosse interpretada em seu verdadeiro sentido, todos ficariam
persuadidos, como nós. Os homens não se entendem, especialmente porque falam
linguagens diferentes, ou seja, conceitos muitas vezes diversos são expressos
com a mesma palavra. Todos sabemos pronunciar a palavra DEUS; mas o conceito é
diversíssimo, conforme saia da boca de um místico ou de um involuído. O que
deste conceito dissemos, pode aplicar-se a todos os outros, que constituem os
tijolos com que se constróem os edifícios filosóficos, religiosos e mesmo
científicos. Infelizmente não é possível realizar universal interpretação de
todos os conceitos, dada a impossibilidade de todos os homens realizarem os
conceitos em si mesmos, já que alguns só podem ser compreendidos à proporção
que o indivíduo for evoluindo. Por exemplo, o conceito de Deus, de um santo, só
pode ser compreendido por outro santo. Poderíamos continuar a discorrer, mas
talvez não seja necessário.
Voltando à A
Grande. Síntese, acrescentaremos que não é difícil experimentar essa
concepção, achá-la resistente e totalmente satisfatória, quer através da
análise como da síntese, seja pelas infinitas provas de dedução como de
indução. Muitos não se persuadirão, mas isso não admira; admiraria o
contrário. Nela não faltam lacunas e incertezas, mas de valor não substancial,
que não infirmam, pois, as linhas mestras da própria concepção e muito menos
as destroem. É uma concepção vital que traz luz à mente e paz
ao coração, que nada destrói mas tudo vivifica, porque é universal. De qualquer
forma, no fim deste estudo trataremos da personalidade de Ubaldi à luz da
ciência, embora pouco seja possível dizer, porque as conquistas da ciência são
muito limitadas.
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* *
Dito isso,
procuremos interpretar a personalidade de Ubaldi à luz da concepção geral
de A Grande Síntese. Mas antes é mister distinguir bem a
personalidade do escritor e a daquele "Eu" que fala em Grande
Síntese. A voz que troveja e repreende em A Grande Síntese não
é a voz de Pietro Ubaldi, mas a voz impessoal da Verdade. Desta voz, o
escritor foi apenas o receptor e o tradutor fiel e eficaz. Em outras
palavras, Ubaldi escreveu A Grande Síntese por força
inspirativa. Nas fases de máxima expansão de consciência, ele viu (intuiu) a
verdade em suas linhas mestras, perlustrou horizontes imensamente vastos e
traduziu no papel e com linguagem humana, conforme a dialética da razão também
humana, a verdade que vira. Traçou o quadro geral após a visão direta do
mesmo, assim como o artista reproduz e materializa a própria visão estética e
a torna acessível aos outros através de estímulos aptos a impressioná-los
pelos sentidos. Assim como a visão estética, se não fosse materializada na
obra de arte, desapareceria secretamente na mente do artista e nada dela se
escoaria para fora, igualmente a visão da verdade se teria apagado na mente de
Ubaldi, nada dela saberíamos, se ele mesmo a não tivesse materializado e
exteriorizado de tal maneira que a tornasse acessível à nossa mente.
Esforçou-se ele em achar a linguagem humana mais adequada à finalidade, e
julgou oportuno empregar a linguagem científica por ser a mais séria e
evoluída. Falou nessa linguagem e foi compreendido por muitos. Teve o
mérito de tornar acessível a muitos o que era privilégio de poucos iniciados,
revelou o que o ocultismo de todas as épocas e lugares conhecia, mas escondia.
Nada de novo disse, porque a verdade é una e indivisível. Compreendeu que a
mente humana saiu da menoridade e está em grau de olhar o mistério e
estudá-lo. Com efeito a ciência bate à porta dos mistérios e Ubaldi com sua
obra apresenta a chave à ciência.
Portanto, a função
biológica do escritor é muito importante. Mas, do mesmo modo e pela mesma razão
que os grandes artistas são compreendidos por poucos, assim Ubaldi até agora
foi insuficientemente e mal compreendido; foi sobretudo mal compreendido.
Claros e individualizáveis são os motivos. Sua concepção ou é compreendida em
suas linhas essenciais, ou não é absolutamente compreendida. Para compreender
suas linhas essenciais é necessário ter o preparo do homem de ciência e ao
mesmo tempo as faculdades psíquicas do místico. Sabem todos quão difícil é
encontrar em igual medida e de forma acentuada as duas qualidades. O místico
desconhece a ciência e o cientista não compreende e não aprecia o misticismo.
Pode dizer-se que os dois se repelem. Vive entre eles o mesmo contraste que
existe entre materialismo e espiritualismo, de que tanto se fala hoje com
convicção ou má fé, ou seja o contraste entre matéria e espírito.
Considerando-se bem, esse contraste, que cria entre os homens ódios e lutas por
vezes ferozes, deriva apenas da ignorância do próprio homem ou de seus
equívocos. Que matéria é essa que se dissolve nos laboratórios da ciência e que
espírito é esse inimigo da matéria? Cremos que esse contraste nasce apenas da
insuficiência da mente humana. Fala-se com efeito de matéria e de espírito sem
que se tenha o justo conceito de matéria e de espírito. É uma
luta absurda, porque nem existe a matéria nem o espírito, mas apenas a
substância, sobre cuja natureza ninguém sabe dizer a última palavra.
Infelizmente, porém, na mente dos homens se agita essa luta absurda que leva à
divisão também absurda dos ânimos, de que derivam as lutas visíveis sobretudo
em nossos tempos, com o que lucram apenas a desonestidade e a ignorância. É mister
destruir esse dualismo absurdo, e só então o cientista poderá levantar seu
olhar para o céu do misticismo a crer, e o místico poderá olhar para a ciência
com olhos fraternos; ambos abraçados, poderão suscitar com esse abraço de amor
a centelha divina que iluminará o mundo e ensinará aos homens seu grande
destino.
Só
então poderá o pensamento de Ubaldi ser compreendido em sua natureza íntima.
Tem muitos admiradores em todas as partes do mundo. Mas quantos o admiram
porque o compreenderam verdadeiramente? Ubaldi mesmo reconhece que
pouquíssimos o compreenderam de fato. Muitos fizeram dele uma idéia contrastante
com a realidade. Imaginam-no um semideus, enquanto é apenas um homem. Estes
provavelmente ficariam muito surpreendidos se o conhecessem pessoalmente, não
porque ele seja um homem de pouca valia, nada disso, mas porque incorreram no
erro de formarem dele um conceito fantástico e irreal. Tem períodos de depressão
psíquica, durante os quais sofre de modo inaudito. Toca a beatitude do êxtase
místico e o abismo da dor mais atroz, sai dos excelsos cumes da especulação da
mente e desce ao abismo da sufocação de consciência. Observamos nele o homem
dotado de poder psíquico gigantesco e o homem fraco. Jamais porém se observa
vulgaridade e muito menos imoralidade. Notamos que apresenta dúvidas e
incertezas que, no entanto, são resolvidas com absoluta clareza em A
Grande Síntese. Mais de uma vez convidamo-lo a esclarecer as próprias
dúvidas lendo suas obras, e muitas vezes o confortamos com o conforto que dele
recebêramos.
