ACERVO VIRTUAL HUBERTO ROHDEN E PIETRO UBALDI

Para os interessados em Filosofia, Ciência, Religião, Espiritismo e afins, o Acervo Virtual Huberto Rohden & Pietro Ubaldi é um blog sem fins lucrativos que disponibiliza uma excelente coletânea de livros, filmes, palestras em áudios e vídeos para o enriquecimento intelectual e moral dos aprendizes sinceros. Todos disponíveis para downloads gratuitos. Cursos, por exemplo, dos professores Huberto Rohden e Pietro Ubaldi estão transcritos para uma melhor absorção de suas exposições filosóficas pois, para todo estudante de boa vontade, são fontes vivas para o esclarecimento e aprofundamento integral. Oásis seguro para uma compreensão universal e imparcial! Não deixe de conhecer, ler, escutar, curtir, e compartilhar conosco suas observações. Bom Estudo!

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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

UM DIA PARA NÃO SER ESQUECIDO: 30/01/1948

Comentário(s)

Por Iris Helena, no Blog Memória Rohden:




HUBERTO ROHDEN – NO LIVRO: MAHATMA GANDHI

             Na tarde de 30 de janeiro de 1948, pouco depois das 5 horas, dirigia-se Gandhi novamente ao lugar da oração, apoiado em duas de suas devotas, porque a extrema debilidade não lhe permitiu andar sozinho. Nathuram Godse, com a mão direita no bolso, segurava um revólver. Gandhi saudou-o à maneira hindu, juntando as palmas das mãos à altura do peito e inclinando a cabeça em gesto de fraternidade, como quem diz: “As nossas almas estão unidas assim como as palmas destas mãos”. Godse correspondeu rapidamente à saudação simbólica, porque, como, mais tarde, confessou perante o tribunal, sentia a maior simpatia pessoal por Gandhi, mas o seu patriotismo o obrigara a matar o inimigo número um da Índia. Depois da saudação, sacou do revólver e desfechou diversos tiros contra Gandhi. Este tombou imediatamente, murmurando “Ah!… meu Deus!”. . . Um amigo inclinou-se sobre o agonizante e percebeu o pedido formulado com voz débil que não castigassem o autor da sua morte.

E expirou.

O condenado foi preso e condenado à forca. Perguntado por que matara Gandhi, respondeu calmamente que agira por dever de patriotismo. À pergunta se não competia aos poderes públicos impedir que Gandhi prejudicasse a Índia, Godse sorriu-se cinicamente e replicou: “Que pode o governo da Índia fazer contra esse homem, quando empreende suas campanhas de oração ?”. . .
O corpo de Gandhi, depois de visitado por imensa multidão de amigos e devotos, foi cremado, e suas cinzas lançadas ás águas dum rio sagrado.

* * *

          Se um muçulmano tivesse assassinado o grande chefe, teria sido inevitável uma guerra sangrenta entre a Índia e o Pakistan; mas, como o criminoso foi um patrício de Gandhi, aconteceu algo de inesperado: o sangue do apóstolo da paz sigilou a amizade entre os dois povos, que, irmanados na mesma dor, prantearam a “grande alma” que acabava de abandonar aquele corpo franzino.

Os grandes heróis do espírito vivem mais intensamente depois da morte do que antes dela.

* * *

Comentário de Pierre MEILE:

          Em todos os ensinamentos de Gandhi, há uma parte bem grande que é universalmente válida e da qual poderíamos especialmente tirar algum proveito em nosso mundo atual. Ele relembra a todos os homens, com novo vigor, o dever de sinceridade, de lealdade, de fraternidade. Conduz-nos a uma eficaz preparação da paz. Põe-nos de sobreaviso contra os perigos da máquina. Afinal e, sobretudo, seus ensinamentos são dirigidos contra uma doença que ameaça particularmente nossa civilização desde alguns anos: o desprezo do homem. Gandhi é daqueles que nos oferecem a única proteção possível contra os ódios raciais, o único caminho que conduz para fora desse universo de campos de concentração; digo bem o único, porque se a gente não pensa senão em pôr “o outro” por trás de arame farpado, jamais se sairá disso. Campeão de todas as vítimas da opressão racista ou sectária, ele poderia servir como inspirador e garantia de um estatuto internacional que definiria a dignidade humana em quaisquer circunstâncias e sob todas as latitudes (importante etapa já foi cumprida através da Declaração Internacional dos Direitos Humanos). Para impedir os atentados cada vez mais numerosos aos direitos elementares da humanidade, para deter o totalitarismo e a ameaça atômica, é preciso que se faça conhecer largamente a vida e as ideias de Gandhi, o homem: de nosso tempo que mais acreditou no homem.

Paris, 15 de julho de 1949

(Este texto de Pierre Meile é do comentário final do livro: “Minha vida e minhas experiências com a verdade” de Mahatma Gandhi – publicado pelas Edições O Cruzeiro – em 1971).
Há uma edição atual do livro publicada pela Editora Palas Athena com nova tradução

Fonte:
Memória Rohden  

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

DOIS SAPOS

Comentário(s)

Vivia um sapo - no fundo do poço. Lá nascera, lá vivera, de lá nunca saíra — e lá esperava morrer. O seu horizonte era de um metro e meio de largura — o diâmetro do poço. A profundidade de sua vida era de três palmos - como as águas do poço. Para além da borda do poço - nada mais existia para ele...

Certo dia, tombou no fundo do poço - um sapo de outras regiões.. Vinha de longe, de muito longe — das praias do mar...

Com secreto rancor, viu o primeiro invadido pelo segundo o seu espaço vital. Mas, como o segundo era mais forte, resolveu o primeiro não o guerrear — e limitar-se à defesa passiva...

Depois de três dias de silêncio recíproco, travou-se entre os dois batráquios o diálogo seguinte:

— Donde vens tu, estranho invasor?

— Das praias do mar, ignoto ermitão.

— Que coisa é o mar?

— O mar?... O mar é uma grande planície d’água.

— Tão grande como esta pedra em que pousam minhas pernas gentis?

— Muito maior.

— Tão grande como esta água que reflete o meu corpo esbelto?

— Maior, muitíssimo maior.

— Tão grande como este poço, minha casa?

— Mil vezes maior. Milhares de poços destes caberiam no mar que eu vi. O mar é tão grande que sempre começa lá onde acaba.

