Teus sopros sonoros povoavam de sonhos multicores meus anos felizes...
Sobre as asas das tuas melodias, visitaram-me Beethoven e Haydn, Haendel e Wagner, Bach e Chopin – todos os gênios da divina harmonia...
Veio, depois, a derrocada cruel!...
E tu, piano querido, passaste a mãos estranhas...
Chorei, chorei, chorei...
Panelas malditas!...
Que ódio profundo vos tive...
Negrejante bateria culinária – legião de Satã sobre o fogo infernal...
Panelas e tachos, chaleiras e frigideiras – por que suplantastes meu lindo piano?...
Por que me enchestes de prosaísmos a poesia da vida?...
Roubastes à minha pele a tez delicada...
Tirastes-me das unhas o esmalte luzidio...
Fizestes de mim trivial cozinheira...
Que música é essa, fogões, que vossas bocas exalam?...
Fumo e vapores, cinza e fuligem! – é este o ambiente em que vivo...
Ah! como chorei, chorei, chorei!...
Panelas amigas!...
Há muito, muito tempo, que meu ódio morreu...
Discreta simpatia sucedeu à antipatia que vos tinha...
Convivo convosco, panelas amigas – e com as que vos servem...
Almas singelas e simples vos cercam – almas com muita alma...
Quero-lhes bem, a essas criaturas de branco avental – e elas me querem...
Quase operária entre operárias – trabalhando, lutando, sorrindo – calando.
Muita coisa morreu dentro de mim – e muita coisa em mim nasceu...
Montanhas de dores sobre mim desabaram...
Oceanos de lágrimas me lavaram as faces...
Incêndios atrozes me arderam na alma...
E após esta tempestade cruel – a grande bonança...
Compreensão... Serenidade... Resignação... Calma... e Paz...
O reino de Deus dentro de mim...
A atmosfera do Nazareno em torno de mim...
Mais belas que as melodias do piano querido, canta, entre panelas amigas – a sinfonia de Deus...
Achei a mim mesma – na renúncia do ego...
E choro – feliz...
Na felicidade dos outros...