Mas, bem
considerado, isso não deveria admirar. Ele, como qualquer de nós, embora em
planos diferentes, não é nunca igual a si mesmo. Seu dinamismo biopsíquico é
cíclico, e portanto sujeito a fases espetaculares de subida e descida. Segue-se
daí que o mesmo acontece com suas faculdades conscientes, ou seja, intelectivas
e sentimentais. É um homem cuja personalidade está ligada à
Terra e ao céu ao mesmo tempo. Sua personalidade biopsíquica oscila, vibra,
segundo um movimento cíclico ondulatório, irregular, mas não casual. Em seu
eterno dinamismo, sobe e desce de acordo com uma trajetória cujo vértice
positivo está no plano místico e o negativo no plano humano. Sobe e desce de um
a outro plano passando, naturalmente, através de planos intermédios de que
falaremos.
Esse fenômeno não
deveria maravilhar ninguém, porque é comum à psique humana. Todos nós temos
estados de ânimo diferentes, períodos de sensibilidade e insensibilidade, de
otimismo e pessimismo, de expansão e compressão de consciência; não obstante,
estamos em ato ou em potência sempre iguais a nós mesmos. Ele difere de nós
unicamente por maior acentuação do fenômeno. A potencialidade biopsíquica dele
viveu, naturalmente, momentos diversos mesmo no passado, e os viverá no futuro.
Em sua presente vida conheceu momentos psíquicos diferentes. Começou com a
inconsciência da vida embrional, daí passando à fase de consciência média
normal, e aos poucos à mediúnica, à ultrafânica, e enfim à fase mística. No
atual período de sua vida, seu dinamismo biopsíquico oscila da fase de
consciência normal à de consciência mística. Concluindo, a evolução
biopsíquica de Ubaldi é caracterizada por uma trajetória progressiva
ondulatória. Trajetória análoga, ainda que em proporção diversa, caracteriza o
dinamismo biopsíquico da generalidade dos homens.
Dissemos que
Ubaldi, em seu dinamismo biopsíquico oscila entre o plano biopsíquico humano
normal e o plano biopsíquico místico, atravessando os planos intermédios. Agora
diremos que sensações ele experimenta nos diversos planos de consciência e
quais são suas manifestações externas. Comecemos da fase mística. É a
fase de máxima expansão da consciência. Dura pouco, porque se durasse muito
tempo, o mataria fisicamente. É um estado de suprema
beatitude, de suprema consciência e de supremo amor. O organismo físico
permanece ausente da consciência dele, mas sofre as conseqüências do formidável
desequilíbrio que se produz em tais momentos entre ele e o organismo psíquico.
E como se fora imerso numa chama que o queima sem dor, mas que o consome.
Segue-se daí que, atingido o esforço limite, ele rui e em seu desmoronamento
arrasta consigo o organismo psíquico, porque o organismo psíquico e o
organismo físico representam respectivamente o pólo positivo e o pólo negativo
do organismo humano, os quais devem coexistir em complementaridade harmônica.
Na fase mística, o organismo físico sofre e se adapta, em virtude de sua
notável elasticidade, à extrema tensão psíquica. Mas, atingidos seus limites
extremos de elasticidade, reage violentamente e rui, arrastando consigo o
organismo psíquico. Portanto, os momentos místicos são breves, mas de
intensidade máxima. Esses momentos são possíveis apenas em condições de
quietude, de recolhimento e isolamento. Deles, ele sai fisicamente esgotado e
se precipita nos planos mais baixos de consciência. Não pudemos observar
pessoalmente o escritor em seus momentos místicos e portanto não estamos em
condições de dizer mais do que isso.
Na fase de
ultrafania, Ubaldi apresenta excepcional sensibilidade e potência de gênio.
Tem a visão direta e consciente da verdade, participa intimamente da vida do
universo e sua consciência dilata-se em horizontes sem limites. Desses
momentos inspirativos saiu, de jato, A Grande Síntese. Nos
momentos de inspiração ou de ultrafania, e sobretudo nos místicos, a natureza
humana de Ubaldi acha-se superada. De humano, sobrevivem apenas as funções
reduzidas do organismo físico, que, obviamente, não pode subtrair-se de todo às
leis que o governam. O organismo físico acompanha dolorosamente o organismo psíquico,
e, em certos momentos de esforço máximo, parece esfacelar-se. Isto não ocorre
nem pode ocorrer, pela razão que, atingidos os limites extremos de resistência,
ele reage automaticamente e cede, arrastando consigo o organismo psíquico,
analogamente ao que ocorre na fase mística.
Nestas fases
realiza-se a maior e mais elevada produção literária ubaldiana. Nestas fases o
organismo físico sofre esforços e conturbações verdadeiramente apocalípticos, e
em certos momentos tudo parece desmoronar e incinerar-se. Isso não ocorre pela
automática auto-regulação de que falamos. A sua produção literária nasce
prevalentemente nesses momentos e representa um parto muito doloroso. As
páginas de seus livros são pedaços de carne, são escritos com seu sangue, são
momentos de vida vivida em grandeza e dor excepcionais. Nem sempre ele escreve
nesses momentos particulares, porque às vezes suas condições psíquicas não lhe
permitem escrever. Freqüentemente confia à pena a lembrança fiel de uma visão
precedente. Indispensável acrescentar que, no âmbito dessa fase, sua
consciência não se mantém estática, mas está sujeita a flutuações mais ou
menos intensas, pelo que ele vê em lampejos e não continuamente. Atravessa
momentos de máxima exaltação e momentos de repouso. Nem poderia ser
diversamente, por que a economia biológica o impõe. Naturalmente ele também não
pode subtrair-se de todo à influência do ambiente, que age sobre ele, embora em
medida e com efeitos mais limitados do que normalmente. Basta então um momento
ocasional, ainda que mínimo, para suscitar ou para acelerar nele um determinado
estado de consciência, porque, às vezes, basta uma leve força externa para completar
maturações íntimas adiantadas.
Da fase de
ultrafania, por processo natural de compressão de consciência, Ubaldi desce à
fase "de mediunidade", onde adquire as faculdades próprias do médium.
Não tivemos ocasião de observar pessoalmente nele essa fase e por isso não
estamos em condições de ilustrar convenientemente suas manifestações específicas
mediúnicas. Não obstante, cremos poder afirmar que pertencem à ordem dos
fenômenos mediúnicos normais, a respeito dos quais está à disposição do leitor
uma literatura copiosa e com os quais se ocupa seriamente uma nova ciência, a
metapsíquica. Resta-nos apenas salientar que as faculdades mediúnicas são
contidas e disciplinadas pelo equilíbrio e pela superioridade moral do próprio
Ubaldi e que, de qualquer forma, elas são um estado biopsíquico de breve
duração e estranha, como veremos, à característica biológica predominante de
Ubaldi. Não nos delongaremos neste argumento, mesmo que pareça a muitos
leitores ser o mais sugestivo, primeiro porque nada temos que acrescentar de
novo ao que já se conhece dos fenômenos de mediunidade, e porque, como
dissemos, não tivemos a possibilidade de fazer observações pessoais e
particularizadas neste assunto. A personalidade gigantesca psíquica e o
equilíbrio superior intelectual e moral de Ubaldi não o consentem; doutra
parte, exibir essas faculdades seria atrair a vulgar e patológica curiosidade
do público. Tudo isso pode adaptar-se a um médium de salão, não convém
certamente à figura gigantesca de Ubaldi.