É tão grande que todo o céu cabe nele, e ainda sobra mar. Todos os sapos do mundo, pulando a vida inteira, não chegariam ao outro lado — tão grande é o mar à cuja margem nasci e vivi.

— Safa-te daqui, mentiroso! - exclamou o batráquio do poço. — Coisa maior que este poço não pode haver! Mais água que esta água é mentira!...


***

Desde então viviam os 2 em pé de guerra, no fundo do poço. Não diz a história se algum deles, super - sapo, venceu nessa luta feroz...

Nem diz se um deles, batráquio genial, convenceu o outro da verdade das suas idéias...
Consta apenas que, desde esse tempo, viveram no mundo seres que só crêem em si mesmos...

Seres que sabem tudo o que os outros ignoram...

Seres que tacham de loucos os que afirmam o que eles não compreendem...

Seres de tão vasto saber que consideram desdouro aprender...

Não fales, meu amigo, em mares - a quem mares não viu!

Deixa viver no poço - quem no poço nasceu!

Horizonte de metro e meio, água de três palmos de fundo, pedra de meio palmo - que mais quer o batráquio dum poço?

Deixa ao ignorante a sua feliz ignorância!

Não fales em mares a quem para um poço nasceu!

Cada qual com seu igual...


Huberto Rohden

domingo, 26 de janeiro de 2014

O QUE É A GUERRA?

Comentário(s)

Esta é a história contada pelo professor Rohden, em seu livro (Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índia):

"Um dia, o eremita A. disse ao eremita B., seu vizinho:

— Sabes, irmão, que lá fora há guerra?

—  Guerra? - replicou o outro. - Que é isto?
— Bem....- retrucou o primeiro – guerra...guerra...é uma coisa muito feia, que não se deve fazer.
— Mas, afinal de contas, que é guerra?
—  Não sei explicar...Mas vamos brincar de guerra, para compreenderes o que é. Olha aqui, eu tenho um livro; tu não tens livro algum. Eu digo: Este livro é meu! Tu respondes: Não! Este livro é meu! Eu grito: Este livro é meu! Assim começa a guerra. Vamos brincar de guerra: Este livro é meu!...
—  ?
— Responde!
— Responde, o quê?
— Grita: Este livro é meu!
— Como? Se esse livro é teu, então não é meu...
— Ora, ora...Tu não tens vocação para a guerra...Já acabaste com a guerra antes de começar...Os homens lá fora não fazem assim. Brigam sem fim, por causa de coisas que não são nem de um nem de outro.
— É verdade, nós não temos jeito para guerra...
— Também não temos nada por que brigar...
— Paciência...Não podemos sequer brincar de guerra..."


*  *  *

sábado, 25 de janeiro de 2014

TESTEMUNHO DE GRATIDÃO

Comentário(s)

Por Aloísio Wagner

Gostaria de compartilhar com vocês o testemunho de uma jornalista, publicado no jornal Vanguarda em Julho / Agosto de 2001, e que por sua vez, acho muito bonito e emocionante:

"Testemunho de Gratidão

Há 34 anos atrás, jovem e atravessando um período de imbecilidade e pretensão, julgava-me o centro do mundo. Criada em colégio de freiras e numa família católica, perdera a fé e julgava essa perda definitiva, o que me angustiava um pouco. Não. Eu não acreditava nem mesmo em Deus. Pouco antes numa coluna que mantinha na revista “O Cruzeiro”, escrevera uma crônica: “À procura de Deus”, e recebera cartas do Brasil inteiro, de quase todas as religiões existentes, tentando ajudar-me. Procurei quase todas. Nenhuma me convenceu. Por simples curiosidade fui visitar Chico Xavier, e, sem me identificar e nem dizer-lhe uma só palavra, ao atravessar a multidão e aproximar-me dele, vi-o estender-me a mão e sorrir-me com as seguintes palavras: “Não se torture procurando Deus nos templos, nas igrejas ou nos centros espíritas, minha filha. Procure-O dentro de você.” O ato pareceu-me estranho, mas não lhe dei maior importância. Não compreendera.

Nesse ano de 1955, vi num jornal notícia sobre a chegada ao Rio de um famoso escritor italiano – Pietro Ubaldi. Como jornalista, resolvi entrevistá-lo. Não lera seus livros, nem sequer conhecia suas idéias. Era apenas um escritor famoso e, portanto, notícia.

Encontrei no hotel um homem tranquilo e simples, do qual gostei gratuitamente. Magro, ar ascético, olhos de criança boa. Fiz a entrevista, algo chocada com o que ele falou da “Sua Voz” e de seus livros. Classifiquei-o como um sonhador visionário de grande cultura e inteligência, lamentando-o. A entrevista foi publicada na revista “A Cigarra”, de fevereiro de 1956. Despedi-me e ia sair, quando ele me chamou.

- Espere, por favor. Tenho aqui uma mensagem para a senhora.

Senti que devia ser honesta com ele e confessei: “Não se ofenda, por favor, mas não acredito em mensagens do Além, nem mesmo acredito em Deus.”

Pietro Ubaldi sorriu mansamente.Não faz mal. Não precisa ler agora. Um dia a senhora vai ler. Guarde-a. Ela será muito importante para a senhora.

Estendeu-me um papel sobre o qual escrevera algumas linhas. Sem olhar, tomei o papel, colocando-o dentro de um livro, que trazia comigo e despedi-me. Esse papel, utilizei-o como marcador de leitura desse livro. E, esqueci-o. Nem por um instante, senti vontade de ler o que ali estava.

A vida me poupou nos anos seguintes. Um casamento desfeito de forma mesquinha e revoltante, uma mudança de cidade e de caminhos; tive de trabalhar para sobreviver. Recebi convite para um emprego em São Paulo, como redatora numa agência de publicidade. Ambiente frio, hostil e entre tantos desconhecidos.

Na noite de 31 de Dezembro de 1962, encontrava-me sozinha em meu apartamento. Recusara todos os convites para “reveillons”, e preferia fazer um retrospecto de minha vida, à sós. Chovia muito. Eu ouvia as gargalhadas, o estourar das champanhes, a música, os cantos que vinham de outros apartamentos. E senti a solidão em sua plenitude. Que era eu? Uma escritora insatisfeita consigo mesma e com seus livros. Nenhum filho vivo. Que valor possuía a vida? Porque persistir na farsa de sorrir, viver levianamente, fingindo encontrar prazer em coisas fúteis como ganhar dinheiro, vestir-me bem, namorar, dançar, suportar os olhares sempre iguais da cobiça masculina? Estava farta.

