Quando Sócrates, aos 70 anos, foi condenado à morte
como “desprezador dos deuses e corruptor da juventude”, na noite que precedeu a
sua execução, seu grande amigo Kriton
subornou os guardas e
abriu as portas
do cárcere, convidando o velho
filósofo a fugir.
— Por que? – perguntou Sócrates.
— Porque amanhã te vão matar — respondeu Kriton.
— Matar? a mim? — tornou tranquilamente o
sábio — Ninguém pode
matar Sócrates.
E, puxando a pele da mão e batendo no osso do
crânio, acrescentou: — Kriton, você pensa que isto aqui é Sócrates? Isto é um
involucro ao redor de mim, mas isto não sou eu. Eu não sou o meu corpo, eu sou
a minha alma. Sócrates é imortal.
Na manhã seguinte, conforme ordem do governo de
Atenas, bebeu ele a taça de cicuta, que pôs termo à vida física desse grande
cristão antes de Cristo.
Ora, todo homem realmente espiritual é socrático, e
sabe com absoluta certeza que o seu verdadeiro Eu é divino, eterno, imortal, e
não pode jamais estar em contradição com Deus, porque
a alma humana é Deus mesmo em forma individual.
Por isto,
a santidade do homem
espiritual consiste na
vigorosa afirmação de seu verdadeiro
Eu, e na
negação de seu
pseudo-Eu, ou antes
na completa subordinação do
segundo ao primeiro. O céu não é, como ele sabe, a extinção nirvânica do Eu,
mas, sim, a retificação cristã do conceito da personalidade, a definitiva e
vitoriosa compreensão da natureza divina de sua alma e a perfeita harmonização
da sua vontade individual humana com a vontade universal de Deus.
À luz
dessa grande verdade,
a vida espiritual
deixa de ser
sacrificial e cruciante, acabando
por tornar-se profundamente deleitável e jubilosa.
O homem espiritual cumpre a
vontade de Deus com o mesmo júbilo com que cumpriria a sua
própria vontade, porque
sabe que a
perfeita realização da vontade de
Deus é a única realização do seu verdadeiro Eu.
(Huberto
Rohden - Livro : Profanos e Iniciados - Trecho do Cap. Profano, Ético e Espiritual)