A lagarta, ou taturana, é bem o símbolo do homem profano. A borboleta é comparável ao homem iniciado.
A lagarta rasteja pesadamente nas baixadas. O seu corpo desgracioso não é senão boca e estômago.
Para que a lagarta possa tornar-se borboleta, é indispensável que passe por uma espécie de morte, a crisálida, ou o casulo. No fim do seu período de lagarta, deixa ela de comer, retira-se a uma lugar solitário e lá se metamorfoseia. Não sabemos se ela sofre com esta metamorfose.
E, se sofre, também aceitaria de boa vontade esse sofrimento, porque, instintivamente, a lagarta sabe que o seu verdadeiro estado é o de borboleta alada. Nesse último estado é o inseto completamente diferente da lagarta: com quatro asas velatíneas, meia dúzia de pernas elegantes e flexíveis, dois olhos de opala com milhares de facetas visuais; dispõe de uma língua em forma de espiral contráctil, com o qual suga o néctar das flores.
Em vez de rastejar pesadamente pela terra, a borboleta voa elegantemente pelos espaços ensolarados, donde só desce, de tempos a tempos, para se alimentar duma gotinha de néctar sugado do perfumoso cálice das flores.
Há um contraste frisante entre toda a vida da lagarta e a da borboleta. E toda essa modificação se deu durante a morte da lagarta e o nascimento da borboleta, que é a crisálida, que pode ser comparada com uma meditação profunda.
Durante a verdadeira e completa meditação, o homem fica como morto, imóvel, silencioso, totalmente ensimesmado na consciência espiritual, sem o funcionamento dos sentidos e da mente. A meditação foi comparada pelos mestres espirituais como o egocídio, ou morte voluntária e temporária do nosso ego físico-mental, mas em plena vigília do Eu espiritual. Paulo de Tarso referindo-se a esse estado, escreve: "eu morro todos os dias, e é por isso que eu vivo- mas já não sou eu quem vivo, o Cristo é quem vive em mim."
E o próprio Cristo diz: "Se o grão de trigo não cair em terra e morrer, ficará estéril; mas, se morrer, produzirá muito fruto". Um homem que nunca passou por este estado de morte voluntária, continua a ser um homem profano, materialista, interessado somente nas coisas do corpo físico e das emoções.
Como já dissemos, não é o sofrimento como tal que transforma o homem, mas é o sofrimento compreendido e aproveitado. Mas o homem que nunca viveu no seu interior por uma profunda interiorização ou meditação, dificilmente pode sofrer com serenidade, não pode dizer "eu transbordo de júbilo no meio de todas as minhas tribulações".
O homem profano, sem sofrimento transformador, continua a vida inteira como lagarta pesada e comilona - ao passo que o homem que passou por um sofrimento compreendido, e aceito, entra numa atitude de serenidade e leveza, que faz lembrar o adejar silencioso da borboleta, que, apesar disto, continua a manter o contato com a terra.
O sofrimento compreendido e aceito confere ao homem uma intuição estranha das coisas superiores; dá-lhe gosto pelas coisas que, outrora, o desgostavam; dá-lhe facilidade de compreender o incompreensível e de ver as coisas invisíveis.
Ninguém pode gostar do sofrimento por causa do sofrimento - que seria masoquismo mórbido - mas que pode querer o sofrimento como um meio e um caminho que conduzem a uma vida superior, que os não- sofredores ignoram.
Esta inefável estesia e clarividência que o sofrimento compreendido produz vale por todas angústias anteriores. O lúgubre fantasma vestido de luto se transformou num querubim luminoso, com a luz da felicidade nos olhos e o sorriso da vida eterna nos lábios.
Quem quiser voar como a borboleta, não tenha medo de morrer como crisálida, depois de ter vivido como taturana.
Huberto Rohden
Livro: Porque Sofremos, págs 63 E 64.