Decidi que não enfrentaria 1963. Andei pelo apartamento povoado apenas de meus fracassos idealistas e ingênuos. Era hora de parar. Cheguei à janela. Morava no 13° andar, na avenida Paulista. Lá fora, o vazio de sempre. Homens e mulheres se embriagando para afogar suas próprias decepções. E, lá embaixo, o pátio de cimento a atrair-me. Tão fácil! Um passo para subir no sofá, o segundo no peitoril e o terceiro...a paz. O esquecimento. O Nada como solução salvadora.

Algo, porém, me retinha. O instinto de conservação. Lembrei-me de uma garrafa de conhaque, que comprara para fazer remédio para tosse, e que nem utilizara. Sempre tive a verdadeira ojerisa por bebidas alcoólicas. Fui até à cozinha, abri a garrafa e enchi um copo. Tomei-o de uma só vez, a garganta queimando, engasgando com aquele gosto horrível. Voltei à janela. Dei o primeiro passo planejado, subindo ao sofá encostado à janela. Recuei. Ainda era insuficiente a coragem. Voltei à cozinha, enchi o segundo copo até a borda e virei-o de um trago. Já bêbada, o copo escorregou-me das mãos e espatifou-se no chão. Cambaleando, mas com a mente lúcida, repeti o primeiro passo e, ao dar o segundo, escorreguei no peitoril molhado pela chuva e caí. Não para o pátio, mas sobre o sofá. Perdi os sentidos.

Acordei de madrugada. O mundo inteiro era um silêncio só. A chuva molhara todo o meu corpo. Cambaleando, a cabeça parecendo estourar, levantei-me. Que fracasso! Nem a morte me aceitava! Mas eu estava decidida. Troquei a roupa. Àquela hora, os ônibus e carros trafegavam por ali em alta velocidade. Na madrugada chuvosa, os motoristas não veriam o vulto vestido de negro, que se colocaria à sua frente.

Ao tocar na chave para abrir a porta do apartamento e sair, algo estranho como que me puxou para a estante de livros que cobria toda a parede da saleta de entrada. Estendi a mão maquinalmente e peguei um livro qualquer. De dentro dele caiu um papel aos meus pés. Peguei-o. E lí, sem compreender da primeira vez:

“NESTE MOMENTO EM QUE VOCÊ SE JULGA TÃO DESESPERADA, FILHA MINHA, SINTA O AMIGO QUE ESTÁ AO SEU LADO, COM AS MÃOS SOBRE SEUS CABELOS, OFERECENDO-LHE SEU AMOR, QUE É O MAIOR DE TODOS. DEIXA QUE ESTE AMIGO LHE FALE E CONSOLE. VOCÊ PRECISA VIVER PORQUE ELE O QUER. ACALME-SE E ENTREGUE-SE A ESSE AMOR, FILHA QUERIDA. O NOME DESSE AMIGO É JESUS.”

Reli o papel duas, três, muitas vezes. E então veio-me um pranto convulso. Realmente, eu “sentia”. Sentia mãos suaves que me acariciavam a cabeça. Sentia o calor de um amor imenso aquecendo-me. Sentia o Amigo, no qual “sabia” poder confiar e socorrer-me. Todo o desespero, a angústia, a solidão, o horror pela vida e por meus semelhantes, como que se desfazia naquele pranto.

O papel molhado com minhas lágrimas continuava apertado em minhas mãos. E lembrei-me. A visita àquele homem no Rio. Aquele homem de olhos doces e voz tranquila, estendendo-me a mensagem, que eu desprezara. Fui apanhar o livro, de onde ele caíra. Lá estava: novembro de 1955. Aquele homem sabia. E me dissera: “um dia a senhora vai ler”. Por que? Como? Minha cabeça confusa e fervendo de indagações era um contraste com a paz que descera sobre mim. Somente adormeci quando o dia 1° de Janeiro de 1963, já ia em meio.

Daí para frente, já não mais à procura de Deus, pois Jesus, através de Pietro Ubaldi, O trouxera do mais profundo do meu íntimo, comecei a estudar para compreender melhor o que ocorrera. Comprei “A Grande Síntese”, lendo-o muitas vezes até penetrar nas verdades ali contidas. Li Kardec. Passava horas pensando, analisando, compreendendo os contrastes que dantes me revoltavam.

Nunca mais vi Pietro Ubaldi. Sentia um certo pudor de procurá-lo para lhe contar a verdade. Ao ler a notícia da sua morte nos jornais achei que o fato nunca mais seria narrado, até há quase um ano atrás quando fiquei sabendo da existência da Fundação Pietro Ubaldi, em Campos. Então, cheguei à conclusão de que deveria entregar-lhes este testemunho de gratidão.

Hoje, aposentada e sabendo que aquele pudor era ainda um resto de orgulho humano, escrevo-lhes. No limiar da velhice, sinto-me gratificada por estar viva. Escrevo livros para adolescentes, com meu verdadeiro nome: Lourdes Gonçalves – e mantenho contatos maravilhosos com essa gente miúda que me alimenta a fé e o amor a tudo que é vida vinda de Deus. O dia em que partir, não será mais para fugir e refugiar-me no nada, para abandonar um plano inferior por outro maior. Encontrei Deus em mim mesmo como em tudo à minha volta, tal como predisse Chico Xavier. E com Deus não há solidão. Não há desespero. Não há fracassos. Há apenas a certeza de que a passagem por este planeta Terra é apenas um momento rápido de aprendizado para aperfeiçoamento e volta ao UNO.

E isto devo a Pietro Ubaldi, que me entregou em mãos o recado de Jesus.

Nova Friburgo, Dezembro de 1989.

FLORENCE BERNARD (Pseudônimo da Sra. Lourdes Gonçalves, publicado no ano de 1995, com sua autorização)."

O PEREGRINO E O LOBO

Comentário(s)

Pietro Ubaldi nos conta uma fábula, baseado em suas vivências numa ilha do litoral paulista, juntamente com pobres pescadores da região, que por sua vez, achei muito inspirador, e gostaria de dividi-la com aqueles que não a conhecem:

"Nos arredores do lugarejo, numa praia abandonada, vivia solitário um rebelde à ordem social, um homem feroz, ladrão e assassino, que, ao Invés de trabalho, preferia viver de delitos e de rapinagem. Era chamado o Lobo. Ninguém ia à sua cabana nem dela se aproximava sé não estivesse armado.

