Por Pietro Ubaldi
Encontrei-me, viajando pelo mundo, em todos os ambientes.
Achei-me entre católicos e os observei. Muitos deles eram sinceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princípios de sua religião. Sua verdadeira fé me encheu de admiração. Outros deles, porém, embora verbalmente se confessassem e nas práticas religiosas se manifestassem perfeitamente ortodoxos, não viviam inteiramente seus princípios, demonstrando com fatos que, em realidade, neles não acreditavam de modo absoluto. Isso me encheu de tristeza.
Achei-me, depois, entre os protestantes e os observei. Muitos deles eram sinceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princípios de sua religião. Sua verdadeira fé me encheu de admiração. Outros deles, porém, embora verbalmente se confessassem e nas práticas religiosas se manifestassem perfeitamente ortodoxos, não viviam inteiramente seus princípios, demonstrando com fatos que, em realidade, neles não acreditavam de modo absoluto. Isso me encheu de tristeza.
Achei-me, também, entre os espiritistas e os observei. Muitos deles eram sinceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princípios de sua doutrina. Sua verdadeira fé me encheu de admiração. Outros deles, porém, embora verbalmente se confessassem e nas práticas formais se manifestassem aderentes à sua doutrina, não viviam inteiramente seus princípios, demonstrando com fatos que, em realidade, neles não acreditavam de modo absoluto. Isso me encheu de tristeza.
Achei-me, depois, entre os teosofistas, os maçons, os maometanos, os budistas etc. e observei o mesmo fenômeno.
Encontrei-me até entre ateus, materialistas convictos. Não obstante, entre eles encontrei os que procuravam viver segundo superiores princípios de retidão. Senti respeito por eles. Qualquer convicção vivida com retidão merece respeito. O que me encheu de tristeza foi ver o ateu, materialista animalescamente involuído, somente animado de instintos egoístas para prejudicar o próximo.
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Observando-os todos, perguntei a mim mesmo, então: a divisão real, verdadeira, entre os homens, é a de uma religião, doutrina ou crença, ou é, antes, entre o homem sincero e honesto e o homem falso e desonesto, que se encontram no seio de todas as religiões, doutrinas e crenças? Embora as várias divisões humanas, em cada uma delas sempre encontrei esta outra divisão universal de bons e maus.
Perguntemos a nós mesmos, então: não será esta a verdadeira distinção, muito mais real que a outra em que tanto se insiste? Pertencer ao primeiro tipo de homem, antes que ao segundo, não será muito mais importante e decisivo do que pertencer a um determinado agrupamento religioso? Que importa pertencer a esta ou aquela religião, quando não se é sincero nem honesto? Não é o fundamental em qualquer campo? E não é, então, esta a mais importante entre todas as divisões humanas, muito mais do que a atualmente aceita? Não será essa a divisão que Deus mais assinala, de preferência a outra, que se refere, mais que a bondade do homem, aos interesses humanos que em torno dela se agrupam?
Qual é o fato mais decisivo para a edificação do homem (isso constitui o objetivo de todas as crenças) — os pormenores dogmáticos e doutrinários, a ortodoxia da letra ou o haver compreendido o simplicíssimo princípio do bem e do mal, princípio universal, existente em todas as religiões, inscrito no espírito humano e, sobretudo, viver esse princípio?
A verdadeira distinção, nesse caso, não é a atualmente vigorante em nosso mundo entre católicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maçons, maometanos, budistas etc. — mas, sim, o justo e o injusto. Esta é a distinção substancial, a que tem valor diante de Deus, muito mais importante que a outra, que pode ser apenas formal. Na segunda se pode mentir e ela, então, é fictícia; nunca na primeira, que é real.
Por que, então, tantas lutas religiosas e doutrinárias? Não têm elas outro valor senão o de defender o patrimônio conceptual do grupo e os interesses que dele dependem. Por que, então, não reduzir todas as crenças a esse seu denominador comum, que é a sua substância, em que todas se encontram, além de todas as divisões? E por que não achar nessa substância a ponte que as une todas numa característica comum, em lugar de procurar em especulações sutis que pode dividi-las? Por que não parar e insistir no que importa acima de tudo; a bondade e a evolução do homem?
