Não
minto...
Não engano...
Não mato...
Não roubo...
Não adultero...
Não
exploro...
Não odeio...
Não sou egoísta...
Toda pessoa aprova estas afirmações
éticas em forma negativa, embora não as pratique, talvez. E os que as
praticam sabem quão difícil é ser bom, moralmente honesto, eticamente
correto.
A vida ética é, de fato, uma
interminável série de sacrifícios, razão por que há tantas leis, promessa de
prêmios, cominação de penalidades, sanções de todo o gênero, a fim de obrigar
ou compelir os homens a evitar o mal e fazer o bem. O homem, no presente
estágio evolutivo, tem de ser compelido,
física ou moralmente, para ser “bom” – por quê? Porque ainda não é impelido a ser bom. Onde não há impulso deve haver compulsão. Compelir denota
um agente externo, impelir revela um agente interno. A ética compulsória é
imperfeita e precária, embora necessária em certo nível evolutivo
da humanidade. Mas, quando a compulsão externa cede lugar ao impulso interno,
quando a lei é integrada no amor, deixa a ética de ser cruciante e
sacrificial, para se tornar fácil, deleitosa, entusiástica.
O profano total não pratica a ética,
nem por impulso interno nem por compulsão externa, porque é um analfabeto
absoluto nos domínios do universo espiritual.
O homem semi-profano e semi-espiritual
– quer dizer, o homem de boa vontade, mas ainda sem experiência pessoal de Deus
– pratica ou procura praticar os preceitos éticos com o constante esforço de um
herói que, dia a dia, hora por hora, vive a lutar contra a gravitação do seu Eu
inferior; esse homem é moralmente bom, embora não seja espiritualmente
perfeito. A imensa maioria dos homens bons do presente século pertence a
este grupo. São eles os autores da filosofia popular de que
“todo o mal é fácil e todo o bem é difícil”, filosofia, certamente exata,
quando considerada à luz da nossa evolução atual.
Entretanto, é fora
de dúvida que não é nem pode
ser este o estado final e definitivo da
humanidade. O destino do homem não é ser sacrificialmente bom,
mas sim jubilosamente bom, e, portanto, bom e feliz,
como são todos os seres que já atingiram o “céu”, por terem feito o centro do
seu pequeno Eu humano coincidir perfeitamente com o centro do grande Tu divino;
todos eles sabem de ciência própria que essa concentricidade do querer da
criatura e do querer do Creador não só faz o homem absolutamente bom,
senão também integralmente feliz. De fato, o ser-bom em
toda a sua plenitude e maturidade é idêntico ao ser-feliz em toda a sua extensão e intensidade. Todo
ser integralmente bom é necessariamente um ser totalmente feliz, uma vez
que a nossa felicidade não é outra coisa senão a
perfeita harmonia, com as leis eternas, do nosso ser humano,
leis essas essencialmente idênticas às leis que regem o universo. Estar em
harmonia com Deus é estar em harmonia com o Eu e com o Cosmos
– e é precisamente nesta perfeita sintonização ou
harmonia que consiste a nossa felicidade. Sendo que Deus é a íntima essência do
meu ser humano e do ser do cosmos, é evidente que a harmonia com Deus implica
necessariamente a harmonia comigo mesmo e com o mundo de Deus. Se assim não fosse, o mundo de Deus não seria um cosmos de ordem e harmonia, mas sim um caos de
desordem e desarmonia.
Nesse plano final da evolução, o
imperativo categórico do dever é absorvido pelo
optativo volitivo do querer. A lei é integrada no amor. A
ética é sublimada em mística. Esse homem ama a lei, gosta de fazer o que deve,
saboreia como suprema liberdade aquilo que aos outros amarga como escravidão da
lei. Esse homem cumpre a mesma lei que os outros cumprem (ou não cumprem), mas cumpre-a de outro modo, cumpre-a livre e espontaneamente, quando outros a
cumprem por entre queixumes e gemidos.
A verdadeira e
definitiva redenção do homem vem do amor à
lei, amor esse que supõe, naturalmente, a perfeita compreensão da alma da
lei.
O corpo da lei é amargo – a alma da lei
é suave.
O profano odeia a lei.
O homem meramente ético tolera a lei.
