Os anos de 1945 a
1946 passei na Universidade de Pricenton, Estados Unidos, aceitando uma bolsa
de estudos para “Pesquisas Científicas”, oferecida por essa Universidade.
Quase nada sabia
eu, até essa data, do maior matemático do século – e talvez de todos os tempos
– que lançou as bases para a Era Atômica. Nem mesmo sabia da sua presença em
Princenton, pequena cidade derramada no meio de vasto descampado, a uma hora de
trem de New York. Cerca de um mês após minha chegada a Princeton, passando um
dia pela Mercer Street, meu companheiro mostrou-me um sobradinho modesto em
pleno bosque e quase totalmente coberto de trepadeiras, dizendo que lá morava
Albert Eisntein.
Mais tarde, em
companhia de outro brasileiro, consegui uma rápida visita a esse homem
solitário e taciturno. Cabeleira desregrada, barba por fazer, sapatos sem
meias, todo envolto em um vasto manto cinzento, com olhar longíncuo de esfinge
em pleno deserto – lá estava esse homem cujo corpo ainda vivia na terra, mas
cuja mente habitava nas mais remotas plagas do cosmos, ou no centro invisível
dos átomos.
Conversar com
Einstein seria profanar a sua sagrada solidão. Mais tatde descobri que ele
costumava subir, cada manhã, o morro atrás da Universidade, em cujo topo verde
se ergue o Institute for Advanced Studies(Instituto para Estudos Superiores),
onde Einstein se encontrava com a equipe atômica – Oppenheimer, Fermi, Bohr,
von Braun, Meitner, e outros corifeus.
Durante essa
subida, através do bosque, era possível a gente se encontrar com Einstein sem
ser importunado. Ele subia quase sempre sozinho, mais cosmo-pensado que
ego-pensante. Às vezes, emparelhava eu com o silencioso peregrino sem que ele
me visse – tão longe divagava sua mente pelo mundo dos átomos ou dos astros.
Esses encontros solitários eram a única oportunidade para expor as minhas
idéias, então ainda embrionária, sobre a misteriosa afinidade entre Matemática,
Metafísica e Mística, que mais tarde expus em aulas e livros, com grande estranheza
dos de fora.
Já nesse tempo me
convenci de que um homem pode atingir os pináculos da mais pura ética sem o
recurso a nenhuma religião particular. Einstein era o exemplo vivo de um homem
bom e feliz, ele que não professava nenhuma espécie de religião confessional.
Era um homem profundamente religioso sem nenhuma. Na teologia era Einstein
considerado como “ateu” – mas à luz da verdadeira filosofia era ele um grande
“místico”. Esse estranho paradoxo aconteceu aliás, a quase todos os grandes
gênios religiosos, se, executar o próprio Cristo: eram condenados como ateus
pelos teólogos dogmáticos, e admirados como místicos pelos filósofos
imparciais. É que todo o gênio profundamente religioso sente a sua afinidade
com um Poder Supremo; mas, porque não vê nesse Poder uma pessoa, uma entidade
individual, as igrejas dualistas o tacham de ateu e irreligioso. Buda, a
consciência espiritual da Ásia, nunca falou em Deus, e poderia ser considerado
como o rei dos ateus místicos. Sendo que a matemática, quando totalmente abstrata,
é o contato direto e imediato com a alma da realidade universal, para ale, de
todas as Facticidades concretas, é natural o homem, assim identificado com a
Infinita e Absoluta realidade, não dê importância às coisas individuais e
finitas, que governam a vida do homem comum. Louvores ou vitupérios, sucesso ou
insucesso, vivas ou vaias, amores ou ódios, simpatias ou antipatias – nada
disto afeta e desequilibra a mente do homem que se harmoniza com a suprema
Realidade do Cosmos, com o invisível UNO que permeia todos os VERSOS visíveis
do Universo. E o que há de mais paradoxal e maravilhoso é que esse equilíbrio
entre os extremos opostos não faz do homem cósmico um homem indiferente e frio,
mas o torna sereno e benévolo para com todas as creaturas de Deus. Einstein, o
homem místico-cósmico, era um homem amavelmente ético-humano.
Durante o longo
estado de coma que pôs termo a vida de uma parenta sua, o exímio matemático
tinha tempo para ficar sentado horas inteiras à cabeceira dela, tocando violino
ou lendo os diálogo de Platão sobre a imortalidade, e quando alguém o advertiu
que a doente estava inconsciente, Einstein respondia que ela ouvia tudo, embora
não pudesse reagir visivelmente.
Um dia, a empregada
quis pôr em ordem na pitoresca desordem da papelada de Einstein sobre a
escrivaninha, e encontrou um cheque de mil dólares, já com enorme atraso,
marcado a leitura de um livro. Quem sabe se Einstein não jogou alguma dessas
cobiçadas preciosidades no cesto de papel velho?...
Tenho na minha
pequena biblioteca dois livros de Einstein que não tratam de matemática nem de
átomos. Um deles se intitula Mein Welbild, cuja tradução inglesa diz The word
as I see it(O mundo como eu vejo). O título do outro é Aus Meinen Spaeten
Jabren(Dos meus Últimos Anos). São coletâneas e discursos e artigos ocasionais
sobre Deus, o homem, a sociedade, sobre filosofia, ética, sociologia e política
não partidária. Nas minhas aulas sobre filosofia Univérsica, bem como em
diversos livros meus, tenho citado tópicos desses livros. Quando, pela primeira
vez, substituí o termo grego "cósmico" pela equivalente palavra
latina "univérsico", houve grande clamor nas fileiras dos que julgam
não poderem usar vocábulos não devidamente carimbados pelos dicionários
infalíveis. Hoje, porém, já têm a coragem de usar o maravilhoso adjetivo duplo
"univérsico" em lugar do termo simples "cósmico".
O que há de
notável, quase incompreensível, nas palavras de Einstein, é do fato de ele
afirmar categoricamente que qualquer lei cósmica pode ser descoberta pelo
"puro raciocínio", como ele chama a intuição cósmica; apela para o
princípio dedutivo do a priori. Afirma que a intensa concentração mental, a
diuturna focalização no UNO do mundo do VERSO, dos efeitos ou Canais. Quando
professor da Politécnica de Zurique, na Suíça, causou verdadeiro escândalo
entre seus colegas, ao afirmar que o princípio básico de toda a ciência
superior era a priori-dedutivo, e não a posteriori-indutivo. Em nossa linguagem
seria: o último estágio de processo cognoscitivo, vai do UNO ao VERSO, e não
vice-versa. O homem deve focalizar a Causa (UNO) e daí partir para os
Efeitos(VERSO). Surge a magna pergunta: Como atingir a causa, a não ser pelos
efeitos?
Mas Einstein nega
que haja um caminho que conduza dos efeitos para a causa, ou no dizer dele, dos
fatos, para os valores. Afirma que o mundo do UNO, da Causa, do Valor, da
Realidade, é revelado ao homem, quando ele está em condições de receber essa
revelação; o homem não pode causar esta revelação da realidade, mas deve e pode
condiciona-la. "Eu penso 99 vezes, e nada descubro; deixo de pensar e
mergulho no silêncio - e eis que a verdade me é revelada." Na filosofia
milenar da Bhagavad Gita se exprime esta verdade do modo seguinte: "Quando
o discípulo está pronto, o mestre aparece." Em nossa Filosofia Univérsica
diríamos: Quando o Ego está em condições propícias, o Eu se revela. Ou seja:
Quando o canal está aberto, as águas da fonte fluem para dentro dele.
Os teólogos diriam:
Quando o homem tem fé, Deus lhe dá a graça. No mesmo sentido disse o Cristo:
"As obras que eu faço não sou eu que faço, mas é o pai em mim que faz as
obras; de mim mesmo nada posso fazer."
Em todos esses
casos, não desce a essas aplicações, mas o princípio fundamental da sua
matemática é o mesmo: estabelecer condições favoráveis pára que a causa possa
funcionar. As condições são do homem, mas a causa é do cosmos.
Afirma Einstein que
a Matemática, quando abstrata, é absolutamente certa; mas, quando concretizada,
perde da sua certeza na razão direta da sua concretização. Com outras palavras:
A Realidade é 100% certa, ao passo que as facticidades não acusam 100% de
certeza. Ora, é precisamente este o princípio básico de toda a verdadeira
Metafísica e Mística: A certeza que elas dão da realidade não lhes vem das
Facticidades, do mundo concreto dos fatos, dominados por tempo e espaço; mas
vem-lhes do mundo da pura realidade. E, como nenhum fato pode dar certeza,
também nenhum fato pode destruir a certeza que o metafísico-místico tem da
Realidade.
Certeza, firmeza,
segurança, tranqüilidade, consciência da Realidade, serenidade, felicidade -
tudo isto brota da fonte suprema da própria Realidade, e não pode ser engendrado
nem destruído pelas facticidades.
Victor Frankl,
médico-psiquiatra, judeu-alemão, diretor da Politécnica Neurológica da
Universidade de Viena, escreveu livros sobre logoterapia, e aplicou essa
terapia, com grande sucesso, a seus doentes, usando na Medicina, o mesmo
consciente com a realidade central do homem(Uno, Eu). para curar desarmonias no
mundo das facticidades do homem(Verso, Ego).
Joel Goldsmith, em
Honolulu, escreveu um livro intitulado A Arte de Curar pelo Espírito, em que
ele aplica o mesmo princípio a priori-dedutivo para curar doentes. Fez diversas
vezes viagem ao redor do globo, a convite de doentes, sem jamais recorrer ao
processo empírico-analítico da medicação material-mental. basta focalizar
intensamente a fonte do Uno ou Eu, e os canais do Verso ou Ego recebem as águas
vivas da saúde.
Em face disto,
poderíamos acrescentar aos três MMM da matemática, Metafísica e Mística, mais o
M da Medicina, contanto que por medicina se entenda a cura pela raiz do Uno-Eu,
e não apenas a repressão de sintomas da superfície do Verso-Ego, como faz a
medicina comum.
Matemáticos,
metafísicos, místicos e médicos, nos mais altos pináculos da intuição cósmica,
estão convergindo para o mesmo foco único; ou melhor, estão recebendo da mesma
Fonte para plenificar os seus canais. Basta entrar em contato direto, imediato
e plenicosciente com a plenitude da Fonte Suprema, o UNO do Universo - e todas
as desarmonias dos canais, do Verso, serão sanadas pelo impacto desse UNO.
Enquanto a mais
pura Matemática não se tornar o principio dominante da Metafísica, da Mística e
da Medicina, não pode haver uma melhoria substancial no seio da humanidade. Há
quase dois mil anos, isto mesmo foi enunciado pelo maior e mais univérsico
gênio da humanidade: "Conhecereis a Verdade - e a Verdade vos
libertará."
Huberto Rohden - Prefácio de seu livro "Einstein, o Enigma do
Universo"