Do estado de
mediunidade, por ulterior compressão de consciência, conseqüente de diminuição
de potencial biopsíquico, ele desce ao estado próprio à generalidade dos
homens. Nesse estado, personifica sucessivamente os tipos biopsíquicos humanos
que, em progressão regressiva unem o plano biológico mediúnico ao biológico
médio normal humano. Adquire, por isso, primeiro, as características e
manifestações do homem de gênio, ou seja, notável poder racional puramente
humano, vivacidade de inteligência, a que se seguem características menos
pronunciadas, isto é, menor potência racional e intelectiva. E assim,
gradativamente descendo chega a adquirir as capacidades intelectivas do homem
médio normal. Não nos consta tenha ele jamais descido abaixo desta última.
Importa acrescentar
que tudo o que dissemos se refere unicamente ao potencial biopsíquico ou de
consciência. No que diz respeito ao estado afetivo e sentimental, ou seja, a
seu estado de felicidade ou de dor, a coisa se passa diferentemente. Com
efeito, ao dizermos que, no plano humano Ubaldi apresenta faculdades racionais
e intelectivas puramente humanas, não significando que experimente estado de
ânimo próprio da generalidade dos homens normais. Grave erro seria supô-lo,
erro que impossibilitaria uma avaliação realística do mesmo. Quem compreende
perfeitamente o fenômeno biológico que ele vive, chegaria por si às mesmas
conclusões. O estado de felicidade e infelicidade, de alegria e dor, próprio a
cada ser humano, tem causa em sua relatividade. É universalmente
sabido que a dor deriva de necessidade insatisfeita, bem como a necessidade só
surge da experiência. Quando uma experiência agradável falta em nosso ânimo,
nasce a necessidade de repetição da mesma. Essa necessidade insatisfeita é, por
sua vez, causa de sofrimento. Por exemplo, quem experimentou o prazer de vida
cômoda e abastada, sofre quando perde a comodidade e a abastança. Muito menos
sofre quem não fez essas experiências, ou mesmo nada sofre. Igualmente, quem
experimentou as alegrias do afeto humano, sofre quando este lhe falta. Menos
ou nada sofre quem nunca os experimentou. Citamos dois exemplos, mas poderíamos
continuar indefinidamente.
Dito isto, que
dizer de quem experimentou a felicidade suprema, isto é, o êxtase místico?
Evidentemente nenhuma outra experiência pode proporcionar felicidade tão grande
e daí se deduz que, quem experimentou essa suprema felicidade, está condenado a
não achar felicidade em mais coisa alguma. Quem viu, por um instante sequer, o
Paraíso, jamais poderá esquecê-lo e procurará sempre revê-lo. Compreende-se,
portanto, que Ubaldi jamais poderá saborear as alegrias desta Terra. Só é feliz
quando vive no plano místico. No plano ultrafânico é parcialmente infeliz;
aumenta sua infelicidade no plano mediúnico e se torna máxima no plano humano
normal. E como os momentos místicos, únicos capazes de fazê-lo feliz, são de
duração breve, segue-se que ele vive prevalentemente na dor. Ele paga a visão
fugaz do paraíso, com longas e persistentes fases de profunda dor que mantém em
ebulição todo o seu ser. Esta sua dor imensa é, por sua vez, causa de sua
progressiva catarse espiritual, catarse que o leva cada vez mais para ulterior
superação de si mesmo. Está, pois, destinado à dor, cortou as pontes atrás de
si, e não mais pode tornar a viver nesta Terra nem obedecer às leis biológicas
que a governam. Está suspenso entre o céu e a Terra. O paraíso
apresenta-se-lhe só por instantes fugazes, a Terra lhe é inóspita. Drama
tremendo e grandioso ao mesmo tempo. Ele vive sua suprema ventura biológica.
Chegado à
profundidade da fase humana, após período mais ou menos longo de dor, a onda biológica
de Ubaldi se inverte e retoma seu ciclo ascendente. Ele regressa aos primeiros
planos donde descera, reproduzindo o fenômeno biológico idêntico e inverso ao
descrito. Qual a íntima razão biológica de tudo isso? Não a conhecemos.
Indubitavelmente isto se relaciona com as leis que governam a evolução nos
planos biológicos supranormais, e difícil é percebê-las com clareza. Julgamos
que as fases de depressão de seu dinamismo biológico sejam um êxtase, após a
expansão, uma contração necessária para a consolidação de seu organismo físico
e psíquico, em novo equilíbrio de forças, através das íntimas reações
biológicas, ligadas às funções de trocas, portanto, fenômeno comparável ao
cansaço que se segue a um estado de intenso trabalho, que impõe ao organismo o
estado de repouso e que, ao mesmo tempo, determina o refazimento dos órgãos
que trabalharam. Tratar-se-ia então de um trabalho involuntário, que se
desenrola na intimidade do organismo físico-psíquico para consolidar um
equilíbrio biológico mais elevado. O organismo psíquico se consolidaria numa
fase biológica mais adiantada e, o organismo físico se harmonizaria com este,
desmaterializando-se e fixando-se em estado evoluído mais avançado. Parece que
o fenômeno semelhante nos seja dado observar nas funções físicas e psíquicas da
biologia do homem normal. Nem doutro modo poderia ser, pois a lei que governa a
vida dos homens é una, universal e necessária.
É mister observar ainda que, superado o vértice
negativo da onda biológica, Ubaldi sobe mais forte e mais seguro, conquista
mais luminoso estado de consciência e volta novamente à visão da verdade.
Retoma o dinamismo biológico que lhe é próprio, atingindo com menor esforço
possibilidades superiores às que antes alcançara. Indispensável agora precisar
o que entendemos por visão da verdade. O vidente não vê a verdade com os
sentidos humanos normais, mas com a percepção extrasensorial, ou seja, a vê
dentro de si, sintonizando o próprio EU psíquico com a própria verdade,
mediante um sexto sentido que a evolução nele criou. Considerando o organismo
humano um aparelho receptor, pode dizer-se que o organismo de Ubaldi é um
aparelho mais aperfeiçoado, mais sensível, isto é, apto a perceber sensações
que, por sua natureza, um aparelho normal não pode perceber. O aperfeiçoamento
dos sentidos humanos está em relação com as necessidades biológicas
correspondentes ao plano evolutivo e ao ambiente próprio de cada plano. Sabe-se
que o ambiente e a função criam o órgão: é lei universal e portanto vale também
para o ser que estudamos. Resulta que, exercitando ele uma atividade biológica
precipuamente psíquica, própria dos planos biológicos supranormais, e tendo-se
subtraído à influência do ambiente propriamente humano, participando de um
ambiente super-humano, conquistou diversas características e possibilidades
biológicas diversas das nossas. As suas características biológicas
harmonizam-se, portanto, com as leis da natureza e nelas têm sua justificação e
explicação. Então, durante a fase de expansão da consciência quando os centros
psíquicos estão em função, ele tem percepções extrasensoriais da verdade,
nela se funde em simbiose mútua, que se vai tornando aos poucos de facultativa
em obrigatória. Vive em harmonia com a lei universal, isto é, com o pensamento de
Deus, supera a própria natureza humana e realiza uma natureza super-humana.
Vive uma realidade que não pode ser compreendida por homens normais, nem
expressa pela linguagem comum. Análogo a isto é o que ocorre aos cegos de
nascença, que não podem compreender a natureza das diversas cores, por mais que
lhes sejam descritas.
