Terminara, finalmente, o insigne poeta o seu árduo trabalho: grandioso poema sobre as maravilhas de Deus na ordem do cosmos.
E agora, numa roda de amigos e admiradores, declamava o mais belo capítulo da obra-prima do seu engenho.
Foi um assombro!...
De tamanha beleza eram as idéias, tão profundos os conceitos, tão cintilante as frases, tão suaves as cadências dos períodos, que os ouvintes se quedaram como que extáticos de enlevo...
E quando o poeta, no auge do entusiasmo, perorava a mais grandiosa página do estupendo poema – ouviu-se bater à porta da sala...
Mais se avolumou a voz do inspirado bardo, mais vibrante se tornou o seu estro, para abafar o ruído do inoportuno visitante.
Persistem, porém, na porta, os golpes indiscretos.
Interrompe então o cantor das grandezas de Deus a faiscante cadeia de idéias e, contrariado, com um arranco violento, abre a porta.
“Por obséquio, senhor doutor, a sua roupa suja” – diz uma vozinha tímida, coando dos lábios pálidos de uma menina magríssima.
É a filha da pobre lavadeira.
“Agora não posso, menina! Venha amanhã!...”
“Mas...a mamãe fica sem serviço...e sem pão...Somos tão pobres...Por favor, senhor doutor, a sua roupa suja...”
“Não posso, já disse!”
Com estrondo infernal se fecha a porta na cara da menina pálida.
E, tornando a subir ao estrado, retoma o trovador o fio do poema.
Por entre tempestades de aplausos termina a declamação da grande apoteose que elaborou pela maior glória de Deus.
Felicitações, abraços, sorrisos, elogios, luminosas perspectivas...
Altas horas da noite...
Surge do seio das trevas o rosto pálido duma menina paupérrima...
Corre pelo quarto olhares sonâmbulos...Apanha da mesa os originais do poema – folha por folha, e rasga-as em mil pedaços...
E jogando-as ao cesto de papéis, murmura: “Roupa suja”. E desaparece...
O poeta acorda...Os originais lá estão, intactos...
E põe-se a pensar , a pensar, a pensar....
É verdade que escrevi este poema pela maior glória de Deus?...
Se é verdade, porque não cantei, ontem à noite, o mais belo de todos os poemas do mundo – o poema da caridade?...
Por que não entreguei à pobrezinha a minha roupa suja?...
Por que preferi à caridade a minha vaidade?...
Levantou-se e resolveu, logo de manhã, entregar à filha da lavadeira a roupa suja que ela pedira – e lavou com as lágrimas do arrependimento a “roupa suja” que tinha dentro da alma...
E o seu coração cantou em silêncio o mais lindo poema de humanidade...
O poema divino do Nazareno...
Huberto Rohden