O homem espiritual ama a lei.
Para o primeiro, a lei é a grande
inimiga.
Para o segundo, é uma soberana
exigente.
Para o terceiro, é amiga querida.
O que não se faz com espontâneo amor,
prazer e entusiasmo, não tem sólida garantia de perfeição e perpetuidade. Se o
homem comesse, bebesse e dormisse só por ser de sua estrita obrigação ética, já
não existiria homem vivo sobre a face da terra; se o homem, e em geral os seres
orgânicos, praticassem atos sexuais com fins de procriação apenas compelidos
pelo inexorável imperativo do dever, já não haveria vestígio de vida orgânica
no planeta Terra. Mas, como as necessidades básicas do indivíduo e da espécie
estão invariavelmente ligadas ao prazer, ou seja, a uma espécie de “felicidade”
ou experiência de “bem-estar”, existe sólida garantia de perpetuidade do
indivíduo através da espécie, porquanto o fim último de todo o ser é a sua
felicidade. A felicidade não é um meio para algum outro fim, mas é um fim em si
mesma. Ninguém quer ser feliz para alguma coisa ulterior, como quer ganhar
dinheiro ou procura trabalho ou empreende viagens; a felicidade tem a sua
razão-de-ser dentro de si mesma, é auto-imanente, é o termo da jornada e de
todas as jornadas do homem; ao passo que todas as outras coisas são apenas
caminhos e meios que levam a esse termo feliz.
Por isto, quando
o homem descobre a dulcíssima medula
do amor no duríssimo invólucro da lei, estão garantidas a sua
bondade e a sua felicidade indefectíveis, porque a inefável delícia que ele
descobre em ser bom é infalível garantia da sua persistência no bem.
A última razão de perpetuidade da
religião sobre a face da terra está no fato de aparecerem, periodicamente,
grandes gênios de espiritualidade que conhecem a Deus por experiência pessoal e
encontram intensa delícia em o “amarem de todo o coração, de toda a alma, de
toda a mente e com todas as suas forças” – homens cuja paixão metafísica e, se
assim se pode dizer, cuja volúpia mística consiste nesse irresistível
devotamento, nesse misterioso abismar-se na Divindade – são eles que garantem a
perpetuidade da religião. Para eles, cumprir a vontade de Deus não é medicina
amarga, mas sim um delicioso manjar, uma saborosa iguaria, um lauto banquete,
uma festa nupcial, uma extasiante sinfonia musical, no dizer de Jesus, que, de
vasta e profunda experiência pessoal, sabia dessa inefável beatitude de ser
integralmente bom.
Se não houvesse esses excelsos ébrios
da Divindade e iniciados no reino de Deus, a religião já estaria extinta,
porque os cumpridores da ética cruciante e sacrificial não ofereceriam
suficiente garantia para sua perpetuação; sucumbiriam, cedo ou tarde, ao peso
da cruz da sua moralidade obrigatória. Felizmente, o vasto incêndio espiritual
dos místicos irradia da sua inesgotável plenitude calor suficiente para manter
o nível da temperatura religiosa nas zonas frígidas circunjacentes, e, não
raro, lança do seu seio fagulhas ígneas que ateiam novos incêndios nas almas
receptivas, que contenham em si o necessário combustível para receber e manter
o fogo sagrado da humanidade espiritual. Há quase vinte séculos que o maior
desses homens-incêndio preserva o gênero humano da morte de congelamento
espiritual, graças à intensidade do fogo divino de que ele estava repleto.
O homem plenamente espiritual é o rei
dos realistas. Ele não mente, não engana, não mata, não rouba, não adultera,
não explora, não odeia, não é egoísta, simplesmente porque já não pode fazer
estas coisas, que lhe são profundamente anti-naturais, anti-biológicas,
anti-vitais, horríveis, feias, ingratas, positivamente impossíveis. Por outro
lado, esse homem integralmente bom experimenta todas as coisas boas como
gratas, deleitosas, belas, estéticas, queridas; ser-bom é para ele ser-belo,
ser-feliz.
Esse homem transcendeu todos os
problemas negativos...
Descobriu o elixir da felicidade...
Entrou no reino de
Deus...
(Huberto Rohden - Livro : Profanos e Iniciados)