O
fenômeno biológico vivido pelo nosso estudado é indubitavelmente muito
interessante e revela-nos até que ponto pode avançar o poder psíquico. A
Grande Síntese foi escrita de jato, sem que o autor possuísse adequada
preparação científica. Pode parecer um prodígio, mas é apenas um fenômeno
natural, ainda que raro; é a realização de uma possibilidade humana normal. Não
há prodígios na natureza, mas existe uma lei biológica de que apenas
conhecemos. pequena parte. Ilimitadas são as possibilidades da ascensão
humana, a força que as gera é aquela centelha divina que arde em cada um de
nós, os motores são a dor e o amor. É necessária a força
corrosiva da dor para quebrar o invólucro que nos mantém prisioneiros, assim
como o fogo do amor para fundir a enorme couraça que nos separa da verdade.
Rasgam-se os véus do mistério só pelo mágico toque do amor, e vão seria agir
diversamente. Característica peculiar dos produtos mais elevados da evolução
humana é, com efeito, a nota dominante do amor, de um amor sobre-humano e
ilimitado. Essa é a característica fundamental de nosso estudado. Amor e dor
são a inesgotável fonte de sua grandeza.
Dito
isso, compreende-se que seu poder intelectivo e vital está caracterizado por
notáveis variações e que as experiências que o interessam são de natureza
diversa e contrastam entre si vivamente. É fácil imaginar que
desse contraste se origina um complexo de ações e reações psíquicas e físicas
que o mantêm em estado de perene dinamismo, motivo de evolução e razão de
alegrias sobre-humanas e de sobre-humanos sofrimentos. Compreende-se ainda
quanto sofre ele no plano humano, quando sua consciência experimenta
participações medonhas. Não admira que em tal estado de consciência, ele
duvide, que se considere estranho à verdade vista e descrita; não admira que
seja atormentado por incertezas, incorra em erros e despreze a si mesmo. Tudo
isso pode parecer desequilíbrio patológico. Na realidade, é desequilíbrio, mas
criativo, porque sua personalidade o compreende, o enquadra e o domina, e dele
se serve para a própria subida. Demonstra-o sua autocrítica, serena e sincera.
Percebe-se
ainda que, dada a particular excepcionalidade do drama, bem dificilmente pode
Ubaldi receber válido auxílio dos homens. Estes não o compreendem nem o podem,
porque a compreensão só é possível entre os semelhantes, e ele é muito diferente
de todos. Ubaldi vive uma vida que os outros desconhecem e deve amadurecer
sozinho sua grande aventura. Entrou só nesse atalho árduo, cujo objetivo é uma
vida maior. Cortou as pontes atrás de si e não pode voltar. Seu único conforto
são entidades superiores, e a elas estende ele dolorosamente os braços. A visão
de Cristo sustenta-o no esforço sobre-humano. Poucos homens o compreendem,
ainda que muitos o exaltem, e só os primeiros podem trazer-lhe um pouco de
refrigério à sua grande paixão. Os segundos, com sua exaltação inconsiderada,
muito freqüentemente lhe fazem mal.
Ilustrado
o fenômeno cíclico da vida de Ubaldi, aparecem lógicas e justificadas todas as
manifestações de sua personalidade. Erros, dúvidas, incertezas, gênio,
mediunidade, ultrafania, vertiginosas ascensões místicas, santidade, tudo isso
constitui o conteúdo do caso biológico de Ubaldi, assim como sentimentos,
possibilidades intelectuais e volitivas diversas, constituem a personalidade
de cada um de nós. Se observarmos objetivamente e de perto a vida até dos
grandes homens que a humanidade venera e coloca nos altares, mesmo neles
achamos também grandes e pequenas coisas. Segue-se que, por causa das múltiplas
e contrastantes manifestações de sua personalidade, nosso estudado pode
parecer, conforme o aspecto em que seja considerado, um santo, um gênio, um médium,
um homem normal ou um doente mental. Pode, pois, inspirar admiração,
amor, ou compaixão. Essas definições estarão certas se as olharmos em seu
conjunto. Então, quando quisermos fazer um juízo sintético e realístico de
Ubaldi, precisamos considerar suas múltiplas e contrastantes manifestações, sem
considerar o tempo de cada uma delas. Só assim teremos uma visão objetiva e
sintética dele. Fora disso nos perderíamos num labirinto do qual seria muito
difícil sair. Julgá-lo-emos, pois, em função de todos os seus atributos, ou
melhor, segundo a soma algébrica, se assim podemos dizê-lo, de seus valores
positivos e negativos. Não é fácil esse cômputo, inútil dizê-lo, sobretudo
porque é extremamente difícil estimar o valor biológico de cada qualidade, tratando-se
de avaliações muito incertas e totalmente subjetivas. Não obstante, tentaremos
uma apreciação desse gênero; ainda que não seja exata, será pelo menos
suficiente para orientar o julgamento num plano que se afaste o menos possível
da realidade. Esclareçamos que nossa apreciação se refere à sua personalidade
tal qual se apresenta no momento, sem nenhuma relação com o passado.
Dissemos que a
personalidade de Ubaldi oscila entre o plano normal e o plano místico. Acerca
deste, fazem prova as visões e estados de êxtase. Convenhamos que não existe
um plano místico, do qual se possa tratar em sentido bem definido e ao qual nos
possamos referir, pois, como ensinam as doutrinas esotéricas, existem muitos
planos místicos, sendo eles mesmos planos biológicos. Não estamos em grau de
estabelecer até que plano místico tenha Ubaldi subido, e portanto,
prudentemente, queremos supor que seu potencial biopsíquico possa erguer-se até
o primeiro plano místico. Aceita essa suposição, segue-se que sua
personalidade pode considerar-se oscilante entre o plano normal humano e o
primeiro plano místico. A distância entre esses dois planos, mesmo se não
podemos apreciá-la com segurança, é sem dúvida notável. Sabemos além disso, que
ele permanece no plano ultrafânico durante metade de seu tempo, ou seja, em um
ano, permanece seis meses em estado ultrafânico. Na outra metade de seu tempo
está em condições normais, mediúnicas e místicas. Não podemos precisar quanto
tempo permanece em cada uma dessas três fases. De qualquer forma, é certo que
as experiências místicas são de duração breve e de intensidade excepcional. Com
esses poucos elementos, é sem dúvida impossível deduzir conclusões precisas.
Aliás esta atividade biológica particular de Ubaldi não se presta a medidas e
análises mais minuciosas, pois embora possíveis, de pouco serviriam a nosso
objetivo, desde que os momentos biológicos têm valor próprio intrínseco, que
não pode ser apreciado pela medida do tempo. Poucos minutos de suprema tensão
mística têm um significado biológico que transcende qualquer apreciação humana
e não podem ser avaliados em confronto com os momentos de atividade biológica
normal.
Tudo considerado, cremos poder concluir que a atividade biológica do
"sujet" transcende a atividade biológica do homem normal. Além disso,
julgamos não ser arriscado afirmar que a evolução biológica da personalidade
estudada superou de modo notável o plano biológico próprio do homem normal, e
que, portanto, nos achamos diante de um caso interessante de homem supranormal.
Não estamos em condições de dizer com precisão até que ponto supera ele o plano
normal, mesmo porque não conhecemos a unidade relativa de medida, e não sabemos
— como talvez nem ele mesmo o saiba — a que grau de amadurecimento esteja ele
chegando. Para não incorrer em erros prováveis de avaliação, limitamo-nos,
pois, a definir Pietro Ubaldi como um tipo biológico super-humano.
