O profano goza o mundo sem Deus.
O asceta goza a Deus sem o mundo.
O iniciado goza a Deus no mundo e o mundo em Deus.
Esta terceira atitude genuinamente cristã é privilégio dos verdadeiros videntes, dos místicos reais, que ultrapassaram todos os dualismos e pluralidades do mundo temporal e atingiram a grande unidade e centralidade do mundo eterno.
Entretanto, como a vasta maioria da presente humanidade consta ainda de profanos, é praticamente aconselhável que o analfabeto se matricule na escola primária do ascetismo, a fim de aprender ao menos o abc do mundo espiritual. O maior dos males não é a disciplina férrea do asceta, mas a indisciplina e soltura moral do profano materialista. Disto sabia o grande Mestre de Nazaré, quando aconselhava aos seus discípulos a renúncia ao mundo, a fim de poderem encontrar o reino de Deus. Também, como podia alguém vir a ser um luminar na universidade do cristianismo sem primeiro aprender o abc na escola elementar do ascetismo?
É tão suave e tão blandicioso alguém se ter em conta de iniciado, e falar mal dos ascetas, quando de fato está marcando passo no plano ínfimo de profano... Cuidado com a astúcia da vaidade e auto-ilusão!...
Entretanto, persiste a grande verdade: a perfeição está, não em desertar do mundo para encontrar a Deus, mas em ver a Deus no mundo e o mundo em Deus.
O profano abusa do mundo, porque o considera um fim em si mesmo, e não um meio para fins superiores.
O asceta recusa o mundo, não o considerando nem como fim nem como meio.
O verdadeiro iniciado usa o mundo, não como um fim, mas como um meio para alcançar o fim supremo. E, sendo que o mundo e todos os seres que há no mundo são creaturas do mesmo Creador, efeitos da mesma causa, reflexos do mesmo sol divino, é claro que pelo reto uso dos artefatos pode o homem conhecer o Artífice. E, uma vez que Deus não existe para além, mas dentro de cada uma das suas obras, pode o vidente espiritual ver o Deus do mundo no mundo de Deus. O seu santuário é o universo, e o seu altar acha-se erguido onde quer que exista uma creatura de Deus – um grão de areia, uma gota d’água, um raio solar, uma flor, um inseto, uma ave, um animal, uma alma humana... Adora a Deus por toda a parte, “em espírito e em verdade”...
(Huberto Rohden. Livro: Profanos e Iniciados)