No
mundo da Realidade Absoluta não há tempo nem espaço nem causalidade, categorias
essas que pertencem ao mundo dos sentidos e do intelecto. E, quanto mais o
homem se abisma nessa Absoluta e Eterna Realidade, tanto mais se distancia
dessas noções inerentes ao universo fenomenal. Por isto, o conhecer do iniciado
não é um processo silogístico, passo a passo, sucessivo como o andar parcelado
de um viajor, que vence o caminho trecho após trecho, e, quando chega à beira
duma torrente, procura alcançar a margem oposta lançando pedras no leito do rio
e saltando de pedra em pedra. O movimento do iniciado não é, a bem dizer, um
andar, mas um voar; de um jato, de um ímpeto súbito, chega ele às mais
longínquas praias, aos mais distantes litorais, sem saber como, fora de tempo,
espaço e causalidade. Não sabe como chegou à outra margem do grande abismo, só
sabe que chegou e lá está com toda a certeza. Por esta mesma razão, também não
está em condições de retraçar o caminho percorrido, ou melhor, transvoado; não
o pode analisar, passo a passo, porquanto a transição do não-saber para o saber
foi instantânea.
Quando
um iniciado no reino de Deus tenta expor intelectualmente as suas experiências
intuitivas, os seus lampejos divinos, não será difícil ao homem comum
provar-lhe muitos ilogismos e contradições, e isto por uma razão muito óbvia: é
que a experiência espiritual é um acontecimento inteiriço, total, simultâneo,
panorâmico – ao passo que qualquer exposição intelectual do mesmo é sucessiva,
parcelada, desenrolando-se dentro do âmbito do tempo triduracional e do espaço
tridimensional, coisas essas inteiramente alheias à experiência intuitiva.
Qualquer síntese espiritual posta em face duma análise intelectual
aparece ilógica, absurda, falsa, ainda que na realidade seja incomparavelmente
mais lógica, razoável e verdadeira do que todos os processos analíticos do
homem meramente intelectual.
É este
o sentido profundo daquela célebre e tão mal-entendida frase do grande
Tertuliano: “Credo quia absurdum”, eu creio (no mundo espiritual) porque é bsurdo.
“Absurdo” não quer dizer “contraditório”, mas “para além das raias da lógica
intelectualista”, coincidindo com o sentido da palavra grega “paradoxo”. Se o
mundo espiritual não fosse absurdo, paradoxal, não seria o que é. Se fosse
apenas a soma total dos fenômenos individuais e parcelados, não seria o Todo, o
Universal, o Absoluto, o Infinito, e, neste caso, seria a Realidade Espiritual
analisável pela inteligência e silogisticamente demonstrável. Qualquer tentame
de demonstrar intelectualmente a existência de Deus é um atentado de deicídio,
porque um Deus cientificamente provado é um não-deus, e o autor desse tentame é
um sem-deus, um ateu.
Quem
anatomiza uma planta, mata-a.
Quem anatomiza
a Deus, nega-o.
Qualquer
processo de análise intelectual equivale a um trabalho de anatomia
desintegrante e mortífera.
O
Sermão da Montanha, sendo a Carta Magna do Cristianismo, é o documento clássico
desse ilogismo intelectual e dessa lógica espiritual – razão por que é escândalo
para os profanos e sabedoria divina para os iniciados.
(Huberto Rohden. Livro: Profanos e Iniciados)