Pietro Ubaldi é um
super-homem. Definir Pietro Ubaldi um super-homem talvez pareça arriscado.
Talvez alguns se escandalizem. Não é razoável, porém que isso aconteça, como o
não seria se disséssemos que o homem civilizado é um super-homem comparado ao
troglodita, ou que Fulano é mais evoluído que Sicrano. O super-homem não é um
ser privilegiado que surgiu prodigiosamente neste mundo, dotado de qualidades
e merecimentos excepcionais por concessão do Alto. É um homem,
apenas um homem, que em sua evolução precedeu os seus semelhantes, porque,
mais que eles, soube lutar e sofrer, ou, se os preferirem, pelas mesmas razões
que nos fizeram seres mais evoluídos que os selvagens. Ele pagou e paga
duramente o preço de sua superioridade. No altar da Divindade sacrificou sua
personalidade humana, para realizar a super-humana. Tem o que deu, nada mais,
porque a Lei é justa. Qualquer um de nós pode chegar onde ele chegou e superá-lo,
no curso de evolução individual. Todos podemos transformar-nos gradualmente em
santos e anjos, todos podemos realizar nossa natureza divina. Todos a
realizaremos, e então terá descido à Terra o Reino de Deus.
Tudo o que até
agora dissemos de P. Ubaldi só tem valor, naturalmente, enquanto não sejam
falsas suas manifestações externas. Se mentindo houvera, tudo quanto dele
dissemos automaticamente cairia, e quem julgamos um super-homem seria, ao
invés, o mais miserável dos homens. É possível que P. Ubaldi
nos tenha mentido? Decididamente o recusamos. Tudo dele se poderá pensar,
menos que tenha mentido toda a sua vida. Para atingir um ideal de vida
evangélica, voluntária e conscientemente abraçou uma vida que seria rejeitada
por qualquer homem normal nesta Terra. Aceitou uma vida de dor e sacrifício,
consumiu sua vida em nome de um ideal. Que aspiração puramente humana teria
podido impeli-lo até este ponto? Cremos que, qualquer coisa que dele se pense,
não se pode pôr em dúvida que ele seja um homem inteligente. Ora, como poderia
um homem inteligente abraçar uma vida de dor, só pelo gosto de mentir? Poderia
ter escrito tudo o que escreveu, se verdadeiramente não o tivesse sentido? A
dor arranca do rosto qualquer máscara; quem sofre não sabe mentir. De qualquer
modo, não seria racional levar a desconfiança até este ponto, mesmo porque não
há provas que autorizem uma suspeita, e ainda porque não basta negar uma
verdade para destruí-la.
*
* *
Passemos, agora, a
examinar sua personalidade à luz da razão normal e da ciência. Este é um método
de pesquisa particularmente seguro, mas de possibilidades muito limitadas.
Admitindo que a ciência aceita a evolução biológica de todos os seres vivos, é
mister, para avaliar o valor biológico de P. Ubaldi, estabelecer se ele pode
ser considerado um tipo biológico destinado a ser esmagado pela evolução, ou
para triunfar sobre ela. Tem isto importância fundamental. Aliás, nisto reside
todo o problema. Não é fácil apresentar uma resposta aceitável, por muitas e
óbvias razões, mas sobretudo porque atualmente é difícil, senão impossível,
conhecer as características biológicas do homem que será criado pela evolução.
De fato, não se pode saber a priori como será o homem do futuro, como há
séculos atrás não teria sido possível imaginar as características do homem do
século vinte. Tão pouco conhecido é o homem, tão obscuras as leis e causas da
evolução, que qualquer previsão teria sempre sabor pessoal e seria, portanto,
muito incerta. Nos organismos humanos há caracteres recônditos e forças
potenciais de que nenhuma pesquisa poderia hoje fazer o levantamento e a
interpretação. Possui a ciência formidável método de pesquisas, conquistou
posições soberbas, mas — mister é reconhecê-lo — ainda é criança, tem as
possibilidades de um infante, a quem pertence o futuro, mas que ainda está
relativamente inexperiente e às vezes, mesmo, teimosa. Defeitos da juventude
que o tempo liquidará, mas defeitos notáveis, especialmente quando se lhe pede
a explicação de problemas da natureza do que estamos estudando.
Dito isso, conclui-se que existem
raças e indivíduos que estão destinados a ser eliminados pela seleção da
evolução, porque são fracos, e outras raças e outros indivíduos que, ao
contrário, estão destinados a sobreviver, porque são dotados de superiores
possibilidades biológicas. Desde que as novas raças dominantes lentamente
surgem das raças pré-existentes, e do seio destas saem triunfantes por fenômeno
natural da seleção, é claro que em cada raça existem indivíduos de
possibilidade biológica superior e outros de potencialidade biológica inferior,
ou seja, que existem exemplares destinados a propagar-se, no futuro, e outros
destinados a desaparecer. A potencialidade biológica dos indivíduos que
constituem qualquer raça é, pois, muito diversa, e os próprios indivíduos, a
esse respeito, são distribuídos na raça de acordo com uma gama de valores
biológicos progressiva ou regressiva, como se queira chamá-la. Estudando estatisticamente
o fenômeno pode observar-se, além disso, que em cada raça existe um grupo muito
numeroso de indivíduos dotados de características biológicas médias e dois outros
pequenos grupos com caracteres opostos, porque de qualidade superior ou
inferior aos do grupo biológico médio. Os indivíduos pertencentes ao primeiro
grupo são os chamados normais, os componentes dos outros dois grupos,
anormais.
O que ficou dito
vale para as características morfológicas e as funcionais. Cremos, pois,
razoável estender a apreciação também pelo que diz respeito à potencialidade
biológica dos indivíduos. Mesmo sendo dificilmente apreciável e cognoscível a
potencialidade biológica dos exemplares de uma raça, acreditamos que,
analogamente ao que se observa nos caracteres morfológicos e funcionais, possa
afirmar-se que em cada raça, existe um grupo muito numeroso de indivíduos de
potencialidade biológica normal e dois pequenos grupos de potencialidade
biológica anormal, de valor oposto. Tudo isso teria de verificar-se necessariamente,
dada a relação de estreita interdependência que parece existir entre os caracteres
morfológicos e funcionais e os caracteres biológicos mais profundos, que
individuam cada personalidade. Sabemos todos que os indivíduos não sujeitos às
doenças e os em perene estado patológico são em pequeníssimo número, ao passo
que a grande maioria é constituída de pessoas que adoecem irregularmente.
Sabemos mais, que os indivíduos fortíssimos e os fraquíssimos são exígua
minoria, enquanto a grande maioria se compõe de indivíduos medianamente
robustos. Poucos são os gênios, os santos, os imbecis, e os delinqüentes,
numerosíssimos os medianamente bons e medianamente inteligentes. Análogo
fenômeno estatístico deve ser necessariamente encontrado também em relação com
a potencialidade biológica, na qual se exercita o trabalho seletivo que
realiza a evolução. A expressão gráfica do fenômeno é uma curva em forma de
sino, também chamada curva de Gauss.