Falaram desse Lobo ao peregrino e este resolveu ir ao seu encontro. Lembrava-lhe isto outro encontro, com outro Lobo, talvez o nome de outro ladrão. O assassino, que foi amansado por São Francisco às portas de Gúbio. Os homens da pequena aldeia procuraram dissuadi-lo, mas ele sentiu-se irresistivelmente impelido àquela realização. Ir por aquelas paragens, sem armas, ou mesmo levando-as, mas sem saber usá-las, era loucura. Para que deixar-se matar?

Após muita discussão, um dia partiu o peregrino, desarmado, para a cabana do Lobo. Entretanto, acompanhavam-no alguns homens fortes e bem armados. Deixou-os em certo ponto, escondidos entre as árvores, de sobreaviso, para socorrê-lo, se houvesse necessidade. E encaminhou-se sozinho para a choupana.

Enquanto caminhava, refletia. Já dera um exemplo, nas grandes cidades, vencendo os mais poderosos obstáculos que lhe queriam impedir o cumprimento de sua missão. Vitória clamorosa, milagre de Deus, que lhe havia provado Seu auxílio e Sua presença a seu lado. Toda resistência havia caído e os elementos negativos tinham sido afastados, apesar de fortes e renitentes. Deus o ajudaria também, realizando este outro milagre. Era lógico e necessário também este exemplo num piano social diferente. Precisava aceitar, tinha de expor-se a esta nova prova, em que Cristo deveria triunfar mais uma vez.

O peregrino era também homem e, como tal, temia. Talvez tivessem razão os homens da pequena aldeia. Sua ousadia era loucura perigosa e inútil. Então, como sempre ocorrera nos maiores momentos de sua vida, Cristo lhe apareceu ao lado, tomou-o pela mão e, enquanto o guiava, desenvolveu-se; a seguinte colóquio:

"Filho, por que temes? Não estou sempre a teu lado?"

"Senhor, que posso eu? Não é orgulho meu pretender mais uma vitória?"

"Vai, filho; não temas; estou contigo. Falarei em teu pensamento; brilharei em teu olhar, vibrarei em ti e manifestar-me-ei através de tua paixão pelo bem. Vai! Através de ti, meu instrumento terreno, vencerei com o Amor esta alma rebelde. Vai! Vencerás. 'Estou contigo".

Peregrino do amor e da dor, nosso homem continuou pela praia, aproximando-se, cada vez mais da choupana. Os homens armados o vigiavam, assustados, de longe. Mas, ele caminhava como uma criança, abaixando-se para apanhar conchinhas na praia, admirando-lhe as belas formas. Depois, extasiado, olhava o mar, a floresta, os montes, o céu. Toda aquela beleza lhe falava de Deus. Sentia-O tão próximo, que nada mais percebia além d'Ele.

Assim, chegou à cabana. Chamou. Nenhuma resposta. Aproximou-se e bateu. Ouviu um barulho de ferragens e logo apareceu um homem forte, alto, de aspecto feroz. Olharam-se. Olharam-se ainda mais, nos olhos. Nos momentos decisivos, da vida ou da morte, o esforço da vida se concentra no silêncio. As coisas mais graves são compreendidas sem palavras. Com o olhar eles se mediram e se pesaram. O Lobo em seu instinto de fera, compreendeu que se achava diante do um homem inerme. O fato de não se achar diante do antagonista que imaginava desarmou sou primeiro ímpeto de agressão. O recém-chegado não era um inimigo. Quem era então? E que podia querer dele? E quem lhe dera coragem de chegar até lá, desarmado?

Assim, o Lobo ficou desarmado pelo inerme. Já se viram feras bravias respeitarem criancinhas inocentes. Muitas vezes a agressão é um ato de defesa, provocado pela agressão alheia, e se esta não existe, a outra não estoura. O Lobo disse apenas: "Que queres aqui? Quem és?"

Silêncio.

Em redor vibrava, partindo de todas as coisas, a grande voz de Deus. Cantavam as harmonias do criado, pulsava a essência espiritual da vida, a transbordar da forma que a revestia e escondia. Parecia que a natureza, naquele dia celebrava uma festa e entoava uma sinfonia imensa de infinitas vibrações a se abraçarem unidas, em amor, harmonicamente, musicalmente, tecidas numa mesma trama de bondade e de paz. O peregrino sentia um choque em seu coração e estava em êxtase, fora de si. Algo, parecendo um novo poder, penetrava nele e já cintilava em seu olhar, inclinado com um sentido de ilimitada bondade para aquela pobre alma, repelida por todos, e que se tomara tão feroz, talvez porque jamais tivesse recebido bondade e amor.

Silêncio.

Estavam frente a frente, falando-se em diálogo cerrado, feito de sentimentos opostos e contrastantes, num violento assalto de vibrações, através dos olhares. De um lado, o desencadear das forças elementares da vida no primitivo, egocêntrico e prepotente, dominador no caos, ignaro de Deus e rebelde a qualquer ordem e harmonia; do outro lado, o poder da ordem, a que obedecem todos os elementos, coordenando-se fraternalmente em harmonia, no conhecimento da Lei e no Amor de Deus. Estavam frente a. frente, o Lobo e o peregrino, empenhados numa luta desesperada para vencer. A ferocidade ávida e agressiva de um lado, a bondade generosa e pacífica do outro. Enfrentavam-se dois tipos biológicos diferentes, dois exemplares diferentes da vida, que personificavam as forças do bem e do mal, do Amor e do ódio, de Deus e de Satanás. O anjo e a fera estavam frente a frente, sós, diante de Deus. Quem venceria?

Silêncio.

Mas, nesse silêncio reboava a voz de Deus, lampejava Cristo, acima das forças do mal, moviam-se as falanges do bem. A grande sinfonia que a natureza entoava transparecia nos planos de vida mais alta, onde, atingida a harmonização, a felicidade é muito maior. O estridor daquela alma rebelde era uma dissonância triste nesta grande música. Esta, porém, a sufocava com sua potência, quase anulando-a, absorvendo-a em sua harmonia. Descia do alto uma grande onda das forças do bem, para amansar aquela alma, impelindo-a pelas grandes vias da Bondade e do Amor. Ela queria resistir; mas Deus determinara que Ele havia de vencer. Cada vez mais poderosa resplandecia a luz e as trevas recuavam, vencidas. Luta apocalíptica entre as forças do bem e as do mal. O pobre instrumento humano permanecia mudo, como que triturado em meio ao embate dessas forças. '

Assim, atingiu a luta um momento terrível: o peregrino sentiu dentro de si como um estouro e acreditou chegada a morte. Viu, confusamente, o Lobo lançar de si as armas, procurou segurar-se a alguma coisa para não cair, mas instantaneamente se encontrou recolhido nos braços dele.