Tudo isso é importantíssimo para a fusão das almas no caminho da unificação, que é o futuro do mundo em todos os campos. Daí nasceria um grande respeito recíproco, uma nova possibilidade de compreensão, um superior espírito de fraternidade. O cioso amor à ortodoxia, justificável em outros tempos, excitado até o ponto de preferir a letra ao espírito, pode significar uma satânica falsificação da fé na psicologia farisaica, enfermidade de todos os tempos e de todas as religiões. Pode, então, acontecer que se faça da religião o que sempre se tem feito do amor a pátria que, embora santo em si, se transforma em agressividade e guerras contra outras pátrias. Ora, como esse tipo de amor nacional está hoje em vias de desaparecimento, superado pela vida que caminha para a unificação social, do mesmo modo a vida superará o espírito de absolutismo e intransigência, pois ela se dirige para a unificação religiosa.
É necessário, assim, abandonar o espírito separatista de domínio, em nome de absolutismos, numa verdade que na Terra, para o homem, não pode deixar de ser relativa e progressiva, isto é, em função de sua capacidade evolutiva.
A vida hoje caminha para a colaboração por compreensão em todos os campos e os imperialismos, políticos ou religiosos, pertencem a fases que estão sendo superadas. Os imperialismos espirituais retardam a unificação, que se situa justamente no campo das convicções e das consciências e que não se pode obter com o espírito de absolutismo e de domínio.
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Qual é, pois, a religião de substância em que poderão pacificar-se todas as distinções humanas, encontrando-se em seu denominador comum?
A religião de substância é somente uma. A ela pertencem todos os honestos que crêem sinceramente e vivem suas crenças, sejam católicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maçons, maometanos, budistas etc..
Estão, ao contrário, fora da religião, todos os falsos, os injustos, os que interiormente não crêem (embora formalmente em seus lugares), os que não vivem suas crenças, sejam católicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maçons, maometanos, budistas etc. Estes se igualam no representar a traição a idéia que professam.
Na "Mensagem de Natal" de 1931, diz Sua Voz: “...não está longe o dia em que somente uma será a divisão entre os homens: justos e injustos”. Na Terra, em todos os campos, existem sempre dois tipos humanos: o evoluído e o involuído. Encontram-se em todas as filosofias, governos, religiões, hierarquias e povos.
O involuído vive sempre no nível animal, é animado pelo espírito de dominação e, por isso, intransigente e agressivo; fecha-se na forma, desprezando a substância; é mais ligado a terra que ao céu. julga-se, em todos os campos, sempre com a posse da verdade e da parte de Deus, julgando todos os outros como situados no erro e da parte de Satanás. Tende a egocêntrica monopolização da Divindade.
O evoluído tem características opostas. Vivendo num nível mais alto, é animado pelo espírito de fraternal compreensão; tolera e auxilia; fala com o exemplo, dando e não dominando; é mais aderente à substância que à forma, mais unido ao céu que à terra. Não julga nem condena. Tende a anular seu eu em Deus e no amor ao próximo. Não se faz paladino da verdade para exigir virtude dos outros, mas começa por praticá-la, ele mesmo: ilumina, não impõe, pois respeita as consciências. Não pretende ser o único que tem Deus consigo. Não identifica com o mal tudo que está fora de seu eu, do seu grupo ou hierarquia nem o condena em defesa própria. Não se faz representante de Deus para dominar com sua personalidade, mas reconhece em Deus o Pai de todos.
O homem está evolvendo e a religião dos justos será a religião unitária que a todos entrelaçará. O estado vigente até hoje corresponde à fase caótica do mundo. Ele caminha, porém, para a fase orgânica na qual, em todos os campos, os relativos pontos de vista se coordenarão numa verdade universal.
A religião una será a substancial, a religião do bem e dos bons, que se compreenderão, por serem evoluídos. Para essa compreensão os involuídos ainda não estão maduros, pois só podem crer que a salvação depende apenas da filiação a esta ou aquela forma da verdade, sem cuidar da substância, que pode estar em todas as formas. Tudo isso, porém, será fatalmente superado.
É lei de evolução que o dualismo, em que se dividiu nosso universo, gradativamente, em todos os campos se vá reconstituindo em sua originária unidade de que o espírito caiu na cisão, na forma, na matéria. É fatal lei de evolução que chegue finalmente à Terra a tão esperada realização do Reino de Deus.
Pietro Ubaldi, Livro: Fragmentos de Pensamento e de Paixões, Cap. A Verdadeira Religião (1952)