Daí
se deduz que em cada raça existem três grupos de indivíduos, dos quais, um
pequeno, constituído por indivíduos dotados de baixo potencial biológico,
destinados a ser esmagados pela evolução e a extinguir-se; um segundo grande
grupo, constituído por indivíduos dotados de potencialidade biológica média,
destinados à conservação da raça; e enfim um terceiro pequeno grupo, dotado
de potencialidade biológica superior, e destinado a criar lentamente uma raça
superior, isto é, o produto da evolução. Verificado isso, deduz-se que os
pioneiros da evolução pertencem à anormalidade, ou seja, são anormais. Visto
que existe uma anormalidade positiva e uma negativa, resta-nos examinar quais
são as manifestações biológicas que caracterizam as duas anormalidades opostas.
Uma descrição de caráter geral seria quase impossível e não adiantaria nem à
clareza, nem à exatidão. Pois, seria mister descer à particularidade de cada
raça e de cada indivíduo, e aí fazer as próprias observações e apreciações. No
estado atual de conhecimento da matéria, cremos não seja possível agir doutra
forma.
Feita
esta necessária digressão de caráter geral, retomemos o estudo de nosso
"sujet". Não há dúvida de que as manifestações biológicas deste, e
de modo particular as psíquicas, pertencem à mais nítida anormalidade.
Achamo-nos, então, diante de uma criatura que representa o produto ou o refugo
da evolução. A qual das categorias pertence ele? Não é possível dar uma resposta
aceitável se antes não o analisarmos em todas as suas peculiares manifestações
biológicas. É o que agora tentamos fazer, por meio de um exame
atento de suas características físicas e psíquicas.
O
funcionamento do organismo físico de P. Ubaldi não se diferencia de forma
acentuada da dos homens normais. No entanto, existe uma diferenciação, mas de
caráter positivo: ele é particularmente resistente aos agentes patógenos e aos
esforços físicos. Tem sessenta anos completos e goza de ótimas condições de
saúde. Prova-o o fato de que normalmente jamais se utiliza de médico. Seu
aspecto exterior não denota nenhum depauperamento, mas ao contrário tem
características relativamente juvenis. E isto, não obstante o regime dietético
extremamente parco e o maior descuido com que trata seu organismo. É fora
de dúvida que qualquer organismo humano normal sofreria inevitável
depauperamento orgânico, se fosse explorado tanto e tão sumariamente
alimentado e tão mal guardado. Surpreende em verdade, como, nessas condições,
possa seu organismo manter ótimo seu funcionamento. Normalmente, alimenta-se
apenas uma vez por dia. Sua alimentação é muito frugal, e podemos testemunhá-lo
porque durante vários meses sentamos com ele à mesma mesa. Trata-se de uma
refeição rigorosamente racional, segundo as leis dietéticas e a preço fixo. Às
vezes toma, à noite, uma xícara de leite ou pouco mais, às vezes nada. A
quantidade de calorias que fornece a seu organismo é, indubitavelmente, uma
fração exígua do mínimo necessário para o homem normal. Isto não o impede de
ser dinâmico mesmo fisicamente, e de suportar esforços materiais, como o de ir
visitar sua família, pedalando setenta quilômetros de bicicleta, de Gúbio a Santo
Sepulcro.
Desenvolve
concomitantemente três profissões, cada uma das quais poderia bastar para um
homem: 1º) o ensino; 2º) a produção literária e o cuidado da impressão de seus
trabalhos no mundo, com uma correspondência epistolar em seis línguas
diferentes, em média com cinqüenta cartas por semana; 3º) o
trabalho doméstico para si mesmo, pois vive só, sem empregados. Desprovido de
todo auxílio, de toda assistência, tem que fazer tudo por si mesmo. Quando tem
febre ou qualquer indisposição, suporta seu mal sem ir à cama, em plena
atividade. Muito raramente, e só em casos graves, resigna-se a ir para o
leito. Suporta indiferentemente calor ou frio. No inverno, jamais aquece sua
casa, apesar do excepcional rigor da localidade em que habita, particularmente
fria e sujeita a neves. Vive em pobreza voluntária, abolindo até as mais elementares
comodidades, não só para atingir seu ideal de vida evangélica, como pela
satisfação de vencer todas as dificuldades. Seu caráter é indubitavelmente
forte, e seu organismo também. É evidente, pois, que possui
qualidades intrínsecas que o diferenciam da normalidade no sentido positivo.
Sobretudo,
porém, surpreende como seu sistema nervoso possa manter sem quebrar, o ingente
trabalho a que está sempre submetido. Bastará recordar que só conhece o repouso
das horas de sono, muito pouco aliás, pois durante todo o tempo restante fica
submetido a incessante tensão que enfraqueceria qualquer sistema nervoso
normal. Trabalha durante várias horas, à noite, que para ele são as melhores,
porque todos dormem e estão em silêncio. Só de vez em quando lhe aparecem
pequenos períodos de cansaço. dos quais prontamente sai sem chegar a ter
verdadeiro esgotamento nervoso. Esses momentos de depressão verificam-se após
períodos de trabalho intelectual excessivamente intenso; às vezes os precedem,
como se a vida se preparasse por si mesma, ao esforço que depois terá de fazer.
Tudo considerado, pode verificar-se que nele prevalece o trabalho intelectual e
espiritual, sustentado por um sistema nervoso particularmente poderoso,
resistente e hipersensível. Lembremo-nos, a mais, que, durante os períodos de
atividade mística, seu sistema nervoso é obrigado a suportar fortes comoções,
em virtude dos grandes deslocamentos em seu potencial, em conseqüência do que,
ao sair deles, se encontra parcialmente perturbado e alterado, tal como sucede
a qualquer sistema nervoso normal submetido à ação de poderosas comoções
emotivas. Após longas e intensas experiências místicas, o sistema nervoso
apresenta anomalias e alterações particulares as quais, entretanto,
desaparecem em pouco tempo.
Falou-se
de neurose. Seja. Mas que é neurose, e sobretudo a neurose de nosso estudado?
Julgamos que qualquer neurológico capaz e honesto, em semelhante caso, seria,
ao menos, prudente antes de exprimir um diagnóstico conclusivo e uma apreciação
do mérito. Cremos que seja mister muita cautela ao sentenciar a respeito desta
matéria, porque podemos incorrer no erro de considerar patológico o que seja
natural manifestação biológica supranormal. Do que dissemos, conclui-se que o
organismo físico de P. Ubaldi pode ser considerado, por motivos óbvios, mais do
que normal e dotado de qualidades intrínsecas que o diferenciam de modo
positivo do homem normal.
Feito
este breve exame das qualidades físicas, passemos a observar suas qualidades
psíquicas. Diga-se de início que as capacidades intelectuais do mesmo podem
considerar-se sem sombra de dúvida superiores às que são próprias do homem
normal médio. A esse respeito, racionalmente não se pode duvidar. Por exemplo,
a concepção geral de A Grande Síntese, qualquer que seja o
juízo que dela se faça, é sem dúvida o produto de uma mente incomum. Já que
universalmente é conhecido e aceito que o poder do gênio é um fator de
importância primordial e ao mesmo tempo índice do valor intrínseco do homem,
segue-se daí que, mesmo sob este aspecto, ele apresenta uma nítida
superioridade em comparação com o homem normal.
Reconheçamos
que não basta alguém saber escrever um livro ou livros diversos e geniais, para
que se possa considerar superior aos outros. O valor de um homem não é
constituído só por isso, aliás de pouco valeria se esse homem não soubesse
viver as idéias que professa e se elas não fossem capazes de influenciar outros
homens. Vive Ubaldi suas idéias e são elas compreendidas e vividas por outros
homens? Sem dúvida. Toda sua vida é a exteriorização prática das mesmas, o
plebiscito de concórdia e amor que a ele chega de homens de todas as partes do
mundo, demonstra que essas idéias já tiveram sua grande função biológica.