Estava cumprido o milagre. O Bem, Deus, o Amor, tinham sido mais fortes e haviam vencido.

Os homens da guarda, que tinham visto tudo, correram, largando também suas armas. O Lobo foi levado em triunfo para a aldeia. Todos se abraçaram. Acabara o medo, a preocupação da luta e da guerra entre os dois, verdadeiro inferno. O peregrino organizou um novo regime de paz, no trabalho. E, no amor recíproco, um ajudando o outro, muitas dores desapareceram. Cristo permaneceu entre aqueles humildes, que agora viviam Seu grande mandamento: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Assim, também entre os simples e os pobres, pode formar-se aquilo que simbolizava um primeiro núcleo da nova civilização do Terceiro Milênio."

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Peixe e o Passarinho

Comentário(s)

“Num grande lago, uma multidão de peixes ferozes vivia comendo-se uns aos outros.
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Deus, que eles não conheciam e que os estava olhando do alto, teve compaixão deles e um dia chamou os seus anjos e assim falou: “Meus filhos, aí embaixo na Terra, no abismo de um lago fundo, está um povo de peixes ferozes porque são ignorantes. Eles também são vossos irmãos. Mas a luz não chega àquele abismo escuro. Para que a luz chegue até lá, é necessário que um mensageiro da verdade, um anjo, se encarne no meio deles e se sacrifique para viver com eles, na profundeza e nas trevas, que sofrerá muito por isso. Mas o sacrifício é a lei do amor. Quem de vós quer sacrificar-se para levar a minha luz até lá, encarnando-se no corpo duro de um peixe?

Os anjos ficaram calados e tristes. A prova era dura demais. Perder as asas, a liberdade e a luz dos céus, para abismar-se nas águas pesadas e escuras e ficar fechado naquela profundeza — só em pensar nisso tirava o ânimo. O amor era grande, mas o susto também. Assim, a maioria ficara indecisa, sem saber o que dizer.

Só um anjinho, o menor de todos, ficou de lado, envergonhado de si mesmo, por ser a sua veste menos branca do que a dos demais. Ele olhava para si mesmo sem ter coragem de falar. E pensou: eu sou assim feio porque prometia com facilidade e depois não costumava manter a minha promessa. Agora é a minha vez de ir para me purificar ainda mais. Agora é a mim que cabe ir e não aos outros. Devo resgatar-me num sacrifício absoluto até enfrentar o martírio e a morte.

O pobre anjinho olhou para Deus, olhou tremendo, sem ter a coragem de falar. Deus olhou para ele e compreendeu tudo. Viu o sacrifício desta alma ardente e o seu grande amor, e aceitou a oferta.

Só para confirmar a oferta e aceitação, Deus lhe falou: “Então, meu filho, tu queres ir”? O anjinho respondeu tremendo: “Quero”. Deus acrescentou: “Vai, meu filho, a hora chegou. O teu destino se cumpre. O Cristo mesmo te ajudará, ficará sempre perto de ti, será o teu anjo da guarda”.

Com um profundo olhar de amor, os outros anjos despediram-se do seu irmão. Uma grande música levantou-se nos céus e o anjinho, pequenino, abismou-se de lá até às águas turvas do lago, aí encarnou-se na forma material de um peixe.

A queda foi terrível e dolorosa. O anjinho perdeu a consciência da sua natureza e começou a despertar apenas como humilde bichinho, filho do novo ambiente. Ele era um peixinho bonito que nadava ligeiro, única liberdade que lhe ficara da grande liberdade espiritual dos céus.

Cresceu como peixe no mundo feroz dos peixes, mas não conseguia concordar com os seus instintos. Não gostava de agredir o seu próximo para comê-lo. A luz de cima pouco a pouco começou a revelar-se. Aí iniciou-se a luta entre ele e o ambiente dos seus semelhantes. E quanto mais crescia, tanto mais se sentia um desterrado. Logo que amadureceu, sua alma revelou-se toda e começou a missão de civilizar os seus irmãos.

Esta missão era a de trazer a luz do Céu para ser percebida até nas profundezas das águas turvas do lago, ambiente dos peixes; era a de substituir a lei da ferocidade, segundo a qual o mais forte esmaga o próximo, que também tem direito à vida, por uma lei de justiça, bondade e amor; era a de substituir o egoísmo que divide pelo amor que une, a ignorância que leva ao erro e por isso à dor, pelo conhecimento que não erra e conduz à felicidade.

Assim transcorreu a vida deste pobre ser num martírio. Ele sofria, antes de tudo, por ter de viver preso na casca dura do corpo de um peixe, num ambiente material que limitava todos es seus movimentos, verdadeira cadeia da alma. Sofria pela incompreensão dos seus semelhantes que o condenavam em tudo e, apesar disso, lutando todos os dias, chegou perto da velhice, cumprindo a dura missão de civilizar sua gente. Sofria pelo que lhe davam em troca do seu amor, pela solidão terrível, por falta de verdadeiros amigos, pela saudade dos bons que tinha deixado no Céu. Um dia sentiu-se tão cansado desta luta, que desejou a morte.

Ia assim desconsolado, tão perto da superfície da água que quase quisera fugir de lá para os seus céus. Procurava olhar para as grandes árvores que cresciam â beira do lago e para a luz maravilhosa do sol. Quantas cores, que vida maior lá fora da sua cadeia de água!

Uma grande floresta crescia perto do lago, cheia de pássaros livres, voando no ar. Entre eles havia um passarinho humilde e bonito, todo azul, cor do Céu, como o nosso peixe. Ele era feliz na sua liberdade. Era muito jovem e tinha a alegria despreocupada da juventude. Só começava a ficar um pouco triste por não achar amor e verdadeira amizade no seu mundo. Sentia-se sozinho! Procurava, mas não achava. Que teria então acontecido?

Voando, ele olhava do alto para o grande lago e, às vezes, descia até à sua margem e, apoiando-se sobre os ramos que se espalhavam na superfície da água, olhava para o fundo, para descobrir o mistério deste outro mundo escuro, desconhecido dele.

Um dia, quando estava assim olhando, mais triste que de costume, viu o peixe azul nadando quase fora da água, aproximando-se sempre mais, sem medo nenhum do pássaro. E este não pensou em agredir o peixe para comê-lo. Para o peixe, este era o primeiro ser encontrado que, por não agredir, lhe inspirou confiança. Era tanta a fome de bondade e amor em ambos que estes dois seres, o peixe e o passarinho, continuaram olhando-se, procurando aproximar-se, embora assim diferentes nos seus corpos, mas atraídos por uma instintiva afinidade de alma. Poderia o amor apenas unir em amizade dois seres naturalmente inimigos?

O peixe nadava e o passarinho olhava. Até que, num certo momento, o peixe bateu com a boca nas unhas dos pés do pássaro, mergulhadas na água. Foi como um abraço e um beijo. E os dois tornaram-se amigos.

A amizade firmou-se. Cada dia o pássaro descia no ramo mergulhando os pés na água e cada dia o peixe subia até a superfície, beijava os seus pés e começava assim a conversa.

Era uma conversa sem palavras, apaixonada e singela, de alma para alma, entre dois seres na aparência diferentes, mas que procuravam o mesmo consolo um no outro, porque ambos não tinham achado, na raça dos seus semelhantes, seres que eles pudessem amar em absoluta sinceridade, como se amam os anjos.

O pássaro não era uma grande alma caída do Céu para enfrentar, em missão, as tempestades na Terra, o martírio na vida material. Ele era uma alma virgem, simples e pura, desabrochando à luz da vida, mas precisamente por esta maturidade de um lado e simplicidade do outro, eles tinham muito a se dizer, fundindo-se no mesmo desejo de bondade e amor.

Assim continuou a conversa entre eles. O pássaro contava as maravilhas do ar livre, das grandes vistas, da leveza das nuvens e das cores bonitas de seu mundo. O peixe escutava triste e não podia falar senão da escuridão das trevas no fundo do lago.

O pássaro dizia ao peixe para confortá-lo: “Procura subir, sai da água e voa comigo. Tu sofres porque estás mergulhado na materialidade. Sobe até cá onde os horizontes são mais vastos, sublimes e elevados! Eles são verdades. Eu vivo neles. Troca essas lamentações e tristezas por uma grande alegria. A vida é bela. Por que não queres ser também feliz como eu sou? Entoemos juntos o hino da alegria e da felicidade”.

E o peixe respondia: “Amiguinho meu, eu não posso sair da água. Estou fechado nesta casca de peixe. Não adianta que a minha alma compreenda. O meu corpo fica preso nesta cadeia de trevas duras, estou amarrado a esta minha natureza animal e, enquanto viver aqui para cumprir o meu dever, não poderei libertar-me dela. Conheço a tua felicidade espiritual e mais do que ela. Mas desci para melhorar os meus semelhantes. Esta é a minha tarefa a cumprir, esta é a cruz do dever à qual estou pregado. Não posso sair daqui, tem piedade de mim.

Tu, meu passarinho, tens outro destino, o teu caminho não é o meu. Para ti, na tua simplicidade, o paraíso é coisa natural. Achas fácil a alegria. Mas na minha vida tive, tenho e terei sempre só dever, dever, dever. O meu destino é de trabalho e de dor. A minha alegria seria só de fugir deste corpo feio, para voltar à minha pátria. Mas o meu dever é aqui, onde só o fato de viver é para mim um sofrimento. Comprometi-me com Deus antes de nascer, aqui confirmei, depois, novamente a minha aceitação deste martírio, onde devo ficar crucificado enquanto viver. Tem piedade de mim”.

Mas o passarinho, que na sua simplicidade não podia compreender tudo isso, para consolá-lo, continuava: “Amigo peixe, procuras subir da água, se tu não podes, é porque tomas comida pesada demais. Deixas de comer a carne dos teus semelhantes, experimentas encher o teu estômago somente de água e ficar satisfeito, assim serás mais fácil para ti subir com um corpo mais leve”.

O peixe escutou e experimentou. Mas embora a fome crescesse e também o seu esgotamento físico, ele não conseguiu tornar-se leve bastante para poder subir no ar. Ele voltou, então, ao amigo passarinho e manifestou suas queixas.

Agora este explicou-lhe que, para tornar-se mais leve e sair da água e voar, precisava de um sentimento ainda mais sutil. E aconselhou-lhe quando estivesse com fome, em lugar de engolir água para encher o estômago, saísse à superfície para engolir só ar fora da água. E mostrou como exemplo a si mesmo que vivia quase de nada, comendo apenas algumas sementes leves, mas sobretudo vivendo do ar puro do céu.

O peixe escutou e quis experimentar melhor, porque também outras forças o empurraram neste mesmo caminho.

Antes de tudo, os peixes, seus semelhantes, exigiam dele todas as virtudes e renúncias, e ele também se sentia amarrado à obrigação de ser o primeiro a dar o bom exemplo do dever, vivendo plenamente as suas teorias. Precisava, absolutamente, ser perfeito e realizar isto no corpo de um peixe, isto é, bem amarrado a todos os instintos da animalidade inferior.

Era o direito dos seus semelhantes e também o seu maior desejo para confirmar as verdades pregadas, o seu sacrifício em tudo o que era materialidade, em favor da espiritualidade. Concordavam todos neste seu martírio até o fim, para confirmar a sua missão. Muitos santos não fizeram o mesmo, descuidando dos seus corpos, exigindo renúncias, sacrifícios e trabalhos demais, até deixá-los morrer?

Ora, este método estava de acordo com o seu egoísmo, isto é, com o seu desesperado desejo de acabar com aquela sua vida de peixe e voltar aos seus céus. Ele almejava a morte para chegar à sua libertação. Havia só um prejuízo, mas apenas para os seus semelhantes que, assim, perdiam o apóstolo semeador das mais altas verdades e teriam de caminhar, sozinhos, sem aquele emissário do Céu. Para ele, cuidar de si mesmo, era o maior sacrifício porque o afastava da libertação, e aceitar todas as renúncias era a maior alegria porque estas destruíam a sua casca feia de peixe. E concordava com o seu mundo, onde todos procuravam só explorá-lo, tirando dele o maior esforço possível. Ele continuava amando o seu próximo, também quando este amor tirava tudo dele. Mas o amor não pode cessar de doar, mesmo quando isso lhe custe a vida. Havia uma completa concordância entre o seu próximo que procurava tirar dele todas as energias e ele, que por amor gostava de entregá-las todas, servindo até ao esgotamento final, onde estava a sua libertação.

Ia-se, dessa forma, amadurecendo este seu martírio por esgotamento, martírio refinado, sem sangue, mas mais doloroso, supremo sacrifício de amor.

O peixe continuou pondo em prática os conselhos do passarinho, vivendo somente do ar. Quando estava com fome, subia à superfície, engolia ar e com o estômago bem cheio, não precisava de outra comida.

Continuou assim algum tempo, trabalhando sempre mais aperfeiçoando o cumprimento do dever, sacrificando-se pelo próximo que ficava ainda mais satisfeito, aproveitando-se do sacrifício dele. Só uma pequena coisa ameaçava este belo jogo. O seu corpo ia-se esgotando, a natureza sugada de todos os lados não conseguia viver neste estado e inclinava a cabeça, vencida. Só a alma do peixe, embora sofrendo martírio, estava feliz. O povo também ficava satisfeito. As teorias pregadas estavam sendo vividas com um exemplo santo e um grupo de novos seguidores estava pronto para explorar o mestre como um santo, depois da sua morte. E este podia morrer feliz, porque a missão foi cumprida e ele sacrificou-se por ela. Grande concordância, na mais perfeita ordem.

E de fato, um belo dia o passarinho desceu ao ramo mergulhado na água, para continuar a conversa com o seu querido amigo. Mas este não apareceu.

Somente no lugar onde ele costumava chegar, o passarinho viu o corpo morto de um peixe a flutuar na água. As árvore, amigas, que escutaram as suas palavras, tinham deixado cair à sua volta uma roda de folhas, homenagem da natureza inferior ao sacrifício de um anjo.

O passarinho chorou e chorou. Voltou cada dia ao mesmo lugar, a sua vida inteira, triste por falta do amigo querido. Ali, ele chorou as suas lágrimas todas, até que chegou, para ele, também, o fim da vida.

Então ele quis subir pela última vez ao céu, até às nuvem e embriagou-se de ar livre. Depois, esgotado, desceu ao ramo dos colóquios, mergulhou os pés na água e deixou-se cair nela morto. Ali ele ficou no mesmo lugar onde tinha jazido morto o peixe, seu amigo.

As árvores amigas deixaram cair à sua volta, desta vez uma roda de flores perfumadas, homenagem merecida pela inocência deste outro amigo.

O primeiro já tinha fugido há tempo para o Céu e ali estava esperando o seu amigo. E logo foi ao encontro dele.

Assim que o encontrou, o abraçou. O anjo do sacrifício abraçou o anjo da inocência, e o amor de ambos no desterro do tempo no mundo foi confirmado na eternidade dos céus.

O anjo do amor na dor levou consigo o anjo do amor na humildade. Levou-o ao ninho que ele tinha aprontado para ambos no seio do Cristo”.

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Escrita por Pietro Ubaldi em 11 de dezembro de 1955 e publicada, pela primeira vez, na revista Santa Aliança do Terceiro Milênio em seus números 9 e 10, de 1956. 

A ALMA DE TODAS AS RELIGIÕES

Comentário(s)

Era uma vez um católico-romano, 100% sincero e honesto consigo mesmo. E, devido a essa sua honesta sinceridade, avançou tão longe que, finalmente, se viu acima de todos os dogmas e além de todos os ritualismos da sua igreja organizada; verificou com surpresa que era mais católico (isto é, universal) do que romano (quer dizer parcial). Verificou que, nessa sua longa jornada ascensional, estava na alma da catolicidade cristã. 

Um dia, esse católico integral encontrou-se com outro homem, que vinha do setor evangélico-protestante. Trocaram um aperto de mão, trocaram um sorriso de surpresa, trocaram umas idéias – e verificaram que eram da mesma religião, que eram ambos católico-evangélicos, que se haviam encontrado aos pés do Cristo, em perfeita harmonia e fraternidade. Os seus velhos rótulos romano e protestante tinham ficado para além duma fronteira longínqua, muito longínqua, porque pertenciam ao corpo humano dos seus sistemas doutrinários, mas não à alma divina do cristianismo.

De mãos dadas, foram esses dois felizardos seguindo viagem, falando das suas grandes experiências com Deus – quando chegaram a uma encruzilhada. Do lado direito associou-se a eles um jovem, que pertencia ao espiritismo, mas, através de muitas experiências e de não poucos sofrimentos, se havia libertado do corpo humano das doutrinas de seu grupo e encontrado a alma eterna e divina de todas as religiões. Acompanhou os dois, e, dentro em breve, verificaram que eram três discípulos do mesmo Cristo e adoradores do mesmo Deus, em espírito e em verdade. O que, outrora, lá nos planos inferiores, os separava, era apenas o corpo mental e verbal das suas doutrinas, definíveis e analisáveis, mas o que agora os unia e irmanava silenciosamente era a alma espiritual da sua vasta e profunda experiência de Deus.

E foram os três andando, andando, alheios a tempo e espaço e das ilusões do mundo externo das quantidades objetivas – quando, subitamente, viram no meio de seu grupo um vulto sereno e majestoso, e no meio dum grande silêncio ouviram estas palavras: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, estou no meio deles...”
A verdadeira religião ou filosofia cósmica não tem por fim defender ou atacar este ou aquele corpo de doutrinas teológicas, as quais, na melhor das hipóteses, são obra de arquitetura humana, ou antes, são os andaimes de um edifício inacabado. 

Depois de completada a construção do edifício, ninguém deixa em pé os andaimes, porque o que ontem foi um auxílio hoje seria um empecilho. Nenhuma borboleta arrasta consigo o seu casulo, ainda que seja de seda pura; agradece os bons serviços que o casulo lhe prestou, no tempo da sua evolução, dando-lhe proteção e segurança; mas agora as asas da borboleta lhe são proteção e segurança muito mais eficientes do que, outrora, o estreito invólucro do casulo.
A humanidade-elite está na fronteira de um novo mundo. Ou melhor, está vendo o velho mundo das suas crenças teológicas através de novo mundo de experiências espirituais. O homem profano de ontem passa a ser o homem sacro de hoje. Adivinha, com maior ou menor nitidez, que, dentro da crisálida do seu “crer” cristão dormita a borboleta do seu “saber” crístico.

Vai anoitecendo o ocaso da crença e amanhecendo a alvorada da sapiência...

A verdadeira filosofia não toma atitude em face do corpo ruidoso das religiões – mas procura realizar no homem a alma silenciosa da Religião. Procura despertar o homem para agrande realidade que dormita nas profundezas dele, e que, uma vez acordada, pode transformar a vida e tornar o homem poderoso, bom e feliz.”
“Conhecereis a Verdade – e a Verdade vos libertará.”

(Huberto Rohden – Doutor em Filosofia e Teologia, poliglota, ex-professor catedrático da American University EUA e autor de 100 livros)

Nossas comunidades

Comentário(s)



Participe de nossas comunidades na Rede social VK. A intenção é repetir as boas discussões que tínhamos antes, sobre as ideias destes pensadores. Para quem curte fóruns de comunidades - no mesmo formato do saudoso orkut, convido a conhecer e participar da Huberto Rohden, e Pietro Ubaldi, na Rede Social . 

→ 136 Aulas do professor Rohden em áudio com transcrições ← 

Caros, já estão disponibilizadas na comunidade 136 gravações em áudio, de cursos completos (a maioria com transcrições disponíveis para download, na seção de documentos ) proferidos pelo professor Huberto Rohden (com algumas "gravações especiais").

Um bom estudo para todos nós.


 Comunidade Huberto Rohden | VK


→ 24 Palestras do professor Pietro Ubaldi em áudio com transcrições ←


Caros, já estão disponibilizadas na comunidade a série de vinte e quatro palestras proferidas em áudio pelo professor Pietro Ubaldi (todas transcritas no livro A lei de Deus, disponível para download na seção Documentos)

Um bom estudo para todos nós.



quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

EQUILÍBRIO DOS OPOSTOS

Comentário(s)

Por Aloísio Wagner


O princípio bipolar universal positivo-negativo, masculino-feminino, direita e esquerda, centro e periferia, implosão e explosão, centrípeto e centrífugo, concentração e expansão, é uma expressão natural no cosmos sideral, no campo físico, químico, biológico, psicológico, social, etc., onde da fusão e complementação das antíteses origina-se a síntese - a criação ou a transformação!

A luz provém da união dos pólos positivo-negativo e não de um dos pólos isolados. Um novo ser é produto da união do óvulo feminino com o espermatozóide masculino e não de um destes aspectos somente. As revoluções sociais são formadas após a conservação (energia feminina) de conquistas passadas e estratificadas no subconsciente coletivo como o "bom", o "ideal", e o "justo", por aqueles que trazem novos elementos construtivos, questionativos e reacionários (energia masculina), e que exigem mudanças e novas posturas, para mais à frente também estratificarem na alma social, gerando uma conservação daquilo que foi conquistado.

A evolução do ser conduz os indivíduos a realizarem a grande fusão e união destes dois pólos em si, em sua alma. O homem é a semente do protótipo "Anjo", que não mais é masculino e nem feminino, mas superou as fases primárias das antíteses (divisão, separação) e realizou a síntese (união), em seu íntimo. Disse Cristo: "Na ressurreição (iluminação da consciência) os homens não se casam e não se dão em casamentos, mas serão como os anjos no céu".

Diante das forças retrógadas e involutivas, simbolizadas pelo mal, pelo negativo da corrupção, da mentira, da ganância, da exploração, etc., Cristo nos deu o exemplo e orientação a seguir, equidistante do "ativo-masculino" que reage com violência e condenações, e do "passivo-feminino" que nada faz. Cristo determinou, em um momento de fúria de um povo ignorante que sentenciou uma mulher adúltera ao apedrejamento em praça pública, que atirassem a primeira pedra aquele que fosse sem pecados. O Mestre também não se acovardou diante de sacerdotes inescrupulosos; não silenciou diante do governador Pilatos que pensava ter sua vida nas mãos; não se aquietou diante dos guardas romanos que os batia, perguntando-os: "por que me bates?"

Evoluir é fazer nascer a asa da razão (sabedoria) com a asa do sentimento (amor). E só com estas duas asas que o homem alça vôo ao infinito da verdade. Assim, disse aquele, que segundo Albert Einstein, gerações futuras duvidariam que teria existido em carne e osso tal homem - Mahatma Gandhi, o grande apóstolo da Verdade e da não-violência:

"Quando estiverem em jogo os direitos fundamentais do Homem, o caminho é o da desobediência civil. Essa desobediência, no entanto, deve ser norteada pelo Amor. Devo insurgir-me contra a opressão, mas se odiar ao meu opressor, estarei imantado com ele por laço de ódio; e o ódio é uma enfermidade. Quando ergo a cabeça contra um tirano, meu objetivo deve ser curar-nos, a mim e a ele: a mim da subserviência, a ele da ilusão do poder, e a nós dois daquilo que os ocidentais chamariam sadomasoquismo."

"Insurgi-vos contra as tiranias, mas amai os tiranos. Levantai-vos contra as injustiças, mas não destruais os injustos. Combatei a opressão, mas não esmagueis os opressores. Lembrai-vos de que o opressor, o injusto, o tirano, são, também, fragmentos da vossa própria alma. Lutai o quanto puderdes pela transformação do mundo, mas não vos esqueçais de alimentar em vós o que desagrada nele."

"Sede simples como as pombas, mas astutos e prudentes como as serpentes". (Cristo)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

SOMOS UM VICE TRECO DE UM SUB TROÇO

Comentário(s)

Por Eronildo Aguiar

O Universo não passava de algo do tamanho da cabeça de um alfinete, antes da explosão. 

Surgido há pelo menos 13,73 bilhões de anos conforme a teoria do Big-Bang, tem aproximadamente 200 bilhões de galáxias. A nossa [a Via Láctea] está bem na ponta, nas margens da "esfera"; tem cerca de 100 bilhões de estrelas; uma delas é o nosso Sol. Com suas 8 ou 9 massas planetárias bailando em sua volta. A Terra é o terceiro planetinha. Nele, há pelo menos 30 milhões de espécies de seres vivos. A Ciência catalogou, até agora, cerca de 8,7 milhões. Pertencemos a espécie Homo Sapiens. Estamos inseridos numa turbamulta de 7 bilhões de indivíduos. 

Se uma máquina na velocidade da luz [300.000 Km/s aproximadamente] fosse percorrer de uma ponta a outra a lateral da Via Láctea, demoraria 30 mil anos. Em sua extensão levaria 100 mil anos. Se fosse percorrer todo o Universo conhecido, demoraria DUZENTOS [200] TRILHÕES DE ANOS....

Como disse Mário Sérgio Cortella, somos um vice treco de um sub troço.


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