Denota isso que elas não são apenas literatura ou força potencial de
possibilidades problemáticas, mas já são uma força real em ato. Sem dúvida
elas caíram em quem estava preparado, por sua natureza psicológica, para percebê-las;
mas isso não impede que uma ação específica possa igualmente a elas
atribuir-se, ainda que como função complementar. É suficiente
um lampejo nas trevas, para indicar-nos o caminho, e isso tem grande
importância, mesmo se o resto do caminho tiver que ser percorrido com nosso
esforço. As qualidades morais de Ubaldi são certamente muito diferentes das do
homem normal de hoje e de ontem. A vida que exterioriza a substância nos atos,
é a vida segundo a moral evangélica, a prática cotidiana e inteligente das
bem-aventuranças anunciadas por Cristo na Montanha. Pode mesmo dizer-se que a
concepção ideológica e moral de Ubaldi é a concepção profunda e substancial do
Cristianismo, do Cristianismo bebido em suas fontes mais puras, livre das
mortais dentadas dos dogmas, das tradições e dos formalismos que, através da
letra, matam o espírito. Essa concepção não contrasta aliás, antes, harmonizam-no,
em suas linhas essenciais com as profundas concepções esotéricas de todas as
religiões da Terra. Caminha na esteira moral deixada pelos santos e iniciados
de todas as crenças do mundo. Com esta afirmação, permanece bem afastado de nós
a intenção de enquadrá-lo em qualquer grande organismo religioso, a fim de
valorizar-lhe a personalidade a preço baixo. Pensamos em fazer apreciações
críticas dessa forma de moral, para pesquisar se ela é a moral dos homens
superiores, ou a dos homens fracos, que vivem à margem da coletividade como
refugo patológico. Observemos de perto esses homens, chamados santos,
estudemo-los no ambiente biológico humano, tal como a nós se apresenta neste
ambiente em que vivemos.
O
"modus vivendi", o hábito moral, as aspirações e as idéias desses
homens excepcionais, são totalmente opostos aos dos homens normais. Ao egoísmo,
à violência, ao ódio, à busca dos prazeres materiais eles contrapõem o
altruísmo, a mansidão, o amor, a busca das alegrias espirituais. É uma
verdadeira e própria inversão de valores, é a revolução moral, cujo conteúdo
está substancialmente traçado nas bem-aventuranças anunciadas por Cristo. Eles
voluntariamente renunciam aos prazeres que outros com ingentes sacrifícios
buscam, e, acima desta renúncia, procuram e encontram alegrias espirituais
conhecidas só por eles. São homens dotados de grande força de caráter, de
máxima sensibilidade, bondade e poder de intuição. E já que esses homens têm
necessidades, desejos, aspirações e finalidades opostas aos da generalidade dos
homens, segue-se daí que entre as duas partes não há. razões para luta e
hostilidades. O santo apresenta-se à sociedade como ser inócuo; pode despertar
incompreensão ou desprezo, mas materialmente não é combatido. Esta é uma forma
de incolumidade que representa privilégio de grande valor. Como seria possível
combater um homem que passa entre nós amando e beneficiando, que nos ama quando
o odiamos, que faz o bem mesmo quando lhe fazemos mal, que tudo dá sem nada
pedir para ele? Poderemos considerá-lo um louco, mas não teremos motivos para
combatê-lo, e muito menos para liquidá-lo.
Só em
circunstâncias particulares pode ocorrer que eles sejam combatidos ou até
liquidados. Isso aconteceu no passado e poderá ocorrer no futuro. Diz-nos a
história que alguns desses homens extraordinários sofreram o martírio e as
razões são evidentes. Santos particularmente dinâmicos, com imenso amor aos
oprimidos, encontraram-se com os opressores e pagaram com a vida. Outros
suscitaram sentimentos novos na massa, de equidade e justiça, contrastando com
privilégios de organizações sociais particulares, as quais reagiram suprimindo
ou perseguindo o adversário. Sucedeu ainda que esses homens colidiram contra
os privilégios ou a corrupção de comunidades eclesiásticas, e foram por estas
direta ou indiretamente suprimidos, perseguidos, ou de qualquer forma impedidos
de agir. Mas que ocorreu, quando eles subiram ao patíbulo ou foram perseguidos?
Nesse momento, eles conquistaram a coroa do martírio que, com sua ressonância
sentimental nas massas, assinalou a condenação dos opressores. Portanto, ou
não são perseguidos, e gozam do privilégio da imunidade, ou são combatidos e
então conquistam os louros do martírio, fator psicológico de poder
inimaginável. Temos que considerar, de fato, que os princípios morais
encarnados nesses homens são, consciente ou inconscientemente sentidos pela
consciência das massas, que intuem neles a presença de um "quid"
imponderável que as sugestiona poderosamente. A história ensina que quando um
santo sobe ao palco do martírio, assinala esse dia seu triunfo e a derrota dos
carrascos.
Tais seres,
portanto, não podem ser golpeados eficaz e impunemente. Isso representa para
eles uma vantagem digna de nota. Os homens normais não a têm. A
moral praticada por estes os leva ao ódio, à luta, à supressão e à
neutralização recíproca estéril. Poderão objetar que as massas sentem o
fascínio desses homens porque são ignorantes ou supersticiosas; mas isso é
falso e não subsiste diante da realidade evidente, de que o progresso da
civilização humana conduz a um aperfeiçoamento moral que faz apreciar cada vez
mais o amor, a bondade, o altruísmo, características predominantes nos santos
em proporções excepcionais e heróicas.
Mas há mais ainda!
Só entre esses homens achamos os taumaturgos, ou seja, os homens que
conquistaram o poder de fazer os chamados milagres. Convenhamos que esses
poderes pertencem à biologia natural, mas precisamos convir que também eles são
o índice de um poder biológico extraordinariamente superior, que a generalidade
dos homens ainda não possui. Notemos, ainda, que só esses homens têm, por
vezes, possibilidades proféticas e outras manifestações de clarividência. São
manifestações que maravilham profundamente, e que, por sua vez, são o índice de
possibilidades intelectivas verdadeiramente superiores. Esses poderes
ultrafânicos não podem ser apreendidos através da cultura, e isto também demonstra
que eles pertencem à ordem das características biológicas intrínsecas, próprias
apenas desses homens extraordinários. E a pessoa que estudamos é dotada de
poderes ultrafânicos. A produção de A Grande Síntese, escrita
de jato, sem adequada preparação científica, as previsões da guerra recente,
contidas nessa mesma obra, e na Ascese Mística, são prova
disso. A avultada anormalidade que encontramos em Ubaldi pertence, por suas
características específicas, à natureza própria dos homens de que vimos falando.
Julgamos, pois, que possa considerar-se uma anormalidade de caráter positivo,
ou seja, uma anormalidade que se tornará normalidade, quando a evolução humana
tiver caminhado mais uni pouco.
Concluindo:
considerando-se que Ubaldi apresenta qualidades físicas mais do que normais,
poder intelectual superior ao normal, qualidades psíquicas e morais de natureza
tal que o subtraem quase completamente das influências negativas do ambiente,
e o fazem dominar sobre elas, considerando-se que ele não pode ser eficazmente
golpeado, mas ao contrário pode exercitar sobre os homens uma profunda função
biológica, que interessa a parte mais importante da natureza humana, ou seja, a
psique, pode-se racionalmente concluir que nos achamos diante de um caso de
anormalidade positiva, isto é, de verdadeira e própria superioridade
biológica.
Ocorre agora
perguntar-nos, se uma sociedade de homens desse gênero seria compatível com o
progresso e a civilização. É óbvio que se o não fora, estaria
errado tudo quanto acima afirmamos. Preciso é notar antes de tudo que homens
desta espécie não podem ser considerados parasitas da sociedade, pois que trabalham,
e com seu trabalho ganham o próprio sustento. São homens que trabalham com
inteligência e abnegação, que dão de si mesmo, contentes por ter apenas o
quanto lhes basta para viver modestamente. Não são, portanto, contemplativos
estéreis, mas ótimos trabalhadores, voltados para o progresso. Estamos também
persuadidos de que uma sociedade constituída por homens que trabalham com
muita vontade e inteligência, em que cada um ama seu próximo como a si mesmo;
em que cada um dá tudo aos outros, só pretendendo o estritamente necessário;
onde se ama e ajuda a quem sofre; onde não se mata nem se rouba; onde existe
liberdade e fraternidade; onde o pensamento é livre; onde a dor é recebida como
instrumento de libertação e de evolução; onde se sofre com o sorriso nos
lábios; onde se desconhece a violência e se ignora o arbítrio, estamos
persuadidos de que só essa seja a sociedade perfeita; a sociedade que todos os
homens bons e inteligentes da Terra queriam realizar para si e para seus
filhos. Estamos persuadidos de que uma sociedade assim constituída, seja aquele
paraíso perdido, para o qual se voltam todas as ânsias da humanidade atormentada
desta Terra. Considerado tudo isso, parece-nos razoável concluir que o tipo
biológico representado por P. Ubaldi seja um tipo que a evolução não pode
destruir, mas terá de conservar.
Doutra
parte, não será difícil observar que a humanidade, mesmo através de seus erros
e torpezas, tende a envolver para este tipo biológico. Pode observar-se, com
efeito, que no coração das massas humanas surge consciente ou inconscientemente
uma necessidade cada vez mais sentida de bondade, de beleza, de verdade. Sob
as agitações da superfície, as grandes leis biológicas exercitam um trabalho
subterrâneo preparatório e de maturação e cada vez mais exteriorizam a
necessidade de bondade, de amor, de altruísmo. Hoje mais do que nunca podemos
constatá-lo, se, sobrepujando as aparências, penetrarmos na realidade mais
profunda que agita o coração das massas. Os políticos, os demagogos, os
agitadores, só acham eco duradouro entre as multidões, quando fazem brilhar uma
miragem de amor, de bondade, de liberdade, de altruísmo, de fraternidade. Os
homens bons, altruístas, sábios, gozam de respeito e da veneração universal. O
homem hipócrita veste-se com esses atributos para ocultar suas misérias morais
e tornar-se agradável a seus semelhantes. As multidões anônimas e silenciosas
trazem essa necessidade no coração. E, elas compreendem a quase totalidade dos
homens. Comovei-as com a palavra que vem do coração e da alma, falai-lhes de
amor e fraternidade, agi de modo a sobrepujar sua instintiva desconfiança,
fruto de seculares enganos, e as vereis chorar comovidas.
E no entanto, estes
são os tempos em que triunfam os assassinos, os prepotentes, os ladrões, os
hipócritas, os astutos, os desonestos de todas as formas e cores, em que se
troca por dinheiro tudo o que é sagrado, em que parece nada mais ser
respeitado. Mas este, como dissemos, é um fenômeno visível de superfície: a
realidade profunda é diferente. Do atual espasmo surgirá a reação e a última
palavra será dita pela alma coletiva. Os maus serão destruídos por seus
próprios delitos. O ódio, a maldade, geram ódio e maldade, que se destroem
mutuamente; a bondade e o amor são por sua vez a gênese de mais elevado amor e
de mais generosa e iluminada bondade. Pode-se dizer perfeitamente que o mal tem
uma função biológica negativa e destruidora, e que o bem tem uma função
biológica positiva e criadora. É por isso que estamos persuadidos
de que o trabalho da evolução conservará as qualidades biológicas do santo e
destruirá as opostas. Concluamos, portanto, que nosso estudado pode
considerar-se um pioneiro da evolução.
*
* *
Estamos no fim
deste estudo e só falta dizer o que pensa Ubaldi dele mesmo. Substancialmente,
ele tem consciência de representar o que até agora dissemos dele. Ele se
aprecia ou deprecia, de acordo com o termo de sua comparação: o homem ou Deus.
Diante do homem normal ele se considera superior, diante de Deus uma coisa bem
miserável. Não deve surpreender-nos, pois, que ele fale aos homens com a
linguagem do mestre e ao mesmo tempo se humilhe e aniquile diante de Deus. Tudo
isso é profundo conhecimento e autocrítica serena e objetiva.
Que função
biológica julga ele ter? Ajudar aos homens em sua evolução para uma vida
superior. Ele vive para cumprir esse seu extraordinário dever que as leis da
vida, que o pensamento de Deus lhe teriam confiado. Consome-se nessa função,
que, com sua linguagem mística chama de missão. Crê firmemente nesta sua
missão e nela empenha todas as suas forças. Dá testemunho de tudo quanto diz,
com o exemplo de sua vida, fala pela imprensa, e raramente de viva voz aos
amigos e discípulos. Ao conversar, jamais assume o tom de pregador. Sua
linguagem é dialética. Discute com muita seriedade e paixão; gosta mais de
ouvir do que de falar. Sua dialética é serena e persuasiva, seu pensamento é
límpido, sem preconceitos e profundo; capta o pensamento do interlocutor com
perspicácia e intuição surpreendentes. Dir-se-ia que sabe compreender até o
pensamento que não foi expresso. Gosta de ouvir o opositor, jamais se detém em
posições preconcebidas, é verdadeiramente um livre-pensador. Às vezes,
mostra-se feliz por haver achado algo que aprendeu e toma notas. Interessa-se
com grande paixão pelas questões científicas, que ele interpreta e enquadra
com máxima precisão na vasta visão da verdade que nele está presente por visão intuitiva.
Confia à imprensa toda sua personalidade, seus pensamentos, suas visões, seus
dramas. Com a copiosa literatura dá sua alma à humanidade e a projeta no
futuro. Seus escritos estão, já agora, lançados em todas as partes do mundo,
traduzidos nas línguas mais difundidas, são acolhidos e compreendidos por
homens de todas as raças. Um plebiscito de amor e de gratidão levantou-se para
ele. Muitos foram os beneficiados: quem escreve isto, está entre eles.
Arrastado por esta sua tarefa de bem, que se tornou a finalidade de sua vida,
movido por este ideal de bem e de amor, dá-se todo com ardor. Sua pessoa humana
se consome queimada nessa chama de amor, e só sobrevive a alma, que
encontramos palpitante em todos os seus escritos. Ele se dá a si mesmo por um
ideal grande, sua alma pertence à humanidade e a Deus. E caminha dolorosamente
entre os homens, amando e beneficiando, criatura celestial mais do que humana,
com o olhar dirigido às estrelas.
Verona — Itália, Páscoa de 1947.
(a